Há um risco climático no meio do caminho….

O Ministério dos Transportes publicou na última semana uma portaria que chamou de um “novo marco verde” para as concessões das rodovias federais. A Portaria nº 622/2024 estabelece diretrizes de alocação de, no mínimo, 1% da receita bruta de contratos de concessões para o desenvolvimento de “infraestrutura resiliente, com o objetivo de reduzir os impactos na infraestrutura rodoviária decorrentes das mudanças do clima”. A norma determina que esse recurso deverá ser incorporado à modelagem econômico-financeira do edital de licitação e considerado em conta vinculada da concessão.

O montante deverá ser destinado a projetos que visem:

I – à busca por alternativas sustentáveis de coleta e descarte de recursos para a redução do impacto no meio ambiente;

II – a ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE);

III – ao incentivo à eficiência energética e uso de fontes de energia renováveis;

IV – à conservação da fauna e da flora; e

V – à mitigação de danos ao ecossistema.

Para as concessões vigentes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deverá realizar, de forma prioritária, “estudo técnico por intermédio das concessionárias sob sua administração para identificar as áreas vulneráveis e mapear as necessidades de ações de adaptação da infraestrutura rodoviária frente às mudanças climáticas com a implantação de obras de infraestrutura resiliente e das ações mencionadas acima”.

Esse levantamento deve acabar apontando investimentos não previstos em contratos – o que indicará que as atuais concessões não consideraram os aspectos climáticos já postos há décadas pela ciência –, que gerarão impactos tarifários, a serem aprovados pelo Ministério dos Transportes e incluídos em adequações contratuais. Os recursos destinados à adaptação deverão estar limitados, “preferencialmente”, diz a norma, a 1% da receita bruta da concessão e também 1% de impacto na Tarifa Básica de Pedágio.

Qual o nível de risco climático das rodovias brasileiras?

Além da portaria, o Ministério dos Transportes publicou o Levantamento de Impactos e Riscos Climáticos sobre a Infraestrutura Federal de Transporte Terrestre (Rodoviário e Ferroviários). O estudo elencou cinco impactos da mudança do clima nas rodovias: deslizamentos, erosão, impactos diretos devido a altas temperaturas, alagamentos/inundações e decorrentes de  queimadas/incêndios.

Os níveis de risco climático (Muito Baixo, Baixo, Médio, Alto, Muito Alto) variaram de acordo com o impacto analisado. Para alagamento/inundação, os níveis mais elevados (médio risco) foram detectados em trechos no Pará e no Maranhão, além de partes de rodovias no litoral do Nordeste, em diferentes cenários – modelados de acordo com emissões de gases do efeito estufa e suas consequentes elevações da temperatura global.

“Quanto ao deslizamento, em todos os cenários e horizontes considerados, os maiores níveis de risco climático (risco médio) estão localizados nas regiões Sul e Sudeste (Serra do Mar e Serra Geral), no litoral do Nordeste, e no Pará, na Região Norte. Em relação à erosão, os trechos com maior risco se concentram nas rodovias no Pará e nos estados das regiões Sul e Nordeste do Brasil, em especial no litoral (BR-101), que apresenta nível médio de impacto na infraestrutura rodoviária”, diz o levantamento.

Para queimada/incêndio, o risco é maior (médio) em trechos rodoviários principalmente no interior do Nordeste brasileiro e parte do Norte.

Em relação aos impactos diretamente ligados às altas temperaturas, o risco é médio (o maior aferido, segundo a metodologia do estudo), já no período base (1981-2000), para trechos no interior do país, distribuídos por todas as regiões.

Os impactos vistos no Rio Grande do Sul

A discussão sobre a necessidade de adaptação e resiliência nos transportes terrestres do Brasil, baseado sobretudo nas rodovias, ganhou força, infelizmente,  após o colapso das infraestruturas com os alagamentos recordes no Rio Grande Sul. Dois meses após as tempestades que provocaram inundações em praticamente todo o Estado, afetando mais de 90% dos municípios gaúchos e matando ao menos 180 pessoas, um trecho de rodovia federal seguia totalmente interditado até a terça-feira (2), segundo último boletim do Ministério de Transportes. Havia outros 16 trechos em cinco rodovias federais com bloqueios parciais. No total, foram 145 interdições em 11 das 12 BRs da malha gaúcha.

Ferramenta do Ministério dos Transportes mostra a recuperação das rodovias federais no Rio Grande do Sul, em painel interativo com mapa e fotos (Fonte: Ministério dos Transportes)
Ferramenta do Ministério dos Transportes mostra a recuperação das rodovias federais no Rio Grande do Sul, em painel interativo com mapa e fotos (Fonte: Ministério dos Transportes)

Entre as vítimas fatais da catástrofe, houve casos de pessoas atingidas pelos deslizamentos em estradas. O colapso da infraestrutura rodoviária dificultou os atendimentos emergenciais e contribuiu para os impactos em cadeia que ainda afetam o dia a dia da população e a retomada econômica.

O levantamento do Ministério dos Transportes também destaca os riscos climáticos em ferrovias no Rio Grande do Sul.

O desafio dos dados

O levantamento aponta a falta de dados como o principal desafio para se mensurar os riscos climáticos nos transportes terrestres. Faltam informações específicas para todo o território brasileiro sobre as diferentes infraestruturas, como ano de construção/idade do ativo e base organizada de relatórios de manutenção e correções. Essa lacuna já havia sido objeto de atenção por parte do governo federal em 2015, quando se desenvolvia o Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação, sob coordenação da Secretaria de Assuntos Estratégicos à época. De lá para ca, a lacuna se manteve. Tampouco há uma base com os registros de danos e prejuízos associados à mudança do clima.

Sem os dados, a mensuração do risco pode não conduzir com precisão às medidas necessárias para mitigá-los.

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Realização

Apoio

Apoio