“Prorrogável por igual período”? Com as metas climáticas, não.

Já parou pra pensar em como é curiosa a relação do brasileiro com o tempo? Uma reunião marcada para começar às 14h pode acabar começando às 14h30 porque “tem gente ainda voltando do almoço…” ou o fulano “tá ali terminando um cafezinho…”; a reunião de condomínio tem 1ª chamada para dar quórum e a 2ª chamada, 40 minutos depois, “com quem estiver”; um grupo de trabalho, criado para dar resultado em até 90 dias, pode precisar ser esticado não até 100, ou 120, mas até 180 dias, isto é, o dobro daquilo para o qual fora originalmente projetado; um edital de concurso público determina que o órgão vai chamar os aprovados em até 2 anos, mas pode ser que sejam 4… E por aí vai. Esse modo de encarar o tempo chegou até o documento mais importante de nossa democracia: a Constituição Federal prevê que uma Medida Provisória valha por 60 dias, mas pode se estender por até 120 se o Congresso não conseguir transformá-la em lei nos primeiros 60 dias (ou precise de mais tempo para negoc… ops, deixa pra lá!).

Deparar-se com uma norma que cria determinada comissão ou comitê e ler que o prazo de funcionamento dela é “prorrogável por igual período” é não só comum, como também normal no Brasil. Claro que, para todos os exemplos listados, podem caber justificativas plausíveis. Mas fato é: o brasileiro gosta de “brincar” com o tempo.

O objetivo da Política por Inteiro não é tecer análises psicológicas ou sociológicas, claro. Deixemos isso para quem entende do assunto. Acontece que os exemplos listados ilustram muito do que não precisamos em condução de política climática: prazos frouxos.

Março marcou a última badalada de um sino importante: a partir de agora, falta menos de 1 ano para que os países da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) “dobrem a curva” e apresentem sua terceira geração de NDCs, o que na prática (e ponha prática nisso!) significa se comprometer em dar uma guinada para atacar as causas e os efeitos da mudança do clima, salvando vidas a curto, médio e longo prazos. O alerta foi feito em comunicado oficial de Simon Stiell, Secretário-Executivo da UNFCCC. “Suas NDCs ‘3.0’ serão os mais importantes documentos produzidos até aqui neste século para garantir a segurança e a prosperidade de seus povos, sob todos os aspectos”, registrou Stiell. Em resumo: agora ou vai ou… vai!

Enquanto isso, no Brasil, ainda parecemos ignorar a urgência do tempo. Vejamos, por exemplo, a adaptação climática dos municípios brasileiros. Ao passo em que, neste mês, nosso monitor demonstrou que 64% dos municípios sofreram as consequências de eventos climáticos extremos durante os últimos 5 anos, por outro lado não chegam a cinquenta o número de cidades que já contam com planos locais de adaptação. O que ainda falta acontecer para o tema sair da pasta dos importantes e adentrar a pasta dos urgentes de prefeitos, governadores e demais autoridades? Até quando os desastres serão justificados como “naturais” e os pronunciamentos de autoridades serão baseados em remediar, e não em prevenir, readequando as cidades aos efeitos que a ciência até já consegue predizer? Se políticas locais de adaptação serão levadas a sério, quais suas metas e prazos? Como garantir que elas não “hibernem” devido a trocas de governo a cada quatro anos? Perguntas que o tempo transforma em obrigatórias na vida brasileira.

O tempo que pressiona governos é o mesmo que também bate à porta das empresas. Uma indústria pode prometer neutralizar suas emissões até 2030 e soar bonitinho para acionistas, investidores e consumidores, mas… O que acontece se daqui até lá, ano a ano, essa indústria não demonstrar estar “dobrando a curva”? Fica por isso mesmo? Quem monitora? Que medidas são tomadas em função da promessa não cumprida? O prazo foi fixado por mera convenção ou há condições objetivas para que ele seja sério? Respostas para todas essas perguntas poderiam fluir com a implementação do mercado regulado de carbono no Brasil, acerca do qual parlamentares parecem considerar que o tempo parou, desde 2023.

