Aos simpatizantes do velho jargão popular de que “no Brasil, o ano só começa depois do Carnaval”, já podemos dizer que está aberta a nova temporada da política climática nacional. Com o fim do longo recesso dos poderes Legislativo e Judiciário – sim, longo, porque estamos em emergência climática e o Brasil tem pressa – uma movimentação mais intensa era esperada, o que não se confirmou.
Em fevereiro, as boas notícias ficam por conta da continuidade de tarefas importantes para a estruturação da política climática no Brasil, como a destinação de terras públicas federais; a conclusão de processos de desapropriação e desafetação, que ensejaram a criação de assentamentos; e o estabelecimento de instâncias colegiadas, que destaca o Ministério dos Povos Indígenas em sua cruzada particular para se consolidar na institucionalidade brasileira.
Bons ventos também sopram do plano internacional: a União Europeia anunciou seu pacote climático para as próximas décadas, enquanto Brasil, Egito e Azerbaijão deram início à chamada Troika do Clima, como esforço de continuidade das COPs e, principalmente, de implementação dos consensos alcançados nas conferências.
Voltando para o plano interno, como uma das obrigações de existência da Política por Inteiro é ter boa memória, registramos que a publicação da governança do Plano de Transformação Ecológica (PTE), que se previa para ser apresentada neste mês (pelo menos, essa era a meta com que trabalhava o governo à época da COP, em novembro) não veio. Tamanha a importância depositada no plano pelo próprio governo, o PTE segue em nosso radar.
Direcionar fluxos de capital nacional e internacional para viabilizar a transformação ecológica é um dos pilares do plano. O Brasil tenta acelerar essa agenda de forma interligada com sua presidência do G20, assumida em dezembro. Na última semana do mês, os ministros da Economia e presidentes de Bancos Centrais dos países-membros do grupo se reuniram em São Paulo. Foram dias de bons anúncios para aumentar os recursos disponíveis no país para ações climáticas. O governo anfitrião apresentou o Eco Invest Brasil, um programa para ajudar a destravar os investimentos estrangeiros, incluindo um seguro cambial de longo prazo, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Também foram anunciadas mais doações para o Fundo Amazônia, incluindo a estreia do Japão no mecanismo.
Entretanto, a reunião dos ministros de finanças terminou sem um documento final, emperrado por impasse em uma nota de rodapé: alguns países defendiam a referência à Guerra “contra” a Ucrânia; outros à Guerra “na” Ucrânia (posição liderada pela Rússia). A reunião dos chanceleres do G20, ocorrida na semana anterior, no Rio de Janeiro, também não tivera comunicado final, influenciada pelo cenário geopolítico que inclui também o conflito Israel-Hamas em Gaza.
Se seu 2024 começou agora, a gente deve dizer que em janeiro o presidente Lula sancionou a lei que instituiu o Plano Plurianual (PPA) 2024-2027. Por isso, em fevereiro, a iniciativa Política por Inteiro se debruçou sobre um amplo conjunto de dados para analisar a quantas está o orçamento climático do Brasil e o que esperar para este primeiro ano do PPA. Os recursos saltaram em comparação a outros anos, é verdade. Mas ainda é pouco. Muito pouco – e nebuloso, sem marcadores que relacionem claramente o gasto aos resultados climáticos de mitigação ou adaptação esperados.
Enquanto isso, mais um estudo sobre efeitos das mudanças climáticas na Amazônia demonstrou quais regiões do bioma estão mais propensas a sofrer o tão falado ponto-de-não-retorno (tipping point). O artigo é mais um a integrar a lista de alertas científicos para que o bioma amazônico não ultrapasse o percentual de 20% de desmatamento, sob pena de ativar uma transformação irreversível em seu ecossistema. Só na Amazônia brasileira o Mapbiomas estima que 21% da vegetação original já tenha sido perdida nos últimos 35 anos, enquanto que na Panamazônia esse percentual já chega a 17%. Isso sem contar a degradação florestal, silenciosa, sorrateira e que atrai menos preocupação por parte dos governos. Chegamos a um ponto em que não sabemos se ainda resta areia para cair na ampulheta. A ciência diz que sim, mas que resta muito pouco por passar no funil.
Se “a chance que nos resta é um ‘Brasil cocar’”, como entoou a Salgueiro em seu samba-enredo cheio de significado, dias atrás, na Marquês de Sapucaí, as questões Yanomami e Guarani-Kaiowá, em meio a tantas outras, são decisivas para o governo brasileiro mostrar ao mundo se realmente é capaz de proteger os que protegem a biodiversidade do país, ou se quer somente “ouvir cantar em Yanomami para postar no seu perfil”.
Monitor de Atos Públicos
Em fevereiro, foram captados 26 atos que impactam na política climática. A classe mais captada foi Regulação, com 15 atos, seguida de Planejamento, com 5 normas. O tema mais frequente no mês foi Agropecuária (9), seguido por Terras e Territórios (7). O tema Florestas e Vegetação teve 4 atos.
Acesse o Monitor de Atos Públicos e acompanhe a atualização diária das medidas relevantes para a política climática nacional.
Apesar de a maioria das normas estarem relacionadas com a agenda de Governança, a agenda de Financiamento se destacou neste mês, com a publicação de duas normas relacionadas às concessões de UCs e ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária. A agenda de Adaptação foi impactada de forma positiva pelas medidas do MAPA, em especial a inserção de três novas culturas no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC).
TOP 3 DESTAQUES DO MÊS
🥇
11 Unidades de Conservação (UCs) entram em regime de parceria público-privada para concessão de serviços
🥈
Conselho Monetário Nacional estabelece que Fundo Constitucional deva ajudar agricultores no Nordeste impactados por eventos climáticos extremos
🥉
Grupo de Trabalho para a elaboração da Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT GT)
AGENDAS
- “Mitigação”
- “Adaptação”
- “Governança”
- “Financiamento”
Política Nacional de Ordenamento Territorial agora tem grupo de trabalho oficial
Decreto de Alckmin (presidente em exercício durante a viagem de Lula à África) estabelece Grupo de Trabalho para elaborar a Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT). Os objetivos do PNOT envolvem melhor articular as ações do governo federal em território nacional, estimular a cooperação federativa e a participação social, além de desenvolver estratégias para gerenciamento de conflitos e colaborações nos territórios. Dado o caráter transversal a que se presta o PNOT, incluindo temas que impactam nas agendas de mitigação e adaptação climática, ou decisões futuras capazes de evitar o aumento do “custo climático” ao Brasil, é importante acompanhar os trabalhos do GT.
Destinação de terras públicas federais segue caminhando
Assim como mostramos em janeiro, a Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), continua em movimento. Neste mês, uma resolução do MDA aprovou a indicação de áreas remanescentes de 27 glebas públicas para destinação ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e 164.001,11 hectares de área remanescente da gleba Castanho, localizada nos municípios de Careiro e Manaquiri (AM), ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB), para fins de concessão florestal e destinação adequada, considerando a conservação e uso sustentável dos ecossistemas e os direitos territoriais individuais e coletivos.
Ministério dos Povos Indígenas segue em consolidação
A partir deste mês, o MPI passa a contar com duas novas instâncias. O Comitê de Coordenação, Implementação e Monitoramento de Decisões Internacionais, criado para acompanhar e fiscalizar os acordos internacionais dos quais o Brasil seja ou venha a ser signatário, sob a perspectiva da proteção dos direitos humanos dentro da agenda indígena; o Comitê de apoio à gestão dos Projetos de Cooperação Técnica Internacional com Organismos Internacionais para subsidiar as negociações com organismos internacionais e outros órgãos do Governo Federal, em assuntos referentes aos povos indígenas e seus territórios. No primeiro caso, reflete a disposição do governo para fazer cumprir as decisões internacionais referentes a casos contenciosos envolvendo povos indígenas perante organismos internacionais; no segundo, um canal para consolidar a participação do MPI em temas da chamada “agenda positiva”.
