Maio é o mês em que leis importantes para o arcabouço das políticas climáticas, como o marco da biodiversidade e o Código Florestal, fazem aniversário. A partir de 2024, também será lembrado como aquele que escancarou que a agenda climática não deve jamais ser deixada de lado, porque somente com Políticas Públicas, com todos os Ps maiúsculos, e por inteiro, conseguiremos encontrar a saída coletiva para a emergência que vivemos.
Temos visto um sem-número de eventos climáticos que aumentaram numa escala sem precedentes. Dos estragos das enchentes no Rio Grande do Sul à estiagem que, nos mesmos tempo e país, assola o Nordeste; da onda de calor na Índia aos deslizamentos em Papua Nova Guiné – os quais ano a ano também vão virando rotina no Sudeste brasileiro – à seca severa recente em Roraima; da cheia histórica que desequilibrou a vida no Acre há menos de dois meses, ao prenúncio de seca que já se desenha, no mesmo estado, em menos de um ano.
A tragédia gaúcha marca um novo momento no processo de disseminação da compreensão dos impactos das mudanças climáticas. Pesquisa da Quaest, encomendada pela Genial Investimentos, apontou que é quase unânime a constatação da relação entre as enchentes no Rio Grande do Sul e as mudanças do clima: 99% dos entrevistados disseram haver alguma ligação, sendo 64% “total”, 30%, “em partes”; e 5%, “um pouco”. Somente 1% afirmou que “não tem ligação nenhuma”.
A relação entre os desastres e o que se fez ou não para evitá-los ou agravá-los ficou tão evidente que o Congresso Nacional, que pouco contribuiu para lidar com a emergência climática, fez andar o Projeto de Lei da Adaptação, que tramitava desde 2021. Mas alguns questionamentos do jornalista Marcelo Canellas a parlamentares nos mostrou sinais de que a caminhada rumo à descarbonização pode ainda ser longa. Silêncio ou respostas irritadas e atravessadas vieram sobre perguntas a respeito dos efeitos climáticos do PL 3334/23, que propõe reduzir a área de reserva legal (ARL) na Amazônia; ou do PL 364/19, para desproteger campos nativos e, com isso, biomas como a Mata Atlântica, o Cerrado e o Pampa.
As chuvas intensas no Rio Grande do Sul começaram no final de abril, mas foi em maio que elas nos fizeram entender que estávamos diante de uma das maiores catástrofes climáticas da história do Brasil, com o colapso de Porto Alegre e quase 95% dos municípios do Estado atingidos pelo desastre. Mas as campanhas negacionistas nas redes sociais se mantiveram. Gente que sugeriu que o ocorrido no Rio Grande do Sul seria algo normal e não extremo, “já que também ocorreu em 1941“. Para além da insensibilidade num momento tão duro de reconstrução, o que se destaca nessa forma de negar é a tentativa de esconder o que diz a Ciência do Clima: ela não nega que eventos climáticos sempre ocorreram. A sua premissa é de que a ação humana tem alterado tanto o modo de funcionamento do clima no planeta a ponto de fazer com que estes eventos se tornem mais frequentes e mais intensos. Fundamentos que, aliás, estão em linha com a sequência de quatro eventos extremos no estado gaúcho em um intervalo inferior a um ano, com prejuízos crescentes.
Aos que ainda não assimilaram o que estamos vivendo, uma fala com didática irretocável da Secretária Nacional sobre mudança do clima, Ana Toni, durante audiência no Congresso, pode colaborar:
“Imagino que ninguém aqui entraria num avião com 95% de chances de cair. O que acontece em relação à mudança climática é isso. A Humanidade já contratou esses desastres, para nós e para as futuras gerações, e nós temos que, agora, fazer escolhas. No passado, talvez por falta de dados ou informações, não escolhemos agir para parar isso. Já não é mais o caso. Hoje em dia temos dados e informações suficientes para tomar melhores decisões, então agora precisamos decidir. A não-escolha não existe mais: quem não é parte da solução, é parte do problema. O que aconteceu no Rio Grande do Sul é um grande despertar para as escolhas que a gente faz todos os dias. Temos que escolher se vamos querer gastar sempre no pós-desastres ou se vamos investir na prevenção, porque é com ela que realmente salvamos vidas”.
Após 35% do mandato federal já transcorrido, resta saber o quanto posições como a de Ana Toni ditarão o ritmo em um governo formado sobre uma frente ampla, que abarca, por exemplo, visões paradoxais sobre transição energética e exploração de combustíveis fósseis. Magda Chambriard, em seu primeiro discurso à frente da Petrobras, defendeu a exploração de (mais) petróleo pelo Brasil até 2030 e não livrou a Margem Equatorial desses planos. Felizmente, parte do governo foi na contramão da nova presidente da Petrobras e deu suporte para que o presidente Lula enviasse ao Congresso uma Medida Provisória que amplia a participação do Fundo Social do petróleo (FS) no financiamento à reconstrução de municípios em estado de calamidade pública. Pena que, sem um foco para investimento em planejamento e prevenção, e com apenas R$ 15 bilhões, a MP colaborará com muito menos do que o necessário à realidade gaúcha. E com nada à brasileira.
O que políticos e altos executivos talvez já saibam, mas não queiram assumir, é que em tempos de emergência climática, o sarrafo do compromisso civilizatório se eleva e não ser negacionista já é insuficiente. É necessário não ser um negligente climático.
Como um governo de muitos governos escapará dessa?
Monitor de Atos Públicos
Em maio, foram captados 75 atos que impactam na política climática. Foi o mês com mais normas registradas pelo Monitor de Atos Públicos da Política por Inteiro neste governo, desde janeiro de 2023. O volume se deve, sobretudo, a medidas de resposta à emergência gaúcha. É esperado que a administração federal se mova diante de uma tragédia como essa (apesar de já termos visto gestões anteriores nada fazerem em situações como uma pandemia). Acompanhar os desdobramentos das agendas destravadas vai indicar se teremos lições aprendidas da catástrofe ou oportunismo sem avanços.
A classe mais captada foi Planejamento com 24 atos, seguida de Regulação, com 22 e Resposta com 18 atos. As normas de Resposta deste mês são, em sua maioria, relacionadas à situação de emergência climática do estado do Rio Grande do Sul, refletida em normas distribuídas em diversos temas. Os temas mais frequentes do mês foram Terras e Territórios (17), Institucional (15) e Finanças (12).
Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe a atualização diária das medidas relevantes para a política climática nacional.
Nota metodológica: A partir de janeiro de 2024, as normas de desastres referentes aos reconhecimentos de situação de emergência nos municípios, por eventos meteorológicos e climáticos extremos, deixam de ser contabilizadas no Monitor de Atos Públicos. O monitoramento contínuo passa a ser realizado num produto exclusivo, o Monitor de Desastres.
TOP 3 DESTAQUES DO MÊS
Em ano de Olimpíadas, todo mundo volta os olhares para Paris. Na Política por Inteiro, nosso pódio olha para o Acordo de Paris. Elegemos como os destaques de maio três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, no seguinte pódio:
🥈
Criação do GT da Rastreabilidade de bovinos
🥇
Regulamentação das emissões da aviação
🥉
Revisão do Programa Pró-Cidades
AGENDAS
nota metodológica
Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.
- “Mitigação”
- “Adaptação”
- “Governança”
- “Financiamento”
Minas e Energia traz novidades: será mesmo?
Logo no início de maio, o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou um pacote de normas de funcionamento institucional. Elas são encabeçadas por uma política central, de Governança, seguida de programas integrantes dessa política:
– Política de Governança interna;
–Programa de Sustentabilidade Ambiental, com respectivo Comitê Técnico “cuidador” do programa;
– Programa de Supervisão Ministerial das empresas públicas e S.E.M. vinculadas ao MME;
– Programa de Planejamento Estratégico Participativo e Gestão de Riscos do Ministério;
– Programa de Transformação Digital do Ministério;
– Programa de Integridade do MME, com respectivo Comitê;
– Programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Ministério;
– Comitê de Planejamento e Avaliação Orçamentária do Ministério;
– Mesa Setorial de Negociação do MME com empregados públicos.
Desse rol, a maior expectativa gira em torno do Programa de Sustentabilidade Ambiental. Ele estabelece que o MME terá que, por exemplo, apoiar e propor diretrizes de sustentabilidade em fóruns e organismos internacionais de energia; ou ainda, incentivar boas práticas ligadas aos ODS nos setores de mineração e de energia. Elogiável, mas… Será mesmo? Em quase 18 meses de governo, os sinais emitidos pela pasta em relação ao compromisso climático brasileiro não são bons. A ter por base reiterados discursos e atos do MME até aqui, é difícil vislumbrar a pasta colaborando para emplacar ODS ímpares como o 7, o 9, o 13 e o 15, que têm como bandeiras temas como energia limpa, infraestrutura sustentável, clima e biodiversidade, respectivamente.
Ainda sobre o Programa de Sustentabilidade Ambiental, uma análise mais atenta demonstra que o texto traz todo o “bê-á-bá” que faça crer num compromisso do MME com uma agenda de desenvolvimento resiliente ao clima, já que cita diretrizes como transição energética, proteção dos recursos ambientais, justiça social e gestão socioambiental ligada a temas de energia e mineração. Não é o que têm demonstrado o ministro Alexandre Silveira e, mais recentemente, a nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, ambos defensores da ampliação da exploração de petróleo brasileiro durante os próximos anos, posição que colide com todas as diretrizes citadas. Neste mesmo mês, aproveitando que o ministro reagiu bem à escolha por Chambriard, dizendo que “ela conhece a agenda do Brasil”, a Política por Inteiro procurou demonstrar que crescimento econômico baseado em combustíveis fósseis é uma armadilha.
Quer com a publicação do pacote de programas institucionais, quer com a escolha por Chambriard, o MME sabe o quanto se eleva o sarrafo de expectativas por uma colaboração do ministério com a agenda climática do Brasil e o quanto, para isso, o diálogo com seus pares de Esplanada precisará melhorar.
MMA atualiza regras para emergência ambiental e bolsa verde
Duas normas lançadas em maio, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), trouxeram atualizações relevantes para políticas de combate ao desmatamento: a primeira revê a lista de regiões consideradas de emergência no Brasil para o tema incêndios florestais; a segunda discorre sobre procedimentos para inclusão e exclusão de áreas, e critérios para ingresso de famílias, cessação e prorrogação de transferência de recursos financeiros a beneficiários do Programa Bolsa Verde.
Para o período de maio a dezembro de 2024, a lista de emergência para incêndios inclui áreas sensíveis como o Pantanal sul-matogrossense, o Sul maranhense e o Centro-Sul do Paraná, regiões que não estavam na última portaria, de fevereiro deste ano, agora revogada. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que os focos de incêndio dispararam no Pantanal neste ano. De janeiro a maio, foram 899 registros, ante 90 no mesmo período do ano passado. Em maio, a Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) aprovou a Declaração de Situação Crítica de Escassez Quantitativa dos Recursos Hídricos na Região Hidrográfica do Paraguai.
Do ponto de vista climático, os dados de série histórica apontam que mais da metade das emissões brasileiras têm sido provenientes da conversão de áreas de floresta, especialmente no Bioma Amazônia.
Comissão Nacional de REDD+ avança, mas precisa correr atrás do prejuízo
Em maio, a Comissão Nacional dedicada a debater e a gerar subsídios para a regulação do Sistema Nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) concluiu a atualização de uma “trinca” de grupos técnicos básicos para o trabalho a que a Comissão se propõe. Uma Resolução recriou o Grupo de Trabalho Técnico sobre Mensuração, Relato e Verificação (MRV) do mecanismo de REDD+ no Brasil.
A norma é o terceiro movimento feito neste ano para reestruturar a discussão entre governos e sociedade a respeito do funcionamento de REDD+, para que a conservação (e a ampliação) de florestas gere receitas, investimentos e diferentes apoios ao Brasil e às(aos) brasileiras(os) que zelam pelas florestas.
Agora, os Grupos de Trabalho Técnicos Repartição de Benefícios, Salvaguardas e MRV estão reorganizados.
Entendemos que a retomada da CONAREDD ainda faz parte da reconstrução de agendas desincentivadas entre 2019 e 2022. Contudo, o ritmo está aquém do que se espera para que REDD, assim como outros instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), surta o efeito esperado ainda neste mandato. Caso estivesse em pleno funcionamento, a CONAREDD já poderia, por exemplo, ter ajudado a reduzir a salada que há no atual PL do Mercado de Carbono, que mistura carbonos industrial e florestal.
Governança da Taxonomia Sustentável toma forma
Maio trouxe avanços na governança da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB). O último movimento anterior relevante havia ocorrido em março, quando por decreto fora instituído o Comitê Interinstitucional da TSB. Agora, o CITSB tem um Regimento Interno aprovado e 10 grupos técnicos com coordenações definidas.
Nº | GRUPO TÉCNICO | Coordenação |
1 | Setorial agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura | MF/MAPA/MDA/MMA/MPA |
2 | Setorial indústrias extrativas | MME |
3 | Setorial indústria de transformação | MDIC |
4 | Setorial eletricidade e gás | MME/BNDES |
5 | Setorial água, esgoto, resíduos e descontaminação | MMA |
6 | Setorial construção | MF/MT |
7 | Setorial transporte, armazenagem e correio | MT |
8 | Setorial para serviços sociais, qualidade e planejamento | MF |
9 | Temático para monitoramento, relato e verificação | MF/BNDES |
10 | Temático para enfrentamento das desigualdades | MIR/MM |
Encerrou-se também, neste mesmo mês, o prazo para que organizações da sociedade civil submetam candidatura para participação nos trabalhos.
A função dos GTs será definir critérios e limites de impacto ambiental e climático para atividades, ativos e projetos, desenvolver índices e instituir o sistema de monitoramento dos fluxos de investimentos alinhados aos objetivos da Taxonomia Sustentável Brasileira. O prazo de exercício dos GTs será de 365 dias, contados a partir da data da primeira reunião, prorrogável por igual período.
COP-30
Um decreto ampliou o número de cargos de assessoramento para a Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR) atuar nos eventos G20 (2024) e COP-30 (2025). Os cargos são direcionados exclusivamente para estruturar a participação de movimentos sociais em ambos os eventos.
Os oito cargos foram temporariamente transferidos do Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) para a SGPR e retornam à origem em 31/12/2025, com exoneração automática de seus ocupantes.
Assim como a Casa Civil (CC) e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), na estrutura estatal a SGPR tem “status de ministério” por ser órgão classificado como “essencial” e é a responsável por articular as relações políticas do governo federal com os diferentes segmentos da sociedade. A COP-30 ocorrerá em Belém, Pará, em novembro de 2025.
Ainda sobre COP, o Ministério do Turismo destinou recursos financeiros na ordem de R$ 100 milhões para obras civis de implantação, ampliação, modernização e/ou reforma de empreendimentos turísticos no estado do Pará, visando à preparação para a COP30. Os recursos provêm do Fungetur, fundo de financiamento criado para estimular empreendimentos turísticos considerados de interesse nacional para fortalecer o setor de turismo no Brasil. Não são doações do governo federal, mas empréstimos.
O alerta aqui vai para o exemplo: especialmente diante do que aconteceu no Rio Grande do Sul, nunca é demais lembrar que todo e qualquer investimento público ligado a obras precisa levar em conta fatores de risco climático, mitigação de impactos ambientais e adaptação a eventos extremos. Esperamos que os governos federal, estadual e municipal envolvidos com a COP estejam atentos a isso.
Nós estaremos.
Rastreabilidade
Durante quatro meses, um grupo de trabalho coordenado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) fornecerá subsídios à elaboração de “plano estratégico para implementação de política pública de rastreabilidade” de bovinos e bubalinos no Brasil.O trabalho do GT se conecta a uma das metas do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm: desenvolver sistemas de rastreabilidade de produtos agropecuários (objetivo 5, eixo 2, do Plano).
Em março, representantes de entidades e empresas ligadas à produção de carne bovina no Brasil já haviam entregado ao MAPA uma proposta para regulamentar o rastreamento do rebanho brasileiro desde o nascimento até a exportação de seus derivados, documento que deve ser um dos objetos de análise do GT.
Uma política nacional de rastreabilidade é instrumento diferencial para a competitividade do Brasil no mercado mundial, especialmente diante de mercados que se movem na direção de combater o consumo de bens associados ao desmatamento, como é o caso da Europa e seu regulamento de importação de produtos livres de desmatamento, o EUDR.
A criação do GT caminha em direção ao atendimento de um dos “10 Pontos para a Descarbonização do Brasil 2023-2026”, documento de recomendações da Política por Inteiro para o governo.
Nova Indústria Brasil (NIB) atrasado
Expirou em 22 abril o prazo de 90 dias, fixado por uma Resolução do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), para que as metas propostas no Plano de Ação para Neo Industrialização brasileira (ou Nova Indústria Brasil – NIB) sejam validadas.
Territórios Quilombolas
Em maio, foram reconhecidas e declaradas mais três terras de Comunidades Remanescentes de Quilombo. Desde o início deste governo, foram reconhecidos mais de 300 mil hectares de territórios quilombolas. Ainda que essas comunidades não estejam com o rito de titulação concluído, o reconhecimento é uma etapa importante de proteção e identificação que promove direitos territoriais. As comunidades quilombolas, e seus saberes, são importantes aliadas na resposta às mudanças climáticas.
Novo PAC – Seleções e revisões
Após sete meses e 2.400 propostas analisadas, o resultado foi anunciado. São R$ 18,3 bilhões destinados nesta rodada, distribuídos em 679 propostas de municípios em todas as regiões do país, dentro de cinco temas.
Dos R$18,3 bilhões do total anunciado, R$10,5 bilhões contemplam os eixos “Transporte Eficiente e Sustentável” e “Cidades Sustentáveis e Resilientes”, especificamente para renovação da frota de coletivos. O Fundo Clima arca com R$ 4,5 bilhões desses R$10,5 bi. Isto é, 43% do investimento total em frota. O FGTS patrocina os 57% restantes.
Critérios para a destinação de recursos deveriam considerar as desigualdades regionais e estabelecer proporções adequadas para reduzi-las, em vez de aumentá-las. Tomar decisões tendo por base as diferenças regionais, aliás, é uma determinação da Constituição Federal, que em seu Art. 3º, inciso III estabelece como um dos objetivos fundamentais da República a redução das desigualdades sociais e regionais.
O conceito de justiça climática considera que grupos e regiões são afetados pela crise climática de maneiras e intensidades distintas. Logo, aqueles que mais precisam, por serem mais vulneráveis, deveriam ter mais peso nas decisões de alocação de recursos. Cidades como Curitiba e Campinas têm mobilidade urbana com qualidade superior à maior parte das grandes cidades brasileiras.
(clique nas imagens para ampliá-las)
LEGISLATIVO
Adaptação Climática avança no Congresso
Em maio, o plenário do Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) que determina diretrizes gerais para a elaboração de planos de adaptação das cidades brasileiras às mudanças climáticas. O PL 4129/2021 acabou aprovado logo no início de junho na Câmara e aguarda sanção. Embora de teor essencialmente principiológico, o projeto se torna um marco importante ao prever que a União, os estados e os municípios deverão ter, cada um, planos de adaptação climática.
Nascido em 2021, o PL tardou a tramitar, uma demora que reforça o quanto assuntos ligados à política climática são negligenciados pelo Legislativo brasileiro. A infeliz situação atravessada pelo Rio Grande do Sul teve de ser utilizada como argumento a favor da aprovação. Tivéssemos mais congressistas em linha com os temas que preocupam o mundo, não teria sido necessário.
O principal alerta motivado pelo PL 4129/2021 é que a maneira como fazemos planejamento, políticas e investimentos públicos precisa mudar. Para isso, leis, decretos, normativas e procedimentos públicos precisarão se readequar. A emergência climática instalada já não permite que sigamos expandindo e investindo em cidades do mesmo modo de sempre.
Na avaliação da Política por Inteiro, a aprovação da lei finca uma bandeira essencial: passa a ser legalmente reconhecida uma nova realidade que se impõe. E mais do que isso: a compreensão de que o país terá de trabalhar, em sintonia interfederativa, para adaptar-se a essa realidade. Afinal, não faltam exemplos de que o preço da inação é cada vez mais alto.
PL sobre refugiados climáticos inicia bem
Iniciado em 7 de maio um Projeto de Lei (PL) que visa a estabelecer uma Política Nacional para Deslocados Ambientais e Climáticos – PNDAC.
O PL 1594/2024 inclui instrumentos econômicos, financeiros e socioambientais para fornecer auxílio emergencial e apoio contínuo às populações afetadas por eventos climáticos extremos, que têm como expoente mais recente as fortes chuvas ocorridas no Rio Grande do Sul.
O projeto propõe estratégias intersetoriais para apoiar a reconstrução das condições de vida, com foco em habitação, educação e empregabilidade. Entre as medidas previstas estão:
- O incentivo ao desenvolvimento de tecnologias sociais e de pesquisas para prevenir deslocamentos através de ações de mitigação e adaptação;
- A identificação de populações vulneráveis à migração climática; e
- A cooperação internacional em âmbitos bilateral, regional e multilateral para financiamento, capacitação, desenvolvimento, transferência e difusão de tecnologias e processos destinados à implementação de ações de proteção social integral.
Caso aprovada, a PNDAC instaura um novo direito no Brasil: o direito à resposta humanitária (refúgio) diante de desastres ambientais e climáticos. O texto do PL abarca uma miríade de diretrizes a serem observadas na execução do direito ao refúgio, tais como os relativos à saúde; à educação; ao trabalho digno; à assistência social prioritária; à moradia e ao acesso à justiça.
Outro dispositivo importante é a instituição de uma rede de Centros de Proteção de Deslocados Climáticos (Centros Clima), espalhados pelo país, com o objetivo de prestar atendimento integral às pessoas vulneráveis afetadas por mudanças climáticas. Os Centros seriam unidades básicas compostas por equipes multidisciplinares e por agentes comunitários climáticos, de implementação da PNDAC, responsáveis por articular intersetorialmente as ações de atenção e proteção integral com foco na garantia dos direitos das populações e comunidades vulneráveis. A criação da entidade federal Centro Nacional de Proteção dos Deslocados Climáticos, outro dispositivo proposto, caberia à União.
A Política por Inteiro avaliou que o Projeto é altamente relevante, inovativo e coerente com a realidade climática que se impõe. Além disso, a redação da proposta é tecnicamente robusta. No entanto, dada a composição da legislatura atual no Parlamento, embates durante a tramitação do PL são esperados.
O Projeto está na Mesa da Câmara e aguarda o despacho de Arthur Lira (PP/AL). A autora, deputada Erika Hilton (PSOL/SP), comentou que espera uma tramitação “altamente deliberada, mas célere, que servirá para movimentar o debate sobre deslocamentos ambientais e sobre o racismo ambiental no país”.
No mesmo mês de maio, o PL teve seu status de urgência aprovado na Câmara. Com 320 votos a favor (isto é, 62% da Casa), a urgência faz com que o projeto de Lei vá direto ao Plenário para ser votado. Mantido o ritmo de tramitação, o PL tem chances de seguir para o Senado já em junho.
O Projeto de Lei é assinado conjuntamente pelas deputadas Delegada Adriana Accorsi (PT/GO), Duda Salabert (PDT/MG), Maria do Rosário (PT/RS), Luiza Erundina (PSOL/SP), Célia Xakriabá (PSOL/MG), bem como pelos deputados Túlio Gadelha (REDE/PE) e Guilherme Boulos (PSOL/SP).
Habemus Política Nacional de Qualidade do Ar!
Iniciada na Câmara em meados de 2018, pelo então deputado Paulo Teixeira (PT/SP, hoje ministro – MDA), a Política Nacional de Qualidade do Ar (PNQA) foi finalmente aprovada no Senado, e em seguida sancionada pelo Executivo. A Política por Inteiro avaliou que a tramitação da proposta foi relativamente tranquila.
Para um tema que eventualmente resultará na responsabilização de entes federados e, invariavelmente, solicitará mudanças nos modos de deslocamento em metrópoles e cidades globais em território nacional, a PNQA recebeu apenas um mero pedido de vista em todas as Comissões Parlamentares, com exceção da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), em ambas as Casas.
O texto da lei é considerado redondo e tecnicamente robusto para fazer valer as intenções de assegurar a melhoria da qualidade ambiental em áreas urbanas e periurbanas. A batalha agora é garantir qualidade nos atos regulatórios infralegais.
Dois dos pontos relevantes da norma são: (1) a principiologia de “poluidor-pagador” e “protetor-recebedor”, e (2) o inventário de emissões atmosféricas.
Jogando luz ao segundo ponto, com base nos ditames aprovados, o inventário de emissões atmosféricas será elaborado na forma definida em regulamento, e apresentado pelos estados e pelo Distrito Federal ao MMA, no prazo de três anos a partir da publicação. No governo federal, o prazo é de um ano a partir da publicação dos inventários estaduais e do distrital. O inventário deverá conter, no mínimo, as fontes de emissão do local e sua distribuição geográfica, poluentes, metodologia de estimativa de emissões e lacunas de informações identificadas.
A partir do inventário das emissões de poluentes atmosféricos, torna-se possível melhorar a elaboração de Planos Diretores, a aprovação de rodízios em municipalidades resistentes à implementação de formas não rodoviárias, bem como ampliar a conscientização dos gestores públicos quanto às formas de garantir o direito constitucional ao meio ambiente saudável e equilibrado.
Como era de se esperar deste tipo de instrumento, prevê-se a redução progressiva das emissões e de concentrações de poluentes atmosféricos. Durante a tramitação, foram várias as discussões envolvendo essa redução e o tema da eletromobilidade de massas. Simultaneamente, setores automobilísticos solicitaram que a principiologia da “razoabilidade e proporcionalidade” fosse expressamente incluída, o que aponta sintoma de utilização da narrativa de transição lenta e gradual para reduzir as ambições de redução de emissões.
MP Yanomami ganha sobrevida
A Medida Provisória nº 1.209/2024, que abriu crédito extraordinário para diversos ministérios atuarem com foco na questão Yanomami, em Roraima, teve sua vigência prorrogada por 60 dias. Entre as ações contempladas, estão a fiscalização ambiental e prevenção de incêndios, gestão e proteção de terras indígenas.
A MP agora tem validade até o dia 12 de julho.
Como medida de transparência, seria importante que o governo publicasse ato específico demonstrando a execução da MP nas rubricas que estabeleceu.
CMMC
A deputada Socorro Neri (PP/AC), ex-prefeita de Rio Branco, foi eleita presidente da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC). Liderada em regime de alternância, por ser mista, a Comissão tem 24 assentos, divididos igualmente entre Câmara e Senado, e terá os senadores Humberto Costa (PT/PE) e Alessandro Vieira (MDB/SE) como vice-presidente e relator, respectivamente.
Agricultura familiar ganha apoio diante de desastres, mas há limites
Em maio, o Parlamento aprovou a Lei Federal nº. 14.872/2024, que traz alterações à lei que disciplina as transferências de recursos financeiros da União para prevenção e resposta a desastres, de 2010.
A nova lei passa a incluir como gasto elegível no Fundo Nacional de Calamidades Públicas (FUNCAP) – que tem problemas de efetividade – o apoio financeiro à recuperação de solos e atividades produtivas caracterizadas como agricultura familiar. No entanto, a norma veda o apoio financeiro a essas atividades se elas estiverem situadas em Áreas de Preservação Permanente (APPs).
O chamado espírito legislativo da norma deixa claro que o apoio à produção rural e o amparo a famílias em situação de vulnerabilidade social não podem colidir e se sobrepor à necessidade de cumprimento do disposto no Código Florestal Brasileiro, até mesmo para evitar a ocorrência de novos desastres.
MUNDO
Patrimônio Genético sai da fila: entrará nas prioridades?
Após mais de 20 anos de negociações, o Brasil assinou, em Genebra, o Tratado sobre Propriedade Intelectual, Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados. A conferência da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), onde ocorreu a assinatura do Tratado, foi presidida pela representação diplomática brasileira. O Itamaraty repercutiu o avanço.
UE emplaca regulamento de due diligence
O último passo do rito legislativo europeu para exigir sustentabilidade no processo produtivo de grandes corporações foi dado. A partir de agora, empresas acima de 1.000 empregados e faturamento anual mínimo de 450 milhões de euros, operantes na Europa, deverão estabelecer um rígido controle sobre toda sua cadeia produtiva, de modo a garantir que seus consumidores tenham clareza sobre como essas corporações compram insumos, produzem, distribuem, armazenam e vendem seus produtos. O regulamento também determina que essa “devida diligência” (due diligence) alcance também as fornecedoras e subsidiárias dessas empresas.
A norma tem vigor imediato, mas há prazos escalonados para adequação das empresas ao regulamento. O Conselho da União Europeia emitiu nota explicando a decisão, que deverá colaborar também para conter o avanço de práticas de greenwashing no continente.
Em maio, foram emitidas 36 normas de reconhecimento de situação de emergência e calamidade pública, afetando 528 municípios. A quantidade elevada de municípios se deu em resultado dos eventos extremos que atingiram o Rio Grande do Sul, levando o estado a decretar, primeiramente, a situação de calamidade pública em todos os seus municípios, e posteriormente, ajustar a relação dos municípios mais afetados. Além da tempestades e alagamentos que afetaram a Região Sul, a estiagem segue sendo registrada, de forma permanente, nos estados do nordeste brasileiro. A classe Outro foi observada principalmente no estado do Paraná, e se refere à epidemia de dengue. Episódios pontuais de seca foram captados no Ceará e no Rio Grande do Norte.
A calamidade no Rio Grande do Sul já fez mais do que dobrar a verba destinada para o programa federal Gestão de Riscos e Desastres no Governo Federal. Somente de apoio financeiro às famílias desalojadas foram assinalados R$ 1,2 bilhão no Orçamento, como mostra o gráfico abaixo.
TERMÔMETRO DO MÊS
Como apontou recente pesquisa da Quaest, praticamente toda a população brasileira concorda que as enchentes no Rio Grande do Sul estão ligadas, em alguma medida, à mudança do clima. Estudo da World Weather Attribution indicou que mudanças climáticas dobraram a probabilidade de as chuvas intensas e concentradas entre 24 de abril e 4 de maio acontecerem.
Em maio, ficou impossível negar o que a Ciência já vem alertando nas últimas décadas: é preciso reduzir as emissões de gases do efeito estufa para limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-Revolução Industrial, com as chamadas ações de mitigação de emissões. E, mesmo com um aquecimento contido a 1,5ºC, o clima do planeta já não será mais o mesmo, razão pela qual precisamos adaptar os modos de vida no planeta, como um todo.
O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, IPCC, estabelecido pelas Nações Unidas em 1988, publicou seu primeiro Relatório de Avaliação em 1990: de lá para cá, o que mudou no modo de pensar desenvolvimento econômico e políticas públicas? A despeito de toda base científica gerada, nossas emissões globais aumentaram.
Foi impossível atravessar maio sem ouvir duas palavras correntes do jargão dos especialistas em mudanças do clima: adaptação e resiliência. Repetiu-se à exaustão que os municípios brasileiros precisam se adaptar e se tornar mais resilientes em um planeta mais quente, de clima mais instável e fenômenos meteorológicos mais intensos e frequentes. Em 10 de junho, o Governo do Rio Grande do Sul contava ainda 16.128 pessoas em abrigos e 422.753 desalojadas. O principal aeroporto do Estado seguia sem operações. Sob o medo de mais chuvas, mover-se do choque do desastre para passos além das medidas emergenciais necessárias parece ainda um exercício limitado à retórica. Ainda que adaptação e resiliência tenham se tornado palavras de ordem, torná-las ações requer coordenação e cooperação entre entes federativos e setores. Os recursos necessários são vultosos, mas certamente menores do que os custos de não estarmos prontos para esse novo futuro, que já chegou cobrando uma conta altíssima.
Em junho, internamente, as medidas já esperadas para a Semana do Meio Ambiente ganham mais relevância como resposta à tragédia gaúcha. No Congresso, embates relacionados à pauta climática costumam não ganhar tanta atenção para além do nicho, infelizmente. Mas, em maio, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre os terrenos de marinha rompeu bolhas e ganhou os holofotes. O tema evocado pela PEC é complexo e profundo, e seu debate é multifacetado: é urbanístico, mas também fundiário; é econômico, mas também administrativo; é ambiental, mas também climático. A simplificação da questão relativa à “privatização de praias” mobilizou a opinião pública contra a proposta, contribuindo para maior atenção à tramitação.
É possível que, cada vez mais, os Projetos de Lei relacionados a políticas climáticas sejam notados, evitando-se retrocessos. Porém, a urgência requer mais do que bloquear a destruição. É necessário avançar com maior velocidade. Nesse sentido, em junho, há expectativa de que a tramitação da regulação do mercado de carbono finalmente se encaminhe para um desfecho. Esse é um dos muitos instrumentos que o Brasil precisará implementar para empurrar adiante a descarbonização de setores como indústria e energia.
No cenário internacional, ocorre a Conferência de Bonn de 2024 – SB 60 a 60ª reunião dos órgãos subsidiários da Convenção do Clima, como preparação para a COP 29. As questões que se colocam globalmente são, sobretudo, sobre financiamento climático: qual a meta e qual a forma de captar e financiar a transição para uma economia de baixo carbono e as adaptações para um mundo mais quente, principalmente para os países em desenvolvimento.
Nacional e internacionalmente, avançar na agenda do financiamento climático é chave para a implementação. À medida em que metas e meios não se estabelecem, a conta do carbono cresce em disparada, incluindo perdas e danos irreversíveis.