A janela de tempo que temos para evitar extrapolar a meta do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 1,5°C em relação às temperaturas médias da era Pré-Industrial, está cada vez menor. De acordo com o Serviço Copernicus de Mudança Climática (C3S), o programa de observação da Terra da União Europeia (UE), quando o acordo foi firmado na capital francesa por 195 países, em 2015, a estimativa era de que, se continuássemos no mesmo ritmo de emissões, o mundo chegaria a esse grau de aquecimento em março de 2045. Atualmente, a data prevista para alcançarmos o limite de aumento de temperatura é março de 2033. Ou seja, 12 anos antes. Isso mostra que a temperatura do planeta está aumentando mais rápido do que a velocidade com que iniciativas para conter as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) vêm sendo implementadas.
Na última semana, a notícia de que o mundo completava o 13º mês consecutivo de recordes de calor, fechando um período de 12 meses (julho de 2023 – junho de 2024) com uma média de 1,64°C acima dos níveis Pré-industriais (1850-1900), acendeu um alerta sobre a gravidade da crise climática e gerou uma dúvida: isso significa que já ultrapassamos a meta? A resposta é não – mas nem por isso esses dados são menos preocupantes. Para entendê-los, é preciso antes conhecer como são feitos os cálculos que baseiam essas previsões. No Artigo 2 do Acordo de Paris, a comunidade internacional se comprometeu a limitar o aquecimento global em relação à era Pré-Industrial a “bem abaixo de 2°C” e a “tomar medidas adicionais” para atingir uma meta de aquecimento máximo de 1,5°C. Na ocasião, não haviam sido apontados quais indicadores deveriam ser utilizados para as medições.
A questão passou a ser abordada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) que, em seus relatórios de avaliação, recomendou considerar a temperatura média estimada no período de 1850 a 1900 como representativa do período pré-industrial. Além disso, os pesquisadores apontaram que não basta contabilizar um ano com temperaturas médias acima de 1,5° C, como ocorreu nos últimos 12 meses, para definir que o limite foi extrapolado. É preciso uma janela de tempo maior: pelo menos duas décadas.
No sexto e mais recente relatório do IPCC (AR6), que utilizou os critérios acima mencionados, pesquisadores estimaram que o planeta ficou 0,69°C acima da média pré-industrial entre os anos de 1986-2005, e uma média 1,1°C (algo entre 0,8°C e 1,2°C) acima no período de 2011-2020. O documento estimou, ainda, com alto grau de confiança, que o aquecimento global deverá atingir 1,5 °C entre 2030 e 2052 se continuar a aumentar na taxa atual. É aí que os dados do Copernicus entram para mostrar que estamos nos encaminhando para o cenário mais pessimista dessa avaliação.
Pela estimativa do serviço europeu, vamos atingir 1,5 °C daqui a nove anos. Para fazer este cálculo, o sistema usa como base as tendências de temperaturas do passado (1850 a 1900) e considera que o grau de aquecimento global em um ponto no tempo se refere ao aumento em uma média de 30 anos em relação à era pré-industrial. O gráfico, é claro, não pode ser considerado uma sentença, já que considera o quão rápido iremos atingir o limite se o aquecimento continuar no ritmo atual. Ou seja, ainda há tempo para frear essa tendência.
Os dados trazidos pelo Copernicus são extremamente relevantes para as medições de temperaturas globais. Ele faz parte do grupo de sistemas de monitoramento usados pela Organização Mundial Meteorológica (OMM), uma agência das Nações Unidas, para a produção de seus relatórios anuais. Além do sistema europeu, a OMM utiliza as agências americanas NOOA, GISS e Berkeley Earth; a japonesa JRA-55 e a britânica Hadley Centre. Em seu relatório mais recente, a OMM mostra que houve muito pouca dispersão nas estimativas da temperatura média global por essas diferentes instituições. Ou seja, todas acenam para o mesmo cenário.
Considerando as estimativas e a melhor ciência climática disponível, ainda temos alguma chance de evitar extrapolar a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris com a implementação de medidas urgentes e ambiciosas para redução de GEEs? A missão é dificílima. Em todos os cenários de emissões de gases calculados pelo IPCC no seu sexto relatório, o aquecimento global deverá alcançar e/ou ultrapassar 1,5°C em relação à média pré-industrial em algum momento entre hoje e 2040. Porém, é possível que essa ultrapassagem seja temporária. É o que ficou conhecido como “overshoot”, ou seja, um período de extrapolamento do 1,5°C que pode ser reversível – com a posterior queda das temperaturas para um número abaixo do limite. A reversibilidade não quer dizer que romper o limite de 1,5°C não deixará um rastro de danos permanentes para populações humanas e ecossistemas. Por isso, os esforços devem ser para que esse overshoot seja o menos intenso e menos duradouro possível, e para que as populações, principalmente aquelas em situação de maior vulnerabilidade, estejam preparadas para os impactos.
No ritmo atual, calcula o painel de especialistas, o uso de carvão mineral precisa cair 95%, o de petróleo 60% e o de gás natural 45% até 2050 para que a temperatura estabilize sem overshoot ou com ultrapassagem limitada. Seriam necessárias, ainda, ações urgentes para redução de desmatamento, proteção de sumidouros de carbono, como florestas e zonas úmidas, reflorestamento, empregar em ampla escala tecnologias de captura e armazenamento carbônico, entre outros. É tarde, mas ainda temos tempo.