Ambos compreendidos como importantes ferramentas para o fortalecimento institucional do MPI, no esforço de se consolidar na institucionalidade brasileira.
Combate à Desertificação
A Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca foi criada em 2015. Um dos instrumentos previstos na Lei era a instituição da Comissão Nacional de Combate à Desertificação (CNCD), com objetivo de articular com as demais políticas setoriais e com os entes subnacionais, garantindo a implementação e avaliação da política. A primeira CNCD foi criada em 2008 e revogada neste mês, sendo substituída por uma nova composição, que agora conta com 18 representantes da sociedade civil, 7 a mais que a anterior, e também com um correspondente de ciência e tecnologia do País junto à Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação. Além de revisar a CNCD, a política passa a contar com mais um instrumento, a Câmara Interministerial de Combate à Desertificação, presidida pelo MMA e responsável pela interlocução permanente entre as entidades envolvidas na execução da PNCD. O governo federal prepara agora uma nova versão Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação aos Efeitos da Seca (PAB), parte da estratégia nacional alinhada com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas (UNCCD), da qual o Brasil faz parte, junto com mais 192 países.
Questão Yanomami
Dada a gravidade da crise humanitária enfrentada pela população Yanomami, pelos próximos 2 anos e 9 meses Roraima contará com uma estrutura permanente do governo federal. Trata-se da Casa de Governo no Estado de Roraima, fruto de um remanejamento de cargos em comissão no âmbito do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). O objetivo da Casa de Governo é coordenar políticas públicas de resolução da questão Yanomami de maneira permanente, com articulação intergovernamental e diálogo com os atores locais, em especial o próprio povo Yanomami. A Casa é uma estrutura temporária, que terá linha direta com a Secretaria-Geral da Presidência da República, em Brasília, e foi criada em caráter emergencial via Decreto por não representar incremento de despesas de pessoal aos cofres públicos. Do contrário, precisaria de autorização legislativa e só poderia ser aprovada por Lei ordinária.
Por que o Acordo de Escazú sumiu?
O Acordo de Escazú, que trata do compromisso regional em garantir o acesso à informação, à ampla participação social nas políticas públicas e ao acesso à justiça ambiental, incluindo a proteção a defensores ambientais, foi enviado ao Congresso em maio, sem andamento desde então. O Brasil é um dos países mais perigosos do planeta quando se trata da defesa de Direitos Humanos. Em 2018, foi o 4º colocado do mundo em mortes de ativistas ambientais e em 2019 subiu para a 3ª posição, isso sem contar ameaças e perseguições (Global Witness).
GT Fundo Floresta Tropical para Sempre
Apresentado na COP-28, e previsto como uma das entregas para a COP-30 de Belém, a proposta do Fundo Global para Conservação de Florestas Tropicais vai tomando forma no governo federal. O grupo de trabalho Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS) foi criado dentro do MMA e seus membros foram nomeados. Na composição, estão representantes de Serviço Florestal Brasileiro, Assessoria de Assuntos Internacionais, Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais e Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial.
A proposta inicial, apresentada em Dubai, é de captar US$ 250 bilhões, que seriam destinados a 80 países. A iniciativa de criação do GT é importante, mas a norma poderia prever a conexão do MMA e autarquias vinculadas (o SFB coordena o esforço) a outros ministérios e autarquias importantes, como o Ministério da Fazenda, o Itamaraty e o BNDES. A ver.
Salvem as abelhas!
Via comunicado, o Ibama restringiu o uso de produtos agrotóxicos contendo a substância Tiametoxam e determinou a inclusão da informação “Este produto é TÓXICO ÀS ABELHAS” no rótulo e na bula. Além das abelhas, o componente químico é extremamente prejudicial a outros insetos polinizadores, que já estão vulneráveis devido ao aumento da temperatura global. Nesse sentido, a restrição é muito positiva já que minimiza um fator de pressão sobre essas populações, que vêm sendo drasticamente reduzidas e, paradoxalmente, são tão fundamentais não apenas para a conservação da biodiversidade e manutenção da vida na Terra, mas também para o agronegócio.
Regulação do mercado de carbono: a volta do que não foi
O PL do Mercado de Carbono, Projeto de Lei nº. 2148/2015, aprovado na Câmara em dezembro, voltou ao Senado Federal em fevereiro. Em outubro de 2023, o PL havia sido despachado do próprio Senado, em direção à Câmara, sob a numeração “412/22”. O relator do projeto na Câmara, deputado Aliel Machado (PV/PR), embora tenha se utilizado de mais de 90% do texto vindo do Senado, inscreveu o PL sob a numeração “2148/2015”. Agora, ao adentrar novamente o Senado, foi “re-batizado”: PL 182/2024. Isto indica que o Senado deverá revisar o mérito e, então, re-encaminhar à Câmara, cuja chancela será final, no Poder Legislativo. A confusão, com detalhes aparentemente triviais, reflete a celeuma que circunda o futuro do andamento do projeto, tido como essencial para trazer o setor industrial brasileiro para dentro do compromisso brasileiro de redução de emissões. Uma análise da Política por Inteiro neste mês tentou colocar os pingos nos “i”s.
A nova frente de destruição pelo ouro
Uma combinação entre mercado, regras e estado tem reduzido o volume de ouro explorado no Brasil. O Valor Econômico noticiou que 20 toneladas a menos foram exportadas em 2023, em comparação com 2022. Ainda assim, o garimpo segue sendo uma ameaça à conservação de florestas e às comunidades ribeirinhas, povos indígenas, comunidades quilombolas e populações tradicionais. Assim como o desmatamento ilegal, o garimpo não se resolve com mera repressão. Uma dupla abordagem se faz necessária: aos reais investidores, o monitoramento do dinheiro e fortalecimento das ações de inteligência para eficiência de operações de fiscalização; às famílias atraídas para a atividade, políticas públicas de inclusão social e alternativa econômica. Assim como o desmatamento, essa é uma atividade fluida. Quando as operações de comando chegam, o garimpo “escapa” para outras regiões. Daí, o conceito de vazamento ou “leakage”. O mais novo foco é o Parque Nacional do Tumucumaque, na divisa entre os estados de Pará e Amapá, que estaria recebendo garimpeiros expulsos da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A situação resume uma importante lição: não há problemas “individuais” entre estados na Amazônia. Ao contrário, se o problema é de um estado, ele deve ser encarado como problema de toda a região.
O PPCDAm tem ações específicas voltadas para a cadeia do ouro, que vão do aprimoramento da fiscalização nas regiões auríferas, até sanções às Distribuidoras de valores (DTVM) que compram ouro de origem ilegal (MF/BCB/MMA)”. Em janeiro, o BNDES anunciou que dentre os investimentos do Fundo Amazônia está o investimento em segurança pública para a detecção da origem do ouro e seu rastreio, no âmbito do Plano Amazônia Segura (AMAS, coordenado pelo MJSP). A diretora Tereza Campello, chegou a falar em “o Brasil terá a ‘digital do ouro’”.
BNDES abriu o mês apresentando raio-X do Fundo Amazônia
Em 2023, o Fundo Amazônia, importante instrumento para frear a principal causa de emissões brasileiras – o desmatamento na floresta amazônica – recebeu R$ 726 milhões em novas doações (valores contratados). Os números foram apresentados em fevereiro pela ministra Marina Silva e a diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello. Essa ainda é uma parcela pequena do total de novos recursos anunciados no ano passado: R$ 3,1 bilhões. O maior doador em contratos assinados foi o Reino Unido, com R$ 497 milhões, seguido da Alemanha, com R$ 186 milhões. A expectativa é que os valores no fundo cresçam substancialmente neste ano, uma vez que os Estados Unidos anunciaram doação de R$ 2,435 bilhões. Em 2023, eles assinaram contrato de R$ 15 milhões. Devem entrar outros aportes, como o da Noruega, maior doador histórico, que afirmou que depositará mais R$ 245 milhões. Além disso, novos parceiros são esperados como a União Europeia (R$ 107 milhões) e o Japão, primeiro país oriental a sinalizar apoio ao fundo, com inaugurais R$ 13 milhões.
Fundo Clima também apresenta relatório de 2023
O BNDES publicou o relatório sobre o status do Fundo Clima, instrumento financeiro que tem ganhado destaque em função da captação de R$ 10 bilhões a partir da emissão de títulos soberanos. Apesar de compreender que o relatório é focado em recursos recebidos, para a Política por Inteiro é importante que os gestores – neste caso, BNDES e MMA – demonstrem os resultados de execução e o impacto do instrumento em mais de uma década desde sua entrada em operação.
Orçamento climático do Brasil começa a aparecer, mas ainda é um desafio
A Política por Inteiro teceu uma análise sobre o Orçamento da União e os fundos federais de financiamento para indicar o que há, de fato, destinado à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas em 2024. Entre os R$ 13,6 bilhões encontrados no orçamento de 2024, uma boa e uma má notícia. A boa é que é verdade que o montante disponível para a agenda climática aumentou consideravelmente em relação a orçamentos anteriores; a má é que a mensuração precisa do orçamento climático do Brasil segue sendo um desafio, já que não existem marcadores orçamentários que permitam vincular gastos a indicadores relacionados à redução das emissões ou à adaptação climática de cidades.
Entre outros achados, a análise indica que um dos entraves a serem superados pelo Brasil é a calibragem entre ambição e custo de implementação, isto é, múltiplos esforços de diferentes setores são bem-vindos para que o país possa em breve ter uma conta oficial do quanto de financiamento é necessário para reduzir as emissões e alcançar suas metas climáticas. E isto poderá vir de estimativas projetadas para cada setor. Só assim o país terá os pés no chão para equalizar metas desejáveis e resultados possíveis.
Além disso, para este e os próximos anos é preciso ter cautela com programas de PPA que aparentemente indicam alinhamento climático, mas não se tem certeza sobre os efeitos dos investimentos apontados. São os casos dos programas Agropecuária Sustentável (Mapa) e Mineração Segura e Sustentável (MME).
Procuram-se investidores
Vem aí uma Medida Provisória (MP) na agenda de financiamento. Estimando que o capital nacional é insuficiente para fornecer o volume de recursos necessários à transformação ecológica, o Ministério da Fazenda apresentou em fevereiro o Programa Eco Invest Brasil. Por meio de MP, será criada no âmbito do Fundo Clima a Linha de Mobilização de Capital Privado Externo e Hedge Cambial, e suas sublinhas de crédito (Linha de Blended Finance para Mobilização de Capital Privado Externo; Linha de liquidez e mitigação de efeitos da volatilidade cambial; Linha de crédito para fomento ao hedge cambial; Linha de crédito para estruturação de projetos). O programa será gerenciado por um Comitê Executivo, vinculado ao Ministério da Fazenda, que o coordenará juntamente com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), parceiro da iniciativa, dará apoio técnico. A ideia é conseguir atrair o chamado capital catalítico, por meio, por exemplo, de fundos combinados de recursos públicos e filantrópicos. Esse tipo de investimento costuma inaugurar novos mercados, financiam soluções inovadoras e de impacto.
ZARCs avançam
Neste mês, três novas espécies, em diferentes sistemas de cultivo, passaram a ter instruções para melhores práticas de cultivo considerando o risco climático conforme regiões do país. São elas a macaúba (uma palmeira, de potencial farmacêutico, cosmético e energético), a cebola e o açaí. O Zoneamento Agrícola de Risco Climático, conhecido como Zarc, começou a ser aplicado no Brasil na década de 1990 e se tornou Programa por meio de decreto, em 2019. Em um só mês, cinco normas foram lançadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), indicando a existência de um esforço interno em ampliar a base de culturas cuja produção é orientada com maior precisão pela inclusão de variáveis climatológicas no cotidiano do produtor.
Atualmente, é um dos instrumentos de boa técnica considerados pelos Manual de Crédito Rural (MCR) do Banco Central. Isso faz com que a aplicação das orientações do Zarc nas culturas agrícolas seja obrigatória para acesso a modalidades de crédito rural, como o Proagro, o Proagro Mais e o prêmio do Seguro Rural (PSR), e é relevante para instituições financeiras em suas análises de crédito e outros procedimentos.
LEGISLATIVO
Pelo menos cinco projetos seguem na fila de apreciação no Congresso Nacional com possibilidade iminente de movimentação:
- PL 4516/2023: “Combustível do Futuro”;
- PL 182/2024: “Mercado de Carbono”;
- PL 4129/2023: “Planos de Adaptação Climática para cidades”;
- PL 2159/2021: “Marco do Licenciamento Ambiental”;
- PL 11.247/2018: “Marco das Eólicas”.
Mais do que os temas centrais de cada projeto de lei, é preciso ficar atento aos “jabutis” que se distribuem no teor das proposições. Há, por exemplo, inserções equivocadas de REDD+ no PL do Mercado de Carbono (voltado para o setor industrial, e não para florestas), a permissão de concessões fiscais para as carvoeiras no texto do Marco das Eólicas e o enfraquecimento do procedimento de consultas prévias, livres e informadas (CPLI) no PL do licenciamento ambiental.
Em fevereiro, uma notícia boa e outra ruim resumem a atividade legislativa em Brasília:
A boa: 👍 | A ruim: 👎 |
Aprovação – ainda que com ressalvas – do PL que versa sobre diretrizes para os Planos de Adaptação Climática em cidades | Inércia do PL do Mercado de Carbono. |
Sobre a ruim, a avaliação é de que há uma espécie de “manipulação regimental” pelo deputado Aliel Machado (PV/PR), já comentada pela Política por Inteiro. O Senado perdeu a iniciativa do Projeto de Lei. A questão é: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), permitirá a jogatina em nome da pacificação do relacionamento entre as Casas? A morosidade no expediente do despacho do projeto começa a indicar que não. A matéria, dita prioritária, recebeu diversas modificações na sua topografia textual e o descumprimento do acordo costurado pessoalmente pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, por Aliel, forçou o Governo Federal a uma reunião de emergência para a contenção de danos. A ex-relatora no Senado, Leila Barros (PDT/DF), não concede detalhes sobre o andamento das tratativas. Entretanto, é esperado que ela repita o exercício da Relatoria neste segundo turno. Desta vez, diretamente no Plenário – caso o Regimento Interno seja seguido.
Fato é que diferentes atores seguem em movimento nos bastidores para influenciar no texto. O sinal de alerta fica por conta de se estar discutindo menos o mérito do funcionamento do Mercado de Carbono Regulado no país, e mais os jabutis que sejam convenientes às forças de influência. Todavia, até agora a situação é fácil de entender: sem despacho, sem votação, sem Mercado de Carbono.
Por outro lado, é celebrada a aprovação do PL dos Planos de Adaptação Climática (deputada Tábata Amaral, PSB/SP) na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal. Aprovação com votação simbólica, sem grandes percalços solenes. O texto, aprovado na Câmara dos Deputados no ano passado, deveria ir ao Plenário da Casa e direto ao Poder Executivo, para sanção dada a conhecida anuência do Governo. O futuro Plano Clima deverá levar em conta o texto do PL.
A pacificação no momento da votação não era de todo absoluta. No último dia do mês, o senador Jayme Campos (União Brasil/MT) apresentou o requerimento 122/24, que solicita a apreciação da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) para confirmar que “não ferirá o agronegócio brasileiro”. Houve acordo com os ruralistas na CMA para a aprovação. Não foi o suficiente, querem mais.
No espectro geral, fevereiro começou como todos os outros no Legislativo. A disputa de interesses e visões de mundo está ativa e operante. Pautas progressistas se organizam, conservadores reagem. O governo, sem servidores o suficiente para incidências mais calorosas, apoia aqueles que estão de acordo com os ideais. A sociedade civil emprega seus esforços para oferecer dados e conhecimento aos tomadores de decisão. Segue o cabo de guerra. Para que lado a corda tende a arrebentar?
MUNDO
Comissão Europeia apresenta roteiro para zerar emissões até 2050
Corte de 90% nas emissões do bloco até 2040, em relação a 1990, para atingir a neutralidade climática até 2050. A Comissão Europeia, braço operativo da União Europeia (UE), apresentou um novo roteiro para cumprir a meta de zerar emissões na metade deste século. A proposta foi publicada no dia 6 de fevereiro, por meio de um comunicado oficial, em um mês tomado por protestos do setor agropecuário no bloco. O compromisso enfatiza que as metas não devem trazer empecilhos à necessidade de manter a competitividade da indústria regional e de promover uma transição econômica justa. Afinal, “pactuar metas climáticas até 2040 ajudará a indústria, os investidores, os cidadãos e os governos europeus a tomar melhores decisões já nesta década, e manterá a UE dentro dos trilhos que levem à sua neutralidade climática até 2050”. Além disso, esse comportamento “emitirá sinais importantes sobre (como todos na UE devem) considerar o planejamento de longo prazo como essencial para moldar uma sociedade próspera, competitiva e justa, minimizando os riscos para ativos irrecuperáveis”, acrescenta o comunicado.
A apresentação da proposta abre um processo de consultas e ajustes até que seja apreciado para se tornar lei, dentro da chamada Lei do Clima do bloco. Isso só deve acontecer após as eleições parlamentares da UE, em junho. Esse processo também encaminha a apresentação da atualização da NDC (o Compromisso Nacionalmente Determinado, na sigla em inglês, que declara a meta climática do país à Convenção do Clima da ONU). Os membros da UNFCCC tem até a COP de 2025 para atualizar suas metas, que devem ser mais ambiciosas que as atuais.
É claro que, dadas as limitações do continente, bem como a conjuntura de instabilidade global, o caminho para a descarbonização europeia é longo e cheio de obstáculos – como os ruidosos protestos do setor agrícola ao longo de fevereiro. Porém, traduzindo para a linguagem de política climática, o bloco não parece estar blefando ou empenhado em praticar greenwashing. O Brasil que o diga, já que em dezembro deste ano entra em vigor o acordo para barrar importação de produtos oriundos de desmatamento (EUDR), que trará impacto direto a setores nacionais de exportação, em especial grãos e carne.
Além disso, já no início deste ano, a UE aprovou uma diretiva interna que proíbe a inscrição de selos com mensagens como “carbono neutro”, “produto amigo do clima” e similares nas embalagens de produtos cuja comprovação de neutralidade líquida de emissões não se possa provar. A medida visa a impedir a prática de greenwashing, uma espécie de estelionato ambiental que se propõe a ludibriar cidadãos sobre o real nível de compromisso de organizações na luta pela descarbonização do planeta.
Agência Internacional de Energia de olho no progresso
Um dos grandes desafios da descarbonização é a transição energética. A Agência Internacional de Energia (AIE) reuniu em sua sede em Paris representantes do alto escalão de governos e líderes climáticos para debater como cumprir as metas colocadas para o setor na COP 28 e manter possível o objetivo de segurar o aquecimento global em 1,5ºC.
A secretária nacional de mudança do clima, Ana Toni, esteve na mesa com nomes como Jonh Kerry, que em breve deixará o cargo de enviado especial para o clima dos Estados Unidos, e o presidente da COP 28, Sultan Al Jaber. Na última semana de janeiro, o diretor-executivo da AIE, Fatih Birol, havia encontrado Lula em Brasília. Na ocasião, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, foi o anfitrião da delegação da AIE, que encontrou outras autoridades além do presidente, como o vice Geraldo Alckmin, Haddad, o chanceler Mauro Vieira, a ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, e a própria Ana Toni.
A AIE lançará um monitor para acompanhar o progresso dos países na “missão 1.5”.
Foram registradas 41 portarias de reconhecimento de emergência e calamidade pública emitidas pela Defesa Civil, decorrentes de eventos climáticos extremos neste mês, totalizando 340 reconhecimentos. De maneira geral, segue ocorrendo o que temos visto nos últimos meses: chuvas concentradas na região Sul e Sudeste, estiagem e seca no Nordeste, no Centro-Oeste e no Norte, com destaque para Roraima. Nos últimos dias do mês, foi registrada a situação de inundação histórica em diversos municípios do Acre.
TERMÔMETRO DO MÊS
Mais um mês de baixa movimentação do país na política climática, mas não por falta de desafios. Embora fevereiro traga movimentos importantes, sobretudo na agenda de financiamento, direcionada para os investimentos externos e com colaboração internacional, ainda é bem nítido que o governo federal segue na “arrumação de casa”. Ministérios criam, regulamentam e nomeiam grupos de trabalho, câmaras, comitês, e colocam energia para fazê-los funcionar; definem novas metas de desempenho institucional para 2024; ajustam prioridades e orçamentos internos. Tudo isso é válido e tem sua razão de ser. Mas segue sendo urgente converter energia potencial em cinética. Todos esperam muito do Brasil, e o mundo tem pressa. Foi o que se ouviu de muita gente de fora que esteve no país no mês passado com as agendas relacionadas ao G20.
Como demonstraram as duas reuniões temáticas do G20 ocorridas em fevereiro, todos os diálogos multilaterais estão altamente afetados pela conjuntura geopolítica global, com dois conflitos armados sem perspectivas de distensionamento. Nesse contexto, soma-se a aproximação das eleições americanas, com alto poder de impacto sobre a agenda global econômica e climática – já não mais dissociáveis, uma vez que o principal mecanismo de injeção de recursos adotado pelo governo de Joe Biden, postulante à reeleição, foi o Inflation Reduction Act, um pacote de incentivo à transição. O pleito ocorre em novembro, mas na primeira semana de março, temos a Super Terça, uma das datas mais relevantes do calendário eleitoral, uma vez que ocorrem prévias em diversos estados.
Na mesma primeira semana de março, ocorre outro encontro do G20, desta vez, por meio de videoconferência. Será a primeira reunião da Força-Tarefa de Mobilização Global contra a Mudança do Clima.
O tempo é implacável e, olhando para a frente, já em dezembro entra em vigor o acordo europeu para importação de produtos livres de desmatamento (EUDR). Esse novo contexto deveria, no mínimo, estar acelerando governos federal e estaduais em direção a atualizações normativas e a sinais políticos mais efetivos de tolerância zero com a degradação e o desmatamento – seja ele ilegal ou legal. Isso é especialmente crítico no contexto amazônico, em que dezenas de milhões de hectares de terras públicas não-destinadas esbarram na morosidade de decisões sobre destinação, áreas sobre as quais as violações tendem a correr soltas em função da baixa ou inexistente governança territorial.
Apesar da relutância do atual governo brasileiro em considerar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como um ambiente de propostas e respostas a problemas internos, uma recomendação que segue viva é compreender e internalizar, com os devidos retoques para o contexto brasileiro, as boas práticas já desenvolvidas pelo acúmulo de experiências exitosas dos países que integram a organização, além de iniciativas brasileiras positivas em escala local, inspiradas pelas diretrizes do grupo.
Outra questão importante para o país, agora que o ano “começou”, é trazer de volta aos trilhos temas estratégicos da pauta climática no plano interno. Desde o final de 2023, com o corre-corre típico de COP, alguns temas se perderam no caminho. Os marcos legais para o mercado de carbono, para o licenciamento ambiental e a ratificação do Brasil ao Acordo de Escazú são alguns nos quais a Política por Inteiro considera essencial concentrar atenção.
Seguimos aguardando publicações relacionadas ao Plano de Transformação Ecológica, sobretudo a definição de sua governança. Como temos dito, a transversalidade não significa falta de coordenação. O Ministério da Fazenda está à frente da iniciativa, mas qual é o desenho que permite a pastas totalmente implicadas no assunto, como MMA, terem poder de direcionar a trajetória da transformação? E mais: quais mecanismos permitirão participação legítima para que essa trajetória inclua toda a sociedade e contribua para a redução das desigualdades, como tem se posto como premissa das ações climáticas pelo atual governo?