Quando o assunto é mudança do clima, não dá para ficar brincando de virar a ampulheta, ela está grudada na mesa. Por isso mesmo, não temos tempo a perder. Fonte: Gencraft.com (AI), 2024.
Quando o assunto é mudança do clima, não dá para ficar brincando de virar a ampulheta, ela está grudada na mesa. Por isso mesmo, não temos tempo a perder. Fonte: Gencraft.com (AI), 2024.

Com um tempo implacável, adentrar abril significa que 25% do ano já ficou pra trás. É um quarto no “gráfico de pizza” que divide o ano em trimestres, ou, no calendário climático do Brasil, uma das oito partes iguais que separam o dia de hoje da COP30. Na linguagem de política pública, o tempo daqui pra lá passa num piscar de olhos, o que pressiona ainda mais os governos – especialmente o federal – a transformar urgência em resultados e, estes, em impacto.

Mas bem, o tempo também traz esperanças. Neste mês, o Brasil passou a ter mais duas Unidades de Conservação, sinal importante, na medida em que áreas protegidas vêm sendo um tema fora da lista de prioridades de governantes em todo o Brasil. Nesse assunto, os maiores desafios seguem sendo os de “tirar do papel” as áreas já criadas – a chamada implementação – e criar novas áreas, especialmente para conter ilegalidades de toda sorte nas chamadas terras públicas não-destinadas, uma das ameaças de qualquer NDC brasileira que pare de pé. É preciso combater o discurso de que UCs seriam empecilhos ao desenvolvimento local, quando, em verdade, elas funcionam como grandes indutoras da Economia Verde, quer no meio rural, quer no urbano. 

E por falar em esperança, e ainda no contexto de áreas protegidas, os Yanomami seguem na pauta do governo federal. Desta vez, uma Medida Provisória propõe ao Legislativo a abertura de crédito orçamentário de R$ 1 bilhão em favor desse povo indígena, em Roraima. 

Março é mês de cumprir um papel cívico de respeito à nossa própria história e lembrar como o mês em que a democracia brasileira sofreu sua mais forte interdição. Já nos lembra o filósofo Mario Sergio Cortella, sempre atento à etimologia das palavras: é preciso comemorar (“co”+”memorar”), que é diferente de celebrar. Comemorar é “memorar com”, isto é, lembrarmos todos juntos: há 60 anos, o Brasil sofria um golpe militar que nos deixou prisões, torturas, mortes, censura, descontrole fiscal, hiperinflação, alta dívida externa, destruição institucional e, para muitas famílias, perguntas do tipo que nem o tempo não conseguiu apagar. Democracia importa!

Monitor de Atos Públicos

Em março, foram captados 32 atos que impactam na política climática. A classe mais captada foi Planejamento, com 18 atos, seguida de Regulação com 6 normas. O tema mais frequente no mês foi Institucional (13), seguido de Florestas e Vegetação Nativa (8).


Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe a atualização diária das medidas relevantes para a política climática nacional.

Nota metodológica: A partir de janeiro de 2024, as normas de desastres referentes aos reconhecimentos de situação de emergência nos municípios, por eventos meteorológicos e climáticos extremos, deixam de ser contabilizadas no Monitor de Atos Públicos. O monitoramento contínuo passa a ser realizado exclusivamente no Monitor de Desastres.
top-3

TOP 3 DESTAQUES DO MÊS

Em ano de Olimpíadas, todo mundo está olhando para Paris. Por aqui, estamos fazendo nosso pódio olhando para o Acordo de Paris. Elegemos como os destaques de março três medidas que aproximam o Brasil das metas estipuladas no Acordo, com o seguinte pódio:

🥇

Duas novas Unidades de Conservação criadas

🥈

COFIEX aprova financiamentos internacionais com escopo climático para estados e empresas públicas

🥉

Teremos Conferência Nacional de Meio Ambiente depois de anos!

Após 3 meses, o Quadro de Medalhas (do Acordo de) Paris, destacando as instituições que mais apareceram em nosso ranking de destaques mensais em 2024, está assim:

AGENDAS


Em março, a agenda de destaque foi Governança, com a maioria das normas referentes ao planejamento de políticas públicas e novos arranjos institucionais. Por outro lado, as normas alocadas na agenda de Financiamento vêm ganhando espaço na pauta climática e neste mês representaram importantes regulações. Além das normas captadas no Monitor de Atos Públicos, identificamos significativas aprovações de projetos de financiamento externo para entes federais e subnacionais.

 

nota metodológica

Dada a transição do governo federal, a metodologia da POLÍTICA POR INTEIRO passou por uma revisão, na qual foram reformulados temas e classes e inserido mais um nível de sistematização das normas captadas no Diário Oficial da União, relacionado especificamente às agendas de mudança do clima. A partir de agora, os Balanços Mensais contarão com identificações (tags) para cada agenda do clima da qual pertencem as análises.

  • “Mitigação”
  • “Adaptação”
  • “Governança”
  • “Financiamento”
“Governança”

Combate ao desmatamento deve se expandir para todos os biomas 

Criado, em caráter permanente, o Comitê de elaboração, monitoramento, avaliação e atualização dos Planos de Prevenção e Combate ao Desmatamento (PPCDs) dos biomas brasileiros, no âmbito do MMA. A medida é importante porque institucionaliza os esforços para acompanhamento da efetividade dos planos federais. A norma indica que cada Plano terá um “Relatório Anual de Monitoramento”, medida que estimula governança e transparência, o que pode gerar elementos para diagnóstico de limitações e potencialidades, estimulando também a colaboração da sociedade civil. Potencialmente, a criação do Comitê ainda traz a oportunidade de gerar diretrizes, boas práticas e interfaces com os planos estaduais e municipais de combate ao desmatamento, funcionando como um hub de gestão do conhecimento e de articulação interfederativa.


Táxi-o-quê?

A aguardada agenda da Taxonomia Sustentável para a economia brasileira deu sinais de avanço, com a criação de um comitê interinstitucional. A criação do comitê é um passo importante na estruturação da agenda porque ele não é apenas uma instância a ser consultada, mas tomará decisões sobre a matéria. Composto por 22 ministérios e 5 autarquias ligadas ao setor financeiro, sinaliza a importância do tema para o governo e a necessidade de amplo debate. Taxonomia é palavra emprestada da Biologia e significa “classificação”. Espera-se que a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB) seja uma das principais ferramentas no contexto de implementação do Plano de Transformação Ecológica, além de políticas setoriais como a Nova Indústria Brasil (NIB). Além disso, tem o potencial de influenciar decisivamente nas análises e concessões de crédito por instituições bancárias (e, por tabela, das diretrizes fixadas pelo Banco Central) e em regulamentos associados à Reforma Trabalhista, como é o caso do Imposto Seletivo (IS).


Tem Planejamento Estratégico no MMA

O planejamento institucional do Ministério do Meio Ambiente para os próximos quatro anos foi definido. Entre os resultados estratégicos, constam: estabelecer um sistema de governança climática e efetivar seus meios de implementação; implementar a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais; ampliar a adoção de medidas de mitigação e adaptação à mudança do clima e implementar a Política Nacional de Bioeconomia.


Conferência Nacional do Meio Ambiente e Mudança do Clima

A 5ª edição da Conferência Nacional do Meio Ambiente e Mudança do Clima foi convocada para os dias 10 a 13 de dezembro de 2024, em Brasília. Como não poderia ser diferente, o tema do evento será emergência climática. Embora a ser realizada no fim do ano, quando o Brasil já deverá ter sua nova versão da Política Nacional sobre Mudança do Clima, a Conferência deve movimentar rodadas de preparação que possam trazer subsídios à PNMC. A atualização da política é objeto de grupo técnico temporário instituído em outubro de 2023, com prazo de 210 dias, pra não perdermos o costume, prorrogáveis por igual período. A última edição da conferência havia sido realizada há 11 anos, em 2013, e teve resíduos sólidos como tema. Este será mais um evento que deverá colaborar para formar a “atmosfera” da COP30.


PlanGeo 

A agenda de mineração segue se consolidando como uma prioridade para o governo federal. Caminhando na estruturação de uma política de exploração dos minerais estratégicos, foi lançada mais uma edição do Plano Decenal de Mapeamento Geológico Básico e Levantamento de Recursos Minerais – PlanGeo. O objetivo é a identificação e a priorização de áreas estratégicas e o monitoramento e o levantamento dos recursos minerais. A norma chama de “diretrizes de governança” as orientações como previsibilidade, transparência, geração de conhecimento e “participação social na tomada de decisão pública”. Porém, não traz em suas diretrizes conexões bem-vindas com o Plano Nacional de Transformação Ecológica e com a Nova Indústria Brasil, políticas estratégicas anunciadas recentemente pelo governo e transversais ao tema. De toda forma, do ponto de vista técnico, se trata de uma importante atualização, já que o último planejamento havia sido revogado em 2019.


COP30 

O governo se move para concentrar esforços nos preparativos da 30ª Conferência do Clima da ONU e, por decreto, criou a Secretaria Extraordinária para coordenar, articular, orientar e monitorar as atividades da União, do Estado e da cidade-sede” para a realização da Conferência. A Secretaria operará, a princípio, com 28 cargos, e tem prazo de funcionamento determinado até junho de 2026 – isto é, seguirá funcionando após o término oficial da conferência, previsto para novembro/2025. Contrariando as publicações oficiais, neste mês surgiram especulações sobre a cidade-sede da COP30. A imprensa chegou a noticiar que agentes do governo estariam cogitando fragmentar a Conferência em mais de uma sede, de modo que Belém tivesse uma programação “minguada”. Os argumentos giram em torno de deficiências na infraestrutura logística e hoteleira da cidade, o que estaria estimulando o governo a pensar num “plano B”, caso as obras não fiquem prontas a tempo. A notícia foi rapidamente contestada pelo Itamaraty, que, por meio de um comunicado oficial no mesmo dia, garantiu que Belém será a sede da COP30. Ainda, a cidade de Belém é citada nominalmente num dos anexos do Decreto, que estabelece o funcionamento de um escritório regional na cidade.

Dias depois, a Casa Civil nomeou Valter Correia da Silva para liderar a Secretaria. Jornalista de formação e com histórico de atuação em São Bernardo do Campo – SP, tem passagens recentes pela estatal Dataprev (ligada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, MGI) e anteriores pelos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e Planejamento (à época, MPOG), este último em funções ligadas à modernização da gestão.

Um dos cinco diretores de projeto que Valter terá a seu lado na Secretaria Extraordinária também foi nomeado. Olmo Xavier é arquiteto e especialista em mobilidade urbana e trânsito, temas que, aliás, constituem um grande desafio em Belém.


Degradação e restauração 

Novidades na estrutura de governança do Planaveg e do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis indicam a movimentação do governo federal em direção à implementação de políticas públicas já existentes, como o Planaveg, e na consolidação de novos programas, como o PNCPD. Essa inclinação se mostra em linha para o cumprimento de metas de restauração da vegetação nativa e recuperação de pastagens degradadas. Diante do PPCDAm, que se tornou o grande guarda-chuva das políticas de uso da terra, é necessário avançar em bloco, sem deixar nenhuma meta para trás. Ainda que as iniciativas deste mês sejam classificadas como planejamento – ou seja, a fase inicial do desenho de política pública – a criação de grupos de trabalho e câmaras técnicas são desdobramentos importantes e merecem atenção de monitoramento e participação da sociedade civil.

“Mitigação”

Mais 2 UCs para a conta, mas o desafio ainda é gigantesco

Pouco mais de 170 mil hectares. Esse era o dado oficial de extensão de área de Unidades de Conservação (UCs) criadas pelo governo Lula, desde janeiro de 2023. Em março, este número foi atualizado: com duas reservas extrativistas criadas por decreto – ambas no litoral paraense – o Brasil subiu o placar para 245 mil hectares. É importante, claro, mas é pouco. O país tem centenas de milhões de hectares em terras públicas ainda sem destinação, áreas em que o desmatamento escala, políticas públicas não chegam, muito menos estimula que o setor empresarial o faça, por exemplo, para desenvolver atividades de turismo, manejo florestal ou bioeconomia.

Para ficarmos apenas nos números da Amazônia, em 2023 um estudo do Instituto Escolhas apontou que cerca de 118 milhões de hectares na região estão sem destinação. É muita coisa. Para se ter noção do tamanho disso, o estado do Pará, 2º maior do Brasil em extensão, tem 125 milhões de hectares. É quase “um Pará inteiro” sem destinação, prato cheio para ilegalidades. A publicação do Escolhas é clara ao recomendar que, se as regras do jogo do “invade-desmata-titula” não mudam, a tendência é que as ondas de desmatamento não cessem. Ou amenizem a um custo elevado de operações de fiscalização que pressionam o orçamento público sem solucionar o problema.

É claro que a realidade é mais complexa do que uma conta simples, e que nem toda terra pública não-destinada vai virar Unidade de Conservação, mas os 184 mil (dos 245 mil) hectares de UCs criadas na Amazônia em um terço do tempo de governo equivalem a apenas 0,2% do montante de área sem destinação levantado pelo Escolhas. Isso sem contar as UCs já criadas antes de 2018, que ainda não conseguiram atingir grau mínimo de implementação, desafio para o qual os Tribunais de Contas da União (TCU) e dos Estados (TCE) têm estado atentos. O Brasil tem 2.945 Unidades de Conservação criadas ou reconhecidas. No entanto, o atual ritmo de criação de UCs é o mesmo dos anos 1940/50 (duas por ano). Pouco para um país que pauta transformação ecológica diante do mundo. Que tal se, em regime de força-tarefa, até a COP30, o Brasil ultrapasse a marca das 3.000 UCs, retomando o ritmo da “fase de ouro” (1988-2014) no tema? Motivos e demandas não faltam.

[“Adaptação”]

Como já registrado neste primeiro trimestre de 2024, a agenda de adaptação se resume à inclusão de novas culturas no zoneamento agrícola de risco climático – ZARCs. Em março, entraram o café canéfora e a Brachiaria brizantha cultivar (cv) Marandu. A inclusão da Brachiaria foi chamada de ZARC da pecuária, pois essa é a espécie forrageira mais plantada no Brasil na produção de bovinos. Em razão da alta demanda de água para produção bovina, a norma leva em conta fatores de regulação hídrica para cada município de 18 estados, como variação de temperatura anual, incidência de radiação solar, precipitação média, umidade relativa e drenagem do solo. Dos seis estados maiores produtores bovinos do país, quatro foram alcançados pela norma. Apenas Pará e Rondônia não estão lá.

“Financiamento”

Governo é “fiador pelo clima”

Neste mês de março, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) tornou públicas as aprovações de 14 projetos de financiamento externo para estados, municípios, Distrito Federal e entidades federais.

Das 14 operações de crédito que agora têm sinal verde da Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex) para prosseguir nas negociações com agentes internacionais, 11 têm interface climática. Em valores, do teto de R$ 14,2 bilhões autorizados pela União para que estados, DF e empresas públicas contraiam empréstimos internacionais, R$ 12,6 bilhões têm interface direta com compromissos de transição climática dos tomadores desses créditos. Isto é, 88,7% do montante aprovado pela Cofiex, instância deliberativa composta por integrantes dos Ministérios da Fazenda (MF), Relações Exteriores (MRE) e Planejamento e Orçamento (MPO), mas oficialmente vinculada a este último.

Destaque para o Programa de Bioeconomia e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, com financiamento de até R$ 1,25 bilhão aprovado pela Resolução Cofiex nº. 005/2024. Da soma, até R$ 875 milhões viriam do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e até R$ 375 milhões do Fundo Verde para o Clima (GCF).

As aprovações da Cofiex em março constituem um sinal importante para a política climática, uma vez que demonstram um Estado brasileiro analítico para ser um garantidor de operações de crédito (empréstimos), pautado na preocupação com a emergência climática, quer para mitigar as causas, quer para evitar ou atenuar os efeitos da mudança do clima (adaptação). Todavia, cresce também a expectativa de que os mecanismos de efetividade e governança desses financiamentos permitam o acompanhamento e a participação da sociedade, e sejam otimizados pela aplicação de boas práticas globais, como as consagradas pela OCDE.

Além disso, é importante que órgãos de controle, a exemplo dos Tribunais de Contas, compreendam este momento e aliem a usual abordagem de eficácia de execução à outra, de efetividade climática, no emprego dos recursos obtidos.

Confira a seguir a relação de propostas de financiamento internacional aprovadas pelo governo brasileiro e publicadas neste março/2024:




MPV bilionária em favor dos Yanomami. Necessário, mas não suficiente.

Em 12 de março, entrou em vigor Medida Provisória (MPV) que abre crédito orçamentário de R$ 1.062.231.956,00 em favor dos Yanomami, em Roraima. O fundamento da MPV é dar cumprimento à decisão judicial fruto da ADPF nº. 709, de 2023. O próprio STF, na decisão do ministro Luís Roberto Barroso, prescreveu ao Executivo avaliar a abertura de crédito extraordinário para concluir não apenas o processo de desintrusão das Terras Indígenas na região, como também de dar condições seguras à população afetada, a partir do funcionamento de diferentes pastas. Ou seja: há fundamento do Executivo para a proposição da MP, o que deve reduzir as dificuldades de aprovação no Parlamento.

Os recursos serão aplicados por oito diferentes ministérios, com destaque para o Ministério dos Povos Indígenas, que ficou com 43% do montante previsto em orçamento.

Fonte: Política por Inteiro, 2024.


O objetivo é superar a ação emergencial e promover investimentos em questões estruturais que vão além da dimensão ambiental e têm se colocado como obstáculos para o desenvolvimento das comunidades indígenas. Os investimentos vão em frentes diversas, de repressão ao tráfico de drogas até a estruturação da rede de serviços do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), passando por regularização fundiária, inclusão produtiva rural, com estímulo a sistemas agroflorestais, à aquicultura e à pesca artesanal, e com assistência técnica e extensão rural; e, ainda, investimento em tecnologias de captação de água para segurança hídrica das comunidades, vide o quadro grave de poluição dos rios por garimpos. Espera-se que os yanomami, dentro de um tempo breve, sejam alçados a condições mínimas de dignidade para que mantenham viva sua cultura, seus modos de vida e sigam colaborando para conter as taxas de desmatamento na Amazônia, como sempre fizeram.


Outros pontos a considerar na MPV do governo:

– 3/4 do total de créditos orçamentários voltam-se ao custeio de forças armadas in loco, ações de inteligência, regularização fundiária e proteção de 3 Terras Indígenas. Esse volume se concentra em metade dos ministérios (MD, MJSP, MMA e MPI)

– 1/10 do total de créditos fica a cargo do MMA, tanto para garantir a ostensividade na fiscalização (Ibama), quanto para trabalhar na via positiva, de implementação das Unidades de Conservação locais (ICMBio).

– R$ 32 milhões destinados para a provisão de alimentos a mais de 12 mil famílias, mas a ação não é estanque, porque outros R$ 35 milhões estão direcionados para fomentar produção rural e estruturação de cadeias, na ponta. Isto passa a mensagem de que o governo está focado em atacar o que é emergencial, mas também gerar condições para a autonomia das populações indígenas vulnerabilizadas nos próximos anos.


A Troika do Clima se movimenta

A trinca formada por Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil fez seu primeiro grande movimento político após a “ativação” dos trabalhos, em fevereiro. Em carta intitulada “Mapa do Caminho para a Missão 1.5ºC”, o grupo insistiu que a próxima geração de NDCs precisa “corrigir o rumo” da ambição climática no planeta, em linha com as informações do chamado balanço global de carbono (GST). O comunicado diz que “o sucesso coletivo requer que os países reconheçam a urgência do momento, que deve se traduzir em ação rápida em todos os pilares do Acordo de Paris”. Nesse sentido, os 198 países da Convenção precisam “progredir efetivamente em mitigação, adaptação e meios de implementação, ao mesmo tempo em que cuidam do crescimento e do alinhamento de fluxos financeiros conectados a uma transição justa, de baixo carbono e ao desenvolvimento resiliente ao clima”.

