É junho de 2024 e estamos assistindo uma das maiores planícies alagadas do planeta ser consumida pelo fogo. Só nos 12 primeiros dias do mês, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 733 focos de calor no Pantanal, bioma que se divide entre estados do Centro-Oeste brasileiro. O desastre não é inédito. Em 2020, 30% do Pantanal foi atingido por incêndios, levando a uma perda de biodiversidade irreparável. Naquele ano, os governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul decretaram emergência em todo o território.
Quase quatro anos depois, ações de antecipação e prevenção ao fogo seguem se mostrando insuficientes, e as medidas se centram no reconhecimento da gravidade da situação quando a emergência já está instalada. Governos estaduais e federal não alteraram suas estratégias na medida necessária. Já o clima… este mudou. Além do pior junho da série histórica, os focos de calor registrados no Pantanal mostram que a dinâmica da estação seca – e do fogo – já não é mais a mesma. Em novembro de 2023, o bioma já sofria com a falta de chuvas, registrando incêndios em plena estação chuvosa, que vai de outubro a março.
Como resultado do baixo índice pluviométrico acumulado, o cenário para este ano é o pior possível. A antecipação da estação seca diminuiu os intervalos entre eventos climáticos extremos, o que leva à perda de resiliência e da capacidade de regeneração do ecossistema como um todo.
Em maio, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou “situação crítica de escassez quantitativa dos recursos hídricos na Região Hidrográfica do Paraguai, até 31 de outubro de 2024”. O monitoramento hidrológico enfatizou a necessidade de regras especiais para o uso dos recursos enquanto durar a situação de emergência. Também recomendou que o processo de declaração de situação de calamidade ou emergência por seca pelos municípios ou estados visando reconhecimento e auxílio pelo Poder Executivo Federal seja agilizado ou antecipado. Em nota técnica, divulgada nesta semana, a SOS Pantanal apoiou a medida e fez recomendações aos governos federal e estaduais. “A atual situação, juntamente com as previsões para os próximos meses, apresenta condições similares às encontradas em 2020, com exceção de uma cheia prévia ocorrida em 2018. Portanto, é imperativo considerar fortemente medidas de prevenção e um preparo adicional para o combate a incêndios, de modo a lidar mais efetivamente com os desafios que estão por vir”, afirma a entidade.
Uma das medidas indicadas pela SOS Pantanal foi anunciada nesta sexta-feira (14). A ministra Marina Silva informou que foi instalada uma sala de situação permanente para acompanhar a emergência climática. O foco do grupo agora está nos incêndios no Pantanal e também na iminente estiagem severa na Amazônia. A primeira reunião da coordenação executiva desse comitê interministerial ocorrerá na próxima segunda-feira.
Diante de um novo clima, serão necessárias novas ideias. O pacto assinado pelos governadores já prevê a proibição da queima controlada, até que a situação se estabilize. A sala de situação de secas anunciada pelo MMA também soma esforços para mudar a lógica de gestão do desastre para a gestão do risco. Com os números recordes de focos de incêndio e anormais para junho (abaixo), haverá condições de a sala de emergência evitar o pior cenário no Pantanal ou já adentramos nele?
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 7 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 10 e 14 de junho. O tema mais frequente foi Finanças, com 3 atos captados, referentes à abertura de orçamento extraordinário para o MAPA e o MME e à criação de um GT para o planejamento de mecanismos de financiamento para a arborização urbana e a recuperação de áreas degradadas. Já as classes mais recorrentes da semana foram Planejamento e Revisão, com 3 atos cada.
Conferência Nacional do Meio Ambiente
Adiada novamente, a CNMA foi remarcada para 6 a 9 de maio de 2025, em Brasília. Além da nova data, foi publicado também o Regimento Interno que define seus objetivos e eixos temáticos. Entre eles, está a promoção da Transformação Ecológica no Brasil. Foram definidas as datas das etapas preparatórias, municipais, estaduais e livres, que devem começar nesta semana, a partir de 11 de junho.
Arborização urbana
É necessário repensar o planejamento urbano, considerando instrumentos capazes de responder ao novo clima. Soluções baseadas na natureza (SBN), como a arborização das ruas e a recuperação de áreas degradadas, estão na prateleira das ações a serem tomadas. Com a finalidade de propor mecanismos de financiamento e instrumentos regulatórios para garantir orçamento para tais iniciativas, foi criado um Grupo de Trabalho – GT, no MMA, que deverá propor mecanismos de aplicação dos recursos oriundos de multas por crime ambiental e de cobrança de taxas pela autorização de poda e de corte de árvores. O prazo para a conclusão dos trabalhos é de 6 meses, a contar da primeira reunião.
