MP da energia: brilhou ou não brilhou?

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Os primeiros 100 dias de 2024 ficaram pra trás. Na semana passada o destaque havia ficado por conta dos paradoxos do ministro Alexandre Silveira. Agora, na 15ª semana do ano, o tema energia seguiu em evidência. Dessa vez, o destaque foi a edição da Medida Provisória 1.212, chamada de “MP das energias renováveis e da redução tarifária”. O governo divulgou estimativa de redução de até 5% das tarifas da conta de luz. Porém, entidades do setor elétrico alertam que subsídios prorrogados podem trazer impacto para os consumidores no futuro e também na sustentabilidade do setor elétrico brasileiro.

Silveira, por sua vez, afirmou que a MP não é uma ampliação de subsídios e que falta compreensão sobre a medida.

A MP prorroga os benefícios concedidos à instalação das unidades geradoras de energia eólica, solar, hidrelétrica e de biomassa, por até 36 meses. A prorrogação visa a garantir que os projetos saiam do papel e com isso injetem cerca de 88 gigawatts (GW) de energia limpa no sistema energético brasileiro.

Além disso, prevê o adiantamento dos recursos oriundos da privatização da Eletrobrás. Inicialmente destinados para pesquisas no âmbito da  Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os recursos agora serão destinados para diminuir os reajustes anuais da conta de luz, em curto prazo. Para a Amazônia, o principal impacto se dá na redução tarifária, com mecanismos legais que impedem o reajuste abusivo da tarifa de energia, principalmente no Amapá. A MP garante também a quitação da “conta Covid” e da “conta de escassez hídrica”, por meio da antecipação dos recebíveis da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, em termos que serão definidos em conjunto com o Ministério da Fazenda.

A Nota Técnica que fundamenta a MP avalia que existe estoque de aproximadamente 145 gigawatts (GW) em projetos. Destes, 88 GW correspondem a outorgas de autorização emitidas, porém as obras não foram iniciadas. O governo entende que alguns desses empreendimentos não foram colocados em operação devido à falta de linhas de transmissão adequadas para conectá-los — uma questão que se espera resolver agora.

A MP possui prazo de vigência de 120 dias. No caminho para virar lei, mais um capítulo de como o setor elétrico e seus diferentes grupos vão tentar influenciar o Legislativo.

Dos lados do tema uso da terra e florestas, o que havíamos adiantado no Boletim Semanal anterior se confirmou: 53 prefeitos amazônicos considerados chave ao combate do desmatamento deram nesta semana o primeiro passo para que seus municípios zerem desmatamento e ainda sejam remunerados por isso. A estratégia de pactuação local pelo desmatamento zero não é uma novidade no Brasil e já rendeu bons frutos no passado. A Política por Inteiro encara o Programa União com Municípios como uma reedição – desta vez recalibrada com degradação florestal como um dos alvos – do que deu certo nos tempos áureos do PPCDAm.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

O Monitor de Atos Públicos captou 11 normas relevantes para a agenda climática entre os dias 8 e 12 de abril. A classe mais frequente da semana foi Resposta, a maioria resultado das normas do tema Terras e Territórios que prorrogam ou autorizam o apoio da Força Nacional de Segurança Pública à Funai e ao estado do Amazonas, em ações de combate aos conflitos fundiários e aos crimes ambientais. Foram também reconhecidas duas terras da Comunidades Remanescentes de Quilombo, na Bahia.

Nota metodológica: A partir de janeiro de 2024, as normas de desastres, referentes aos reconhecimentos de situação de emergência nos municípios por eventos meteorológicos e climáticos extremos, deixam de ser contabilizadas no Monitor de Atos Públicos. O monitoramento contínuo passa a ser realizado exclusivamente no Monitor de Desastres.

Programa União com Municípios decola

Agora é pra valer: em cerimônia que contou com a presença do presidente da República, na última terça-feira, o governo deslanchou o Programa União com Municípios, (re)lançado em setembro de 2023. Ainda na semana passada, o programa havia aquecido as turbinas, ao ter suas regras detalhadas por portaria, e agora deslanchou de vez: 53 dos 70 municípios celebraram, com Lula e Marina adesão ao programa.

Desde que o país “descobriu” a existência de um arco do desmatamento na Amazônia, numa alusão à posição geográfica “de leste a oeste” dos municípios que mais desmatavam – isso há quase duas décadas! – políticas de combate ao desmatamento já renderam bons frutos no passado, agregando uma espécie de mão-dupla na relação interfederativa: de um lado os municípios se organizam para realizar, concretamente, a gestão ambiental em seus territórios; de outro, estados e União prestam suporte, nas mais diferentes formas – de capacitações de quadros locais até aporte infraestrutural e de assistência técnica – para que a preparação municipal seja não somente “recompensada”, como coloque os municípios como atores essencial no tabuleiro da governança climática.

No passado, propostas com uma “alma” parecida lograram bons resultados, a exemplo dos Programas Arco Verde/Terra Legal (federal) e, no Pará, o Programa Municípios Verdes, cujos pactos locais levaram o Pará, em 2012, a atingir sua menor taxa de desmatamento em toda a série histórica desde 1988 – o estado chegou a derrubar uma taxa de desmatamento de 8,9 mil Km² para 1,7 mil Km², queda de 81%, que coincidiu com o melhor resultado brasileiro no tema. A ideia do União com Municípios, agora, é retomar essa lógica, com novidades que a aperfeiçoam, como a contabilização da degradação florestal no desempenho, e a participação parlamentar, para que o programa “jogue” em conformidade com o desenho atual de Brasil, em que parlamentares têm não apenas influência, como também orçamento e poder alargados.

A ideia é estimular parlamentares eleitos por suas regiões a dedicar apoio político e, quanto melhor, emendas que possam ampliar o investimento em atividades de suporte para combate ao desmatamento. Sobre essa estratégia, diz André Lima, Secretário Extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental e Territorial, do Ministério do Meio Ambiente: “Que parlamentar não vai querer tirar a sua foto e deixar a sua marca, justificada em ações concretas e efetivas, no maior encontro climático global da história do Brasil?”.

Agora, os prefeitos devem correr atrás de apoio parlamentar – vereadores, deputados estaduais, federais e senadores – para concluírem as condições objetivas de ingresso no programa. O programa é um gol do PPCDAm, que em sua 5ª fase encontra muito mais desafios do que na primeira década deste século, quando foi lançado.

Fonte: MMA, 2024

FNDF tem nova estrutura de Conselho 

Na última quarta, a estrutura do Conselho Consultivo do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal foi refeita. Agora, o CCFNDF passa a contar com representantes dos povos e comunidades tradicionais, indicados pelo Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais e também com  movimentos sociais e organizações ambientalistas, indicados pelo MMA. Além disso, o Conselho passa a contar com o MAPA e o MDA, dois ministérios ausentes ou representados por autarquias vinculadas na versão anterior do órgão coletivo. A partir de agora, o SEBRAE também passa a ter cadeira no colegiado.

As alterações promovidas nesta semana levaram à revogação do decreto que havia estabelecido sua composição anterior, em 2019. O FNDF nasce nos idos da Lei de Gestão de Florestas Públicas no Brasil, em 2006. O FNDF importa para a política climática porque sua principal fonte arrecadatória vem do mecanismo de concessões florestais, licitadas para o manejo florestal sustentável, e devem ser alocados para incentivar atividades ligadas à implementação da política florestal nacional, setor no qual ocorre o maior volume de emissões brasileiras. Embora as concessões florestais constituam um tema sem avanços recentes no país, o FNDF deve ser tido como parte importante do ecossistema de fundos para fomentar a descarbonização do país.

Amazonas autoriza exploração de potássio em terra indígena 

Nesta semana, o órgão licenciador do estado do Amazonas, o IPAAM, concedeu a Licença de Instalação – a penúltima antes da entrada em operação – à Potássio do Brasil, subsidiária do grupo canadense Forbes & Manhattan, e que pretende explorar potássio no município de Autazes, próximo a Manaus. O grupo, cujo único projeto relatado em seu site é o do Amazonas, mas tem sede em Minas Gerais, tem negócios espalhados por América e África nas áreas de agricultura, tecnologia e telecomunicações.

Recentemente, a Funai já havia feito alerta sobre a necessidade de o procedimento estadual levar em conta os ritos de informação e consulta a povos indígenas situados na região, chegando inclusive a requerer arbitragem sobre a questão.

Em discurso no mínimo desconexo ao que vem defendendo em conferências internacionais, o governador Wilson Lima disse que o empreendimento “promoverá qualidade de vida para a população da região”, trouxe o jornal local A Crítica. Não parece ser a opinião predominante dos Mura, povo indígena que vive na região. Nem o MPF, que, assim como nos idos do governo anterior, segue correndo no flanco de acelerar a demarcação da Terra Indígena Mura, como parte da estratégia para salvaguardar os direitos indígenas. O episódio deixa à mostra o quanto o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Funai ainda são fragilizados dentro do governo e têm dificuldades para serem escutados pelo Planalto.

Como temos dito, nem tudo é apenas sobre carbono. Geração de empregos e renda não são salvos-condutos para a ausência de consultas prévias, livres e informadas; nem para falta de transparência de operações consideradas estratégicas para o Brasil. O episódio reflete o quanto é nebulosa a linha entre discurso e prática em governos amazônicos, como trouxemos em nossa análise de conjuntura sobre Amazônia.

O potássio é, aliás, um dos minerais considerados estratégicos à transformação ecológica do Brasil, em documentos produzidos pelo governo, como mostrou análise publicada pela Política por Inteiro.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou apenas 2 atos de reconhecimento de situação de emergência ou calamidade pública decorrentes de eventos climáticos ou meteorológicos extremos, ocorridos em 11 municípios. Nesta semana, a classe Outro assumiu o primeiro lugar dos desastres, tratam-se de normas de reconhecimento de emergência por epidemias, neste caso a de dengue. Foram registradas, em menor número, tempestades e alagamentos nas regiões sul, sudeste e norte do país.

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LEGISLATIVO

A primeira quinzena de abril de 2024 viu uma série de políticas climáticas tornarem-se pauta e ação em Brasília. Nesta semana, quatro ganharam destaque:

  1. O PL do Mercado de Carbono; 
  2. O PL do Licenciamento Ambiental; 
  3. A Medida Provisória (MP) da Energia; e 
  4. O PL da Reserva Legal na Amazônia.

No PL do Mercado de Carbono (agora PL 182/2024), há avanços no Senado Federal. O Instituto Talanoa apurou que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), tem tratado com a senadora Leila Barros (PDT/DF) para que ela seja a relatora, outra vez, neste momento de retorno do PL à Casa.

Ao que se decidiu, afirma-se que o projeto passará por ao menos uma Comissão Legislativo, sem poder terminativo, para que, em caso do recebimento de críticas e atabalhoadamente de emendas, a votação no Plenário não seja prejudicada. Recordamos da algazarra que foi a votação do Sistema Brasileito de Comércio de Emissões na Câmara dos Deputados, no ano passado.

O governo, especialmente, o Ministério da Fazenda e o do Meio Ambiente e Mudança do Clima possuem suas versões ideias de texto, as quais foram comunicadas à senadora Leila pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Sem o emprego dos Assessores Parlamentares, todavia, a decisão final de ideais não percebe maneira de ser defendida – o que é constantemente relembrado pela Talanoa e outras instituições defensoras da integralidade do Mercado de Carbono.

O PL do Mercado de Carbono comemorou seu segundo “mesversário” nas mãos da Presidência do Senado, pelo visto não completará uma terceira. A data provável de votação, defendida inclusive pelos corredores da Casa Azul, é dia 22 de abril. A experiência recomenda contabilizar até três semanas a partir da data. De qualquer forma, a mera indicação de probabilidade material de votação é um sinal de que as veias voltaram a oxigenar o coração. O Mercado de Carbono se aproxima.

Alertas? No Mercado de Carbono, nenhum. Mas precisa-se lembrar do PL do Licenciamento Ambiental. O projeto, na prática, suspende o rigor das emissões de Licenciamento Ambiental e coloca o país outra vez no rumo de infraestruturas produtivas capciosas, como é o caso do vazamento radioativo de Césio-137 em Goiânia, quando não havia diploma legal tutelando a necessidade por licenciamentos ambientais. A preocupação era colocar a relatoria dele nas mãos de alguém com qualquer sensibilidade ambiental ou preocupação climática, por razões óbvias de salubridade ecossistêmica, entretanto, também, para que o país não perdesse investimentos que exigem responsabilidade socioambiental.

Nesta semana, o deputado Kim Kataguiri (UNIÃO/SP) foi designado relator, na CCJC, do PL 2942/2019 (Nº Anterior: PLS 458/2018), que altera a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente para estabelecer que informações obtidas em estudos de impacto ambiental anteriores poderão ser aproveitadas no licenciamento de outros empreendimentos localizados na mesma região. Uma peça em todo o regramento do Licenciamento, sim, porém uma peça consideravelmente importante a ponto de deixar em alerta toda a Frente Parlamentar Ambientalista e os servidores do Ibama.

Some-se ao PL da Reserva Legal na Amazônia. O projeto de lei que pretende diminuir para 50% a cota de Reserva Legal na Amazônia voltou a tramitar, no Senado, nesta semana. De autoria do senador Jaime Bagattoli (PL/RO), apresentado em setembro de 2023, visa a modificar artigos do Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012) de forma a reduzir de 80% para 50% a cota de reserva legal na Amazônia, em municípios que tenham mais da metade de seu território ocupado por áreas protegidas de domínio público. A proposta igualmente permite que o estado tenha Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) aprovado como requisito para a diminuição da Reserva Legal. Além disso, determina que as áreas sob domínio das Forças Armadas podem ser consideradas como áreas protegidas para efeitos do cálculo de 50% de terras protegidas.

A meta de desmatamento legal zero pode ser atendida se a proteção legal for meramente diminuída. Conforme avaliação das entidades que integram o Observatório do Código Florestal (OCF), caso seja aprovado, o projeto expõe 4,6 milhões de hectares de floresta amazônica ao risco de desmatamento.

Segundo o observatório, 89 municípios da Amazônia Legal têm mais da metade de seu território ocupado por áreas protegidas e, consequentemente, estariam qualificados para requerer a redução na quota da Reserva Legal. O projeto recebeu parecer favorável na CCJ e deve ser aprovado nas próximas semanas. Além da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o assunto só precisa ser analisado pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado. Caso seja aprovado em ambas as comissões, o projeto não precisa ser levado ao Plenário e segue diretamente para a Câmara dos Deputados. Caberá então a Arthur Lira (PP/AL) decidir em quais colegiados a proposta será examinada.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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