O recado faz parte de uma abordagem motivacional para que os países superem a baixa ambição que toma conta das NDCs, especialmente os desenvolvidos. Como quem “veste a carapuça”, os EUA reagiram à carta, obstando termos como a “remodelagem de ambições”, propostos pela Troika, aos países, para a confecção das novas NDCs, a serem apresentadas até 2025, quase que como um movimento coordenado (ou coincidência?) com o alerta do Secretariado da Convenção, emitido também neste mês.


Debates do G20 avançam e vem proposta do Brasil por aí

Na qualidade de presidente do G20, o Brasil deverá seguir estimulando a pauta de reformas no multilateralismo no calendário de tratativas do grupo. O governo entende que o G20 é uma espaço oportuno para a proposição de reforma de bancos multilaterais e de fundos climáticos: A expectativa é a de que o país apresente ao grupo um “mapa do caminho” para a reforma dos bancos de desenvolvimento multilaterais, a exemplo do Banco Mundial e do BID. Vale lembrar que organismos como o Banco Mundial são frutos dos chamados Acordos de Bretton-Woods, realizados ao final da Segunda Guerra Mundial e cujas decisões de investimento, até hoje, são influenciadas por países ocidentais.

A postura proativa do governo brasileiro se mostra condizente com o discurso de Lula em Sharm El-Sheikh, no Egito, ainda como presidente-eleito, em 2022, no qual insistiu na tecla – a nosso ver, acertadamente – de que as estruturas do multilateralismo criadas no passado já não dão mais conta da complexidade e das dinâmicas das questões atuais impostas ao planeta.

Na proposta, o Brasil deverá incluir desde a reforma da governança dos bancos, para que países em desenvolvimento também tenham voz, a mudanças que façam o dinheiro fluir em maior volume e com mais eficiência para ajudar a resolver o desafio de contenção da mudança do clima e, ao mesmo tempo, da inclusão social.

Considerando que países em desenvolvimento vêm recebendo menos investimentos do que os necessários para combater as mudanças climáticas para já, a reforma também deve alcançar fundos climáticos, a exemplo de Global Environment Facility (GEF), Green Climate Fund (GCF) e Adaptation Fund, que foram convidados para o grupo de trabalho em finanças sustentáveis (SFWG), uma espécie de estrutura de apoio às decisões do G20 no que diz respeito ao tema financiamento. Aliás, a reforma de regras de aporte, acesso, governança, transparência e efetividade de fundos climáticos seria uma das prioridades do SFWG. Abril terá rodada do SFWG e avanços na pauta das reformas são aguardados.

MUNDO

Cenário bonito, boas fotos e redes sociais fervendo, mas… Os resultados virão a tempo?

Como trouxemos em um de nossos boletins semanais, a visita de Macron ao Brasil foi destaque no mês. Compensando ou não a ausência do francês na Cúpula da Amazônia, também em Belém, em agosto do ano passado, que havia sido aguardado em função de a Guiana Francesa ser um departamento francês, as dezenas de registros fotográficos buscaram vender harmonia e alinhamento político entre os presidentes brasileiro e francês, encontro cujo pano de fundo teve ares de compromisso com a floresta amazônica. Foram celebradas cooperações em temas importantes nas áreas de produção científica, bioeconomia e restauração florestal e houve espaço até para uma condecoração ao Cacique Raoni.

A visita também trouxe a pauta econômica entre os dois países, com especial atenção ao “velho assunto” da (não-)assinatura do acordo de livre comércio entre os blocos econômicos Mercosul e União Europeia, motivo pelo qual Macron sofre forte pressão do setor agropecuário francês, que reivindica medidas protecionistas.

O registro é bonito, mas o mais importante é saber se os pedidos de Raoni serão levados a sério pelos presidentes brasileiro e francês. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Diante de Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Macron usou das habilidades retóricas que o fizeram ser o primeiro presidente francês a ser reeleito nos últimos 20 anos e fez dos seus limões políticos (internos e externos) uma limonada pró-clima: transformou a pressão recebida por seu setor produtivo e a chateação de líderes empresariais brasileiros por seu discurso reativo ao texto atual do acordo Mercosul-UE, em posição estadista engajada com a preocupação climática e, de quebra, uma mensagem de alerta para “ajudar” a ambição climática brasileira. Defendeu que a antiga proposta de acordo seja reconstruída numa nova, que “pense no mundo como ele é hoje”, “leve em consideração a biodiversidade e o clima”, e que o acordo, “do modo em que está [sendo proposto] hoje, é ruim para o Brasil”, referindo-se às pretensões brasileiras de liderar uma agenda climática global.

Resta saber que efeitos internos no governo e no empresariado brasileiros as falas de Macron terão nas próximas semanas. Enquanto isso, o tempo e o orçamento de carbono do mundo correm…

Foram registradas 24 portarias de reconhecimento de emergência e calamidade pública emitidas pela Defesa Civil, decorrentes de eventos climáticos extremos neste mês, totalizando  251 reconhecimentos. A estiagem segue presente nos estados do Nordeste e, neste mês, também se intensificou em Rondônia, em pleno inverno amazônico. Enquanto isso, o Acre foi gravemente afetado por inundações históricas. As tempestades e chuvas intensas avançaram pelo Brasil, chegando a diversas regiões, mas ainda muito intensas e recorrentes no Sul e no Sudeste. A classe Outros foi captada com uma frequência acima da média, devido às situações de epidemia de dengue, agravada pelas mudanças climáticas, como fortes chuvas e ondas de calor.


Além da preocupação com a areia escoando pela ampulheta, tomar medidas acertadas exige também olhar com pluralidade para realidades complexas em uma mesma região. Março nos convidou a um olhar plural, por exemplo, na Amazônia: enquanto em Roraima a seca extrema fez com que 14 dos 15 municípios do estado entrassem em situação de emergência, no Acre o rio homônimo teve cheia considerada histórica pela população.

TERMÔMETRO DO MÊS

Em um ambiente de reconstrução, ninguém discorda que tempo é uma variável essencial. No entanto, como ele é escasso, nosso alerta vai na direção de que, após 15 meses de governo, a maior fatia de atos ainda está ligada à classe Planejamento, enquanto classes como Regulação e Resposta já poderiam ocorrer com maior frequência, segundo a classificação da Política por Inteiro.

Grande parte desses atos de Planejamento se deve à criação de comitês, comissões, câmaras e grupos de trabalho. Trata-se de medidas indiscutivelmente importantes, claro, que trazem benefícios à governança de políticas públicas. Afinal, aproximação, diálogo e incidência da sociedade, características de um bom desenho de política, foram elementos deliberadamente ausentes no governo anterior.

Todavia, a criação dessas instâncias num veloz “ano 2” do governo demanda um tempo de amadurecimento para resultados. Um tempo que, talvez, dada a emergência climática, não tenhamos. No fim das contas, o ponto é: não é sobre governos fazerem o que dá, mas sobre o que o contexto impõe que governos devam fazer para que não seja tarde demais.

Outra preocupação vem de temas de primeira hora da pauta climática que ainda não se desenvolveram com o vigor necessário. Bioeconomia, demarcação de Terras Indígenas, implementação de UCs e economia circular são assuntos represados até aqui.

Espera-se que o governo acelere o passo e os próximos meses tragam resultados de impacto para a política climática nacional. Além das finalidades a que se destinam, o emplaque de políticas como adaptação climática nas cidades, mercado de carbono, “combustível do futuro”, qualidade do ar, bioeconomia e taxonomia sustentável, colaborariam sobremaneira para o Brasil ganhar força na geopolítica climática internacional, com bons reflexos na liderança do país no G20, para a COP30, e além. E mais: esse pacote de transição climática brasileira pode credenciar o país a pautar financiamento climático com a autoridade que tanto busca.

O Congresso é crucial nessa equação, dado o represamento de projetos de lei em boa parte desses temas. Assim como Lula, sabemos que Lira e Pacheco darão atenção especial às eleições que lhes interessam, dentro e fora do Parlamento. No entanto, os três precisam equilibrar os pratos e avançar nos temas que importam à política climática nacional. Eles sabem que o tempo não pára.

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