O primeiro sinal emitido pelo decreto, ao incluir as UCs no rol do PPI, é o de que o atual governo está mais do que convencido do potencial de serviços a ser desenvolvido nestas áreas especialmente protegidas. O segundo, e não menos importante, é o de que o setor privado é essencial para que a utilização desses espaços ocorra com qualidade e eficiência. De quebra, a estratégia ajudaria a estimular o senso de cuidado e proteção às Unidades de Conservação, a partir da vivência de turistas e populações locais, atraídos pelas mais variadas atividades de imersão ofertadas nestes espaços.
Por outro lado, para dar certo, essa sinalização tem de ser bem mais profunda do que uma mensagem de governo: como qualquer parceria público-privada, estabilidade e previsibilidade são atributos essenciais, o que significa que é o Estado brasileiro – isto é, para além dos ciclos de mandato governamental – que precisa reconhecer e priorizar os instrumentos disponíveis para implementar as Unidades de Conservação. As UCs representam um potencial imenso para o turismo nacional em suas mais diferentes modalidades e, sem um robusto programa de parcerias público-privadas, esse potencial dificilmente será explorado em volume, ritmo e tempo hábeis para que áreas protegidas colaborem com a descarbonização da economia nacional.
Unidades de Conservação que atualmente sofrem com problemas relacionados a desmatamento ilegal, avanço desordenado de manchas urbanas e toda sorte de violações a Direitos Humanos de povos e comunidades tradicionais – aspectos que invariavelmente levam ao aumento das emissões de gases de efeito estufa no Brasil – podem ser os locais onde a economia verde é estimulada pela concessão de serviços turísticos, e com eles a geração de uma cadeia econômica baseada na sustentabilidade como chamariz. Com um desenho de concessão bem executado e adequadamente monitorado, as UCs podem desenvolver todo o seu potencial turístico e de geração de uma cadeia de empregos e receitas verdes, isto é, estimulam o desenvolvimento econômico e social local a partir da conservação de seus ativos ambientais.
Para longe de reduzir o debate a um funil ideológico, é notório que o Estado não nasceu para explorar essas atividades econômicas. Não tem acúmulo de conhecimento para tal. E, em razão disso, fatalmente não executa essas tarefas com eficiência. O resultado provável? Serviços caros e questionáveis em qualidade.
Exemplos de atividades exploradas pelas empresas nas concessões
Vejamos, por exemplo, o caso do Parque Nacional do Iguaçu. No decreto, há um dispositivo específico que prevê a exploração da atividade de voos panorâmicos no Parque. Imagine um órgão do governo operando esses voos… Não é razoável, porque o Estado não nasceu – muito menos se especializou – para isso, certo?
Este mesmo raciocínio se estende também a itens básicos da concessão de serviços, como gerenciamento de equipamentos turísticos, estacionamentos, restaurantes, venda de souvenirs, fornecimento de alimentação, rede hoteleira, transporte, entre outros.
Compreendido o contexto, é possível entender que conceder áreas para a exploração de serviços (que podem ser inúmeros, mas aqui limitamos a análise apenas aos turísticos) é um chamado para ação conjunta. O investidor estuda as possibilidades e projeta resultados em médio e longo prazos. O Estado, em contrapartida, fornece segurança jurídica e estímulos (financeiros e não-financeiros) às empresas, a fim de garantir a viabilidade da operação, especialmente em sua fase inicial.
Ao darem resultado, os investimentos geram receita, e parte dela é revertida para a gestão das áreas protegidas, alimentando um ciclo virtuoso no compartilhamento de esforços entre os universos público e privado.
Como no conhecido desenho das aulas de Matemática, o encontro entre estes dois conjuntos gera uma intersecção importante. Uma área de convergência que o Brasil merece explorar.
Estado deve focar em planos de Manejo, ordenamento territorial e regularização fundiária
Num país imenso e desigual, em que o serviço público tem dificuldade de alcançar as pessoas, ao Estado cabe o planejamento de políticas públicas – que inclusive enxerguem a oportunidade de parcerias público-privadas, como é o caso. E executar as atividades, essas sim, a nosso ver, indelegáveis, que geram as condições para que o investimento privado prospere: elaborar e executar um bom Plano de Manejo (em muitas regiões do Brasil também chamado Plano de Gestão) da unidade; realizar o ordenamento do território, que inclui ações de regularização fundiária e demarcação dentro e no entorno da UC, que mirem a redução/eliminação de conflitos fundiários nessas áreas; estimular permanentemente o debate pela gestão do espaço, acolhendo diferentes visões de mundo e conciliando os interesses de atores de diferentes segmentos aos alvos de conservação das UCs e aos melhores preceitos para o uso público; gerenciar riscos e pressões, valendo-se do poder de polícia para garantir direitos e efetividade de acordos; fomentar o desenvolvimento de pesquisas científicas capazes de retroalimentar o Plano de Gestão, que inclusive sinalizem novas oportunidades ou riscos antes não-conhecidos para gestores e investidores; garantir o exercício do pacto federativo no compartilhamento de desafios entre todos os níveis de governo, entre outras frentes relacionadas. É uma lista densa, que por si só já se mostra um grande desafio, expandido em milhões de hectares por todo o país.
O que o Decreto 11.912 fez também foi emitir o sinal político de que a inclusão das UCs no PPI se baseia na maturidade de avaliações técnicas feitas caso a caso sobre as potencialidades das áreas protegidas listadas.
Essas avaliações recebem contribuições da sociedade – em grande parte geradas no seio dos Conselhos Gestores das UCs, colegiados criados pela legislação brasileira para auxiliar (e monitorar!) o poder público para a melhor tomada de decisão governamental – e na própria visão de investidores em negócios ligados à natureza. No decreto, destacaram-se os Parques, possivelmente a mais conhecida e popular das 12 categorias do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), e que por lei existem para aliar o alto potencial turístico e recreativo à necessidade de proteção da biodiversidade e demais recursos naturais.
O investimento privado, se feito dentro do esquadro da boa técnica, e do respeito aos limites das áreas protegidas (normalmente indicados em diversos documentos técnicos, que vão desde os estudos de criação, plano de manejo, zoneamento e planos de uso público, passando por notas técnicas e resoluções dos próprios Conselhos), é um movimento inteligente, que faz com que o Estado, de quem dantes se esperava a “execução de tudo”, assuma uma função mais moderna, de monitorar a eficácia das concessões, liberando energia da gestão para o que é indelegável e essencial da função estatal. Reduz custos e foca em coordenar políticas públicas, atuando para gerar condições ao desenvolvimento da coletividade.
De quebra, abre caminho para ampliar o leque de oportunidades que vêm das áreas protegidas, estimulando operações de todos os portes e níveis de complexidade, que igualmente incentivam economias e empregos indiretos em suas cadeias de fornecimento.
É sempre importante frisar que todo serviço turístico amarra serviços logísticos associados. O ICMBio, por exemplo, aponta que para cada R$ 1 investido em uma Unidade de Conservação brasileira, aproximadamente R$ 15 podem ser gerados em benefícios econômicos para a economia local. O turismo é sem dúvida um vetor importante para que esses benefícios se concretizem na vida dos municípios. Nessa perspectiva, as UCs se mostram indutoras do desenvolvimento municipal, ao mesmo tempo em que se tornam “passaporte” para a Economia Verde no Brasil.
Claro que o céu não é perto e, naturalmente, o apetite do setor privado para investimento em Unidades de Conservação traz requisitos. Como as concessões em geral são desenhadas em ciclo longo (superior a 20 anos, no mínimo, com primeiros anos turbulentos, nos quais o investimento é via de regra superior à receita) e os riscos da operação são inerentes à atividade empresarial, alguns atributos são fundamentais para a atração de investidores: segurança jurídica, integridade territorial (o que exige uma gestão pública atuante), políticas públicas concatenadas e, é claro, vontade política. Isso é fundamental para gerar os dois elementos básicos de todo negócio: confiança e previsibilidade.
Nesse contexto, o decreto também traz UCs que ficam, por ora, de fora do PPI: não estar no PPI neste momento não significa que a Unidade não tenha potencial para investimentos em concessão de serviços. Em muitos casos, as UCs têm alto potencial, mas o grau de implementação é tão baixo que lançá-las para captação de investimentos privados pode ser prematuro, um tiro n’água.
Em outros, a decisão do governo pode ser revista por não ter considerado a boa técnica ou o desejo de comunidades intrínsecas, por exemplo. Assim, cabe ao governo analisar caso a caso, ouvir o conselho gestor e outros atores que se relacionem ao arranjo institucional da Unidade, de modo a recalibrar a estratégia e, enquanto isso, investir nos programas de gestão que fortalecem a Unidade e a preparam para uma futura atração de investimentos.
Em tempos de “testagem” dos limites constitucionais, há também uma mensagem importante na norma: com a disposição em atuar integrado, o governo se mostra alinhado ao preceito constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado como dever não só do Poder Público, mas da coletividade (Art. 225). O setor privado é, dessa forma, parte da solução, não do problema. O que o governo faz ao inserir 11 UCs de importante apelo turístico nacional e internacional é, no fim das contas, um chamado para ação conjunta, típico de quem entendeu que, em tempos de emergência climática, não há tempo a perder.
Outros instrumentos de parceria, além das concessões
Também é importante considerar que nem tudo se resume a concessões, tecnicamente. No universo das Unidades de Conservação, são bem-vindos outros instrumentos que também podem ser firmados entre poder público e iniciativa privada para ofertar serviços nas UCs.
São os casos de autorizações e permissões, modalidades de descentralização administrativa de serviços, que variam em procedimentos e níveis de complexidade. A ideia central aqui é que, uma vez identificadas as diferentes potencialidades do espaço, a UC não fique presa a um modelo estilo “concessão única” e inclua outras formas de delegação e parcerias.
Por todas as oportunidades que as parcerias público-privadas trazem ao contexto das áreas protegidas no Brasil, vale reforçar: a concessão de serviços para o setor privado não pode ser vista como demérito ou confissão de incapacidade do poder público. Ao contrário: ao explorá-la enquanto instrumento econômico, o governo demonstra maturidade na compreensão sobre seu papel na agenda de desenvolvimento nacional e, ao mesmo tempo, atesta sua capacidade em enxergar desafios públicos complexos sob uma lógica sistêmica e alinhada à Constituição federal, segundo a qual o Estado não deve ser o solucionador de todas as mazelas. Assim, todos os setores podem dar contribuições efetivas para a construção de uma matriz econômica verde no Brasil. Com inteligência e vontade de parte a parte, as UCs podem ser terrenos férteis para empregos, empreendedorismo, receitas públicas, qualidade de vida e descarbonização do país.
Em tempo: dias após o anúncio das 11 UCs incluídas no PPI, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia federal responsável pela gestão das Unidades de Conservação federais do país, tornou pública a Instrução Normativa ICMBio nº. 04/2024, cujo objetivo foi atualizar os procedimentos de gestão de contratos de concessão de serviços em Unidades de Conservação federais. Ao “ligarmos os pontos”, nota-se a existência de um esforço intra-governo em preparar o terreno para que as concessões ocorram com regras claras e transparentes a quem de interesse.