BRASIL
PNMC
O Grupo Técnico Temporário (GTT) do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), criado para revisar a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), encerrou seu trabalho. O anteprojeto de lei agora aguarda análise do colegiado de ministros. O Instituto Talanoa participou das discussões como representante do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC). Entenda os próximos passos da atualização da PNMC no blog da Política por Inteiro.
MUNDO
Foi Bonn?
Foram fracos os sinais da 60ª reunião dos Órgãos Subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), na cidade alemã de Bonn, em relação ao comprometimento dos países signatários do Acordo de Paris de entregar suas NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês) mais ambiciosos, que respondam aos resultados do Global Stocktake (GST). A percepção é de que não há um senso de urgência dos governos nem planos de implementação claros com metas alinhadas ao limite de 1,5 °C cobrindo todos os setores de emissões e gases de efeito estufa.
A necessidade de uma transição energética de forma justa e acelerada, que contempla o compromisso de substituir combustíveis fósseis por energias limpas até 2050, não foi um dos temas prioritários, apesar do relatório do GST divulgado pouco meses antes, na COP28. Por isso, a pressão sobre os países da Troika – Brasil, Emirados Árabes e Azerbaijão – em liderar esse processo de novas NDCS alinhadas à ideia de que não há como alcançar 1,5°C sem a transição dos combustíveis fósseis para energias renováveis e para uma maior eficiência energética aumenta.
O Brasil, no entanto, tem apresentado sinais confusos em relação a sua NDC 3.0. A elaboração do novo documento vem sendo tratada em paralelo à elaboração do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, conhecido como Plano Clima, e ainda não há um calendário para a entrega. As discussões internas apontam que o Brasil está buscando aumentar sua ambição o máximo possível, com uma NDC alinhada a 1,5ºC, mas manifestações do governo mostram que o país não pretende deixar de expandir a exploração de petróleo, em um discurso que segue associando essa prática ao desenvolvimento do país.
Para incentivar os países a manter o foco no aumento das ambições, foram apresentadas em Bonn algumas iniciativas que buscam facilitar a preparação das novas NDC, como o NDC 3.0 Navigator, plataforma que ajuda as Partes a acessar informações que podem auxiliar no desenvolvimento dos documentos com foco na implementação, e a Troika’s NDC Incubator, mecanismo para auxiliar os países que desejam receber apoio na elaboração e comunicação de suas NDCs.
A SB60 deveria pavimentar o caminho para uma COP29 bem-sucedida, mas a sensação é que ainda há uma falta confiança e consenso em relação a temas fundamentais e sensíveis que demandam cooperação, como o financiamento climático.
O G7 e a “volta do anzol”
Nesta semana, começou, na Itália, a reunião de cúpula do G7, o grupo de países considerados as maiores economias globais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará como convidado. Espera-se dele a colocação da pauta de financiamento climático sobre a mesa.
Entre os principais temas do encontro, é aguardado que líderes abordem temas de alcance global, como a imigração, que passa a assumir lugar central no contexto econômico dos países ricos na medida em que tem se intensificado o ingresso – irregular ou não – de pessoas do Sul Global, em países desenvolvidos, à procura de refúgio e novas oportunidades de vida.
O tema imigração, cuja intensidade pode ser considerada a “volta do anzol” de um longo processo de colonização, empobrecimento e subdesenvolvimento, ao longo dos séculos, agora levanta questões sobre como os países ricos lidarão com a recepção de pessoas em situação de refúgio por motivos de miséria, estagnação econômica, guerras e, agora, mais do que nunca, mudanças climáticas.
E agora, G7?
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 10 atos de reconhecimento de situação de emergência decorrentes de eventos climáticos ou meteorológicos extremos, em 116 municípios. Em Minas Gerais, foi declarada a situação de emergência pela seca extrema em 95 municípios, localizados no Norte do estado e no Vale do Jequitinhonha e do Mucuri. A seca na região vem sendo registrada desde novembro de 2023, o que levou o governo estadual a definir estado de emergência permanente para os municípios atingidos, pelo próximo ano, a contar do mês de maio. A falta de chuvas segue prorrogando a estiagem no Nordeste do país. Chuvas intensas e inundações foram episódios pontuais nesta semana.
TALANOA NA MÍDIA
Capital Reset | Notícia sobre o resultado da Conferência pré-COP, em Bonn. |
Gabriela Prioli | Citação de Natalie Unterstell em vídeo no YouTube sobre “O debate climático no Brasil”. |
((O)) Eco | Reportagem a respeito do PL sobre direito das crianças à natureza propõe associar proteção de infâncias e territórios. |
Rede Vida TV | Reportagem sobre os acontecimentos climáticos cada vez mais intensos. |
TV Cultura | Notícia sobre desastres extremos exigem ação urgente. |
Estadão | Reportagem especial sobre os desafios urbanos na “Era do Clima”. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO