Imposto Seletivo: Por que a pauta climática ficou de fora?

Todo o nosso consumo é direcionado pela carga de impostos, que servem não apenas para custeio e investimento públicos, como também para  moldar comportamentos. Ainda que não percebamos – já que os tributos vêm embutidos no preço final – não consumimos (ou consumimos menos) determinados produtos justamente porque sobre eles há um valor acima do que estamos dispostos ou podemos pagar. Não é multa, mas tem o mesmo efeito: tentar convencer o cidadão a não praticar determinado ato a menos que ele tope ficar desembolsando como consequência.

Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou a primeira regulamentação da Reforma Tributária: o chamado “Imposto do Pecado”. Esse tal “pecado” – cujo nome de batismo é Imposto Seletivo (IS) – se refere a uma parte da equação de um novo modelo de tributação no Brasil que tem por objetivo desincentivar o consumo de produtos que impactem o meio ambiente e as pessoas, estimulando o progresso social. Em síntese: determina que aquilo que faz mal para a saúde individual e coletiva seja sobretaxado, tornando mais atrativo consumir o que faz bem ou reduz impactos.

Dentro desta lógica, a preocupação com a redução de emissões deveria ser central. Mas não foi o que aconteceu. A pauta climática simplesmente não deu as caras no debate tributário desta semana, apesar de o governo ter afirmado que todas as ações na reforma tributária são guiadas pelo Plano de Transformação Ecológica (PTE).

Caminhões, que rodam a diesel – um dos combustíveis de origem fóssil que mais emitem gases de efeito estufa – ficaram de fora da lista, enquanto carros elétricos, que estão na crista da onda mundial sobre transição energética, serão taxados como “pecado”. Isentar veículos que queimam diesel vai na contramão da agenda de transformação ecológica dita prioritária pelo governo, o que deixa clara a mensagem que Parlamento e Executivo passam em relação a uma transformação pela ecologia do país: ela não é positiva para o clima.

No ambiente da negociação, quando líderes do governo dentro do Congresso não defendem que “pecado” contemple tudo o que não colabora para o Brasil reduzir suas emissões, há, no mínimo, uma contradição. Como o Brasil defenderá a descarbonização sabendo que o clima perdeu um dos bondes mais importantes da história do mandato de Lula?

A tal extrafiscalidade também jogará a favor do consumo de carne bovina, assim como das demais proteínas de origem animal, como frango, peixe, camarão, ovos e queijos, que terão alíquota isenta ou reduzida. Em matéria de política climática, há aqui ponto positivo e negativo: histórica e cientificamente, o consumo de carne tem relação direta com a expansão de pastos e, com eles, o aumento do desmatamento e da degradação florestal, sobretudo na Amazônia. No entanto, ao estimular outras fontes animais de menor emissão e consumo d’água no processo produtivo (como frango e peixe), o governo também abre alternativas para que a população possa variar a dieta e reduzir o consumo de carne bovina. É claro que ninguém está obrigado a virar vegetariano ou vegano, mas é essencial saber que uma das formas de combater as mudanças climáticas vem da redução do consumo de carne vermelha.

No balanço geral, nossa análise aponta que, na primeira grande regulamentação da Reforma Tributária, o Brasil perdeu a oportunidade de colaborar com a política climática. Além disso, reduções de alíquota ou isenções para determinados gêneros automaticamente irão sobrecarregar outra “banda” do governo, como os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Indústria e Comércio (MDIC), Transportes (MTrans), Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e Meio Ambiente (MMA), sobre os quais recaem a coordenação de políticas públicas vitais para a redução das emissões brasileiras, como os programas Mover, Nova Indústria Brasil, Terra da Gente, Agricultura de Baixo Carbono (ABC+) e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm).

A bola agora está com o Senado, que ainda pode rever os pontos aprovados pela Câmara. Ainda há tempo, mas… Haverá disposição?

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Em uma semana cheia, o Monitor de Atos Públicos captou 16 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 8 e 12 de julho. O tema mais frequente da semana foi Institucional, com 6 normas, seguido de Terras e territórios, com 4 normasA classe mais captada da semana foi Regulação (8) e Reforma Institucional (4).


O que de fato quer o tal “Federalismo Climático”?

Há poucos dias, uma resolução do Conselho da Federação determinou que política climática deve ocupar lugar central em todas as políticas públicas nos três níveis da federação. Isso significa que não só a União, como os estados e municípios devem adotar metas climáticas de modo “continuado, progressivo, coordenado e participativo” entre todos os atores relevantes. Desafio imenso para um Brasil de muitos “Brasis” e realidades administrativas, orçamentárias e financeiras limitantes, além de cultural e politicamente desafiadoras, em muitos casos.

Ponto de atenção é o caráter exclusivamente “diretivo” da norma, que não se propõe a, em termos práticos, equacionar o problema dos meios de implementação de políticas públicas em níveis estadual e local. Para que isso ocorra e o Brasil exercite um federalismo coeso, é necessário que o governo federal reveja o modus operandi atual, a começar do agudo desbalanço entre, de um lado, o extenso conjunto de atribuições estaduais e municipais (tanto comuns quanto concorrentes) e, de outro, a parca capacidade operacional e de presença territorial, resultados da limitação orçamentária e arrecadatória, especialmente de municípios, que são, em imensa parcela, dependentes de repasses dos demais entes e fiscalmente críticos.

A norma deve ganhar força no 2º semestre, quando é esperado que o Executivo encaminhe ao Congresso o Projeto de Lei que institui a nova Política Nacional sobre Mudança do Clima, a ser revista após 15 anos de sua primeira versão, em 2009. Se as metas climáticas nacionais forem realmente ambiciosas, todos terão de colaborar. A questão é: o quanto cada um pode fazer com as condições que têm?

Brasil realiza nova emissão de títulos soberanos pela sustentabilidade 

A exemplo do que já havia feito em novembro de 2023, o governo brasileiro novamente emitiu títulos soberanos pela sustentabilidade, na ordem de dois bilhões de dólares. A emissão foi efetivada no final de junho e o mercado escolhido foi o dos Estados Unidos, conforme detalhou o Tesouro Nacional. Emitir títulos é uma forma de o governo buscar financiamento para suas políticas públicas, baseada em papéis que funcionam como dívidas do país emissor, que se compromete a pagar os detentores desses papéis (investidores) com juros, no futuro, num prazo pré-fixado.

A Política por Inteiro elaborou uma análise sobre o que as emissões de títulos verdes podem significar ao financiamento climático do Brasil e quais os desafios que o mecanismo demanda do país.

MMA se planeja para um ciclo de 12 meses

Uma portaria publicada nesta semana determinou as 20 metas institucionais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para um período de 12 meses, que vai de 01/06/2024 a 31/05/2025. Em avaliação preliminar, a norma é considerada tímida quanto a metas ligadas diretamente à política climática. Nessa matéria, as metas se dedicam basicamente à construção de capacidades de servidores públicos dos três níveis federativos e à elaboração de 4 planos (sendo três para Zona Costeira e um para combate à desertificação).

O fortalecimento de órgãos estaduais e municipais está alinhado à lógica do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), e pode ser mais estimulado não só pelo MMA, mas por diferentes órgãos e autarquias federais. Para isso, é preciso ampliar as parcerias e os meios de implementação (dentre os quais, recursos financeiros e tecnológicos) para políticas nos municípios, que em geral têm baixos tetos orçamentários para investimento.

Sinais vindos do Mar

Nesta semana, de uma só vez foram publicadas 7 normas pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), colegiado vinculado à Marinha/Ministério da Defesa. Todas eram ligadas a reformulações internas de Comitês Executivos, que em parte se dedicavam ao planejamento territorial marinho e a estudos sobre exploração de recursos minerais.

Os Comitês que tiveram composição atualizada nesta semana são:

É importante acompanhar o funcionamento prático destes comitês no 2º semestre de 2024, em especial os de números 2 (REMPLAC), 3 (PROAREA) e 6 (PRO AMAZÔNIA AZUL), cujos escopos têm relação direta com emissões, a exemplo da exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial. Essas Comissões são coordenadas pelos Ministério das Minas e Energia (MME), Ministério das Relações Exteriores (MRE) e Secretaria do próprio CIRM, respectivamente.

Os oceanos são importantes sumidouros (“depósitos”) de carbono, e a ciência tem demonstrado um aumento da temperatura média de zonas oceânicas, o que é capaz de desencadear graves alterações nos ecossistemas de todo o planeta. Entre essas alterações estão a provisão de alimentos, o controle de temperatura em cidades e outros serviços ecossistêmicos essenciais à vida como a conhecemos.

E o fogo vai moldando as regras

Uma Medida Provisória publicada nesta semana reduz de 24 para apenas 3 meses o prazo de “carência” para recontratação de pessoal para atuar na prevenção, controle e combate a incêndios florestais. A alteração na lei de contratações do IBAMA e do ICMBio reflete a gravidade da situação atravessada pelos biomas brasileiros em relação aos incêndios que estão fora de controle, em especial no Pantanal, que em junho motivou o governo a criar uma sala de situação.

O objetivo da medida é facilitar a recomposição das brigadas de incêndios, a cada final de contrato, minorando os riscos de descontinuidade.

A situação também é preocupante na Amazônia, que está apresentando sinais de estiagem de modo antecipado (em relação ao ano passado) e já tem mais de 14 mil focos de calor, maior número em 20 anos para um primeiro semestre e 60% maior que o mesmo período de 2023. Os dados são do Programa BDQueimadas, do INPE, repercutido pelo ClimaInfo.

A MP tem efeito imediato e pode ser “esticada” pelo Congresso até 8 de novembro, data em que precisa ser aprovada para virar lei. Para as demais atividades incluídas na lei atual, o prazo de 24 meses para recontratação segue valendo. Ainda nesta mesma semana, o ICMBio também flexibilizou regras para a contratação de pessoal.

Impasse no licenciamento em TIs

Uma Instrução Normativa (IN) conjunta entre Ibama e Funai, publicada na quarta-feira (10), prorrogou por mais 12 meses a validade da norma que, em 2023, determinou que processos de licenciamento para empreendimentos localizados dentro de terras indígenas tenham análises e licenças suspensas ou indeferidas. Ao que tudo indica, o objetivo é resguardar a integridade de populações indígenas alcançadas por empreendimentos até que “a Funai e o Ibama regulamentem a matéria”.

Ao envolver aspectos de licenciamento, a norma desta semana naturalmente traz rebatimentos econômicos. No entanto, ao estender em mais de um ano a decisão fixada em 2023, reflete fragilidades internas do governo em relação a uma matéria fundamental aos povos indígenas e à transformação ecológica dita prioritária pelo centro de governo, em especial no contexto de assédio de empreendimentos minerários, de monocultivos e de carbono.

Tamanha a importância do assunto, preparamos uma análise sobre o que a indesejável “esticada” de prazo trazida pela nova IN está sinalizando ao Brasil.

LEGISLATIVO

Alteração no Código Penal 

Um Projeto de Lei em curso na Câmara dos Deputados propõe duplicar a duração dos prazos prescricionais para crimes ligados ao meio ambiente. De autoria de dez parlamentares de diferentes estados, a proposta foi aprovada nesta semana pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Casa. O relator, deputado Delegado Matheus Laiola (União Brasil/PR), se posicionou favorável ao pleito, que agora caminha para encerrar sua tramitação na Câmara e rumar para o Senado para virar lei.

O projeto visa a alterar tanto o texto do Código Penal (de 1940, recepcionado pela Constituição, em 1988), quanto o da Lei de Crimes Ambientais (de 1998), a fim de que, ao esticar a vida de processos infracionais, seja ampliado o percentual de processos que resultam em execução efetiva das penas. Se isso ocorrer, pode ser reduzida a sensação de impunidade, o que pode dissuadir cidadãos de cometerem ilícitos, como o desmatamento e a degradação florestal.

Atualmente, processos administrativos ligados a infrações ambientais prescrevem com frequência nos três níveis federativos, o que significa grande desperdício de tempo e de recursos públicos empregados na fiscalização ambiental.

Apoio os Yanomami agora é Lei 

Lançado em março como Medida Provisória, o crédito orçamentário de R$ 1,062 bilhão para ações de diferentes ministérios na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, virou Lei nesta semana após aprovação no Congresso.

A Lei tem o objetivo de dar cumprimento à decisão judicial fruto da ADPF nº. 709, de 2023. Vale lembrar que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão do Ministro Barroso, prescreveu ao Executivo avaliar a abertura de crédito extraordinário para concluir não apenas o processo de desintrusão das Terras Indígenas na região, como também para dar condições seguras à população afetada a partir do funcionamento de diferentes pastas. Ou seja: há fundamento do Executivo para a proposição da MP, o que deve reduzir as dificuldades de aprovação no Parlamento.

O pacote de R$ 1 bi aos Yanomami traz alguns dados relevantes:

Cerca de 75% do total de créditos orçamentários volta-se ao custeio de forças armadas in loco, ações de inteligência, regularização fundiária e proteção de 3 Terras Indígenas. Atenção redobrada aqui, posto que uma série de evidências indicam baixa prioridade das forças com a questão Yanomami;

Cerca de 10% do total de créditos fica a cargo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), tanto para garantir a ostensividade na fiscalização (Ibama), quanto para trabalhar na via positiva de implementação das Unidades de Conservação locais (ICMBio);

R$32 milhões são destinados à provisão de alimentos para mais de 12 mil famílias, mas a ação não é estanque, já que outros R$35 milhões estão direcionados para fomentar produção rural e estruturação de cadeias na ponta. Isto é avaliado como positivo, já que indica que o governo está focado em atacar o que é emergencial, mas também gerar condições para a autonomia das populações indígenas vulnerabilizadas nos próximos anos.

Analisando a distribuição dos recursos públicos dedicados, a lei segue a lógica de que a questão Yanomami extrapola o ambiental e alcança dimensões de segurança pública e soberania nacional, em especial pelo combate ao crime organizado (com PF, PRF e Forças Armadas). Essa abordagem sistêmica é fundamental para que a questão territorial seja tratada com a complexidade que a realidade impõe.

Para entender mais a fundo a questão Yanomami, recomendamos esse balanço da situação, feito pela Política por Inteiro.

Demarcação em Xeque

A PEC 48/2023, que dispõe sobre o Marco Temporal para demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e teve sua votação adiada na última quarta-feira, dia 10. A queda de braços entre Congresso Nacional e STF ganhou um novo capítulo com a proposta do Ministro Gilmar Mendes de instauração de uma câmara de conciliação entre as casas parlamentares e o STF sobre o mérito, prevista para começar no dia 5 de Agosto. Embora preveja representação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a APIB repudia a negociação de um direito previsto constitucionalmente.

Nomeada pelos povos indígenas como “PEC da Morte”, a iniciativa contraria o entendimento do STF sobre a tese do Marco Temporal, tendo julgado-a inconstitucional em Setembro de 2023. Vale lembrar que, desde outubro de 2023, o Marco Temporal é Lei, após derrubada de veto presidencial pelo Congresso Nacional. Desde então, diversos partidos políticos e entidades defensoras dos direitos dos povos indígenas acionaram o STF, que decidiu suspender todas as ações judiciais que questionam a constitucionalidade do Marco Temporal até que o Tribunal chegue a um entendimento definitivo da matéria. A demarcação de Terras Indígenas (TIs), além de garantia constitucional, tem se mostrado uma política climática importante, servindo como contenção ao desmatamento,  já que são as áreas com maior biodiversidade e preservação do território nacional.

MUNDO

Planeta em ebulição

O último mês confirmou que os esforços implementados até agora pelos países para cumprir o Acordo de Paris ainda estão longe de serem suficientes. De acordo com o observatório climático europeu Copernicus, junho de 2024 foi o mais quente da história desde o início do registros, com média global de 16,66°C, superando o recorde de temperatura observado em junho de 2023, de 16,52°C. Este foi o 13º mês consecutivo com termômetros acima da média – em maio, o Planeta completou um ano com temperatura média 1,64°C acima dos níveis pré-industriais.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 3 atos de Reconhecimento de Emergência decorrentes de eventos climáticos e meteorológicos extremos, que atingiram 16 municípios. Como já registrado nas últimas semanas, a estiagem permanece na Região Nordeste e episódios pontuais de chuvas intensas seguem ocorrendo no sul do país.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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