Brasil realiza segunda emissão de títulos soberanos “verdes”

A exemplo do que já havia feito em novembro de 2023, o governo brasileiro novamente emitiu títulos soberanos sustentáveis na ordem de dois bilhões de dólares. A emissão foi efetivada no final de junho e o mercado escolhido foi o dos Estados Unidos, conforme detalhou o Tesouro Nacional. Também conhecidos como títulos verdes, o mecanismo até aqui vem se configurando na principal estratégia do governo para ampliar as fontes dos recursos para financiamento climático. Em 2023, a entrada de R$ 10 bilhões da primeira emissão de títulos turbinou o Fundo Clima, que financia projetos de descarbonização via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Em termos gerais, emitir títulos é uma forma de o governo buscar financiamento para suas políticas públicas, baseada em papéis que funcionam como dívidas do país emissor, que se compromete a pagar os detentores desses papéis (investidores) com juros, no futuro, num prazo pré-fixado.

A partir desse mecanismo, a modalidade títulos verdes traz o diferencial de que os recursos levantados ficam destinados a implementar políticas climáticas, em especial para perseguir melhorias em indicadores ambientais, sociais e institucionais de pastas correlatas, em vez de terem destinação aberta ou discricionária pelo governo, o que costuma gerar riscos de pulverização ou baixa eficácia na aplicação dos recursos mobilizados. Na emissão pela sustentabilidade, a dívida pública tem o propósito de proteger um objeto estratégico à jurisdição emissora, mobilizando capital rapidamente, em função da relevância e da urgência de ação de interesse público.

Dessa “amarração” – expressão que justifica que certas emissões sejam conhecidas como “bonds”, do inglês: “to bind” = amarrar, vincular, atrelar – podem se beneficiar políticas de Estado, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), no Cerrado (PPCerrado) e outros que cubram temas de primeira ordem, como recuperação da vegetação nativa, transição energética, fomento à sociobioeconomia e apoio a comunidades tradicionais, adaptação climática, proteção de ecossistemas aquáticos, regularização ambiental e fundiária, entre outros.

A conservação da biodiversidade tem motivado a emissão de títulos sustentáveis em todo o mundo, a exemplo dos Rhino Bonds, para proteção e multiplicação dos rinocerontes, espécie ameaçada na África do Sul, ou dos Blue Bonds, para proteção da vida marinha, vindo das Ilhas Seychelles. No Brasil, o Pará tem uma iniciativa em curso, o Pró-Rios, apoiada pela Fundação Moore e parceiros, e que se volta para a conservação ambiental com foco em bacias hidrográficas e ao mesmo tempo ao fortalecimento dos órgãos que integram o Sistema Estadual de Meio Ambiente.

Títulos verdes vêm se tornando atrativos porque trazem vantagens ao investidor, que passa a atrelar compromisso de sustentabilidade à sua marca e ao seu pipeline de investimentos, além das entidades financeiras emissoras, responsáveis por mediar a transação, que passam a ter em sua carteira operações alinhadas a compromissos de similar natureza. Nos anos em que a operação decorre, ainda é possível que apoiadores vindos da filantropia e/ou do próprio mercado aportem recursos para amortizar os juros da operação, aumentando a demanda por performance pública com os recursos mobilizados e reduzindo os gastos públicos consoante o desempenho do governo.

No plano interno, o Brasil vem dando passos no sentido de estruturar as emissões de títulos e cumprir as metas a pactuar em cada uma das transações. Para além das duas emissões já computadas, o passo-expoente desse processo ocorreu em setembro de 2023, quando o país anunciou seu Arcabouço Nacional para Títulos Soberanos Sustentáveis, em que apresenta seus propósitos e compatibilidades a padrões e a regulações internacionais. Meses antes, em maio daquele mesmo ano, o governo criou por Decreto o Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas, instância central de governança sob a condução do Ministério da Fazenda.

Somado a esse esforço de organização interna estão o potencial da megabiodiversidade brasileira para atrair investimentos que valorizem ecossistemas, além do próprio histórico protagonismo do país em matéria ambiental no campo da política internacional. Juntos, estes fatores colaboram para que a mobilização de recursos a partir de emissões de títulos de dívida pública progrida em escala suficiente para alavancar o financiamento climático brasileiro.

Alertas e Recomendações

Todavia, como tudo em matéria de investimento, previsibilidade e confiança são atributos inegociáveis. Assim, é essencial que valores como progressividade da ação climática, saúde fiscal e estabilidade institucional e democrática prevaleçam, de modo que operações de títulos verdes não se tornem inviáveis perante riscos fora de controle. São desafios que dependem essencialmente de atores como o Parlamento e o Executivo, em sucessivas legislaturas e governos, razão pela qual as casas legislativas devem reconsiderar levar adiante projetos de lei que enfraquecem a ordem jurídica e institucional, bem como o governo reveja decisões incongruentes com o rumo da descarbonização, como a expansão de fósseis na matriz energética.

Afinal, desmorona a confiança quando se amplia o endividamento sob argumento da sustentabilidade e, ao mesmo tempo, dá-se passos contrários ao caminho do desenvolvimento resiliente ao clima.

Em meio a desafios de continuidade de políticas públicas, eleição de prioridades de gestão e alocação eficiente de orçamento, comuns a todo governo, o país também precisa de um sólido portfólio de projetos para que as emissões de títulos soberanos sustentáveis motivem investidores, agentes financeiros e doadores. O Arcabouço colabora nesse aspecto, já que agrega em transparência governamental perante parceiros e fixa princípios e diretrizes para orientar os caminhos dos projetos nos campos ambiental, social e institucional. Entretanto, não é tudo. Um portfólio de projetos concatenado com política estratégica e de longo prazo demanda alta vontade política; ampliação das cooperações com o Terceiro Setor e setor empresarial; fortalecido quadro técnico na Administração Pública; e expressivo capital de coordenação intra, inter e extragoverno, requisitos nos quais o Brasil, nos últimos anos, tem sido errático.

Como a questão climática é perene e as emissões de títulos de dívida pública têm, por natureza, duração que ultrapassa o tempo dos mandatos governamentais, o principal alerta vai no sentido de que uma visão de longo prazo – e portanto, de uma lógica de Estado, em vez de governo – seja prevalente na decisão sobre cada emissão. Sem ela, fica comprometida a capacidade do país em projetar resultados a médio e longo prazos e, ao mesmo tempo, em assegurar o lastro financeiro nacional, de modo a evitar “vôos de galinha” em relação ao cumprimento tanto das metas climáticas, quanto dos indicadores de saúde fiscal nacionais.

Além de empreender um enérgico esforço de revisão de projetos de lei e decisões políticas que geram efeitos contrários ao que se propõe o Arcabouço de Títulos, Parlamento e Executivo podem trabalhar, por exemplo, para garantir escala e transparência aos recursos já contabilizados pelo Fundo Clima até aqui. Afinal, para acelerar a transformação ecológica de que o Brasil precisa, efetividade e clareza são ingredientes fundamentais.

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