A Nova Indústria Brasil (NIB) é uma política pública federal destinada a modernizar o setor industrial do país. Concebida em 2023 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), sob a coordenação do vice-presidente Geraldo Alckmin e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), visa injetar R$ 300 bilhões em subsídios, priorizando a inovação e o desenvolvimento, por meio de instituições como BNDES, Finep e Embrapii.
Há 3 grandes questões colocadas no debate público a respeito da NIB:
1ª – A primeira é se o Brasil precisa de uma política industrial.
2ª – A segunda é qual a novidade da proposta lançada pelo governo atual.
3ª – E a terceira, que analisamos em detalhe abaixo, é se há real alinhamento com a agenda climática, dado que a indústria é a quarta maior contribuinte para as emissões brasileiras de gases de efeito estufa, respondendo por 11% do total.
Não há resposta única à primeira pergunta. Há argumentos favoráveis e desfavoráveis à intervenção estatal no setor industrial. Os favoráveis à diversificação produtiva e à reação ao processo de desindustrialização precoce veem na NIB uma oportunidade. Já o risco de captura por parte de lobbies e atores que buscam benefícios próprios, além do histórico de programas de subsídio que nunca são descontinuados no país, contam desfavoravelmente. Sobre isso, recomendamos a leitura da recente carta do IBRE/FGV que expande os argumentos, trazendo perspectivas teóricas e práticas.
Quanto à segunda pergunta, a grande novidade da NIB é a abordagem baseada em “missões” (mission-oriented approach), em linha com as recomendações da economista italiana Mariana Mazzucato, que colaborou com o Ministério de Gestão (MGI) no último ano. Essa abordagem é baseada na colaboração entre os setores público e privado, requer desenho bastante claro das “missões” e aposta ainda em ferramentas como compras públicas para impulsionar o papel estatal nos mercados.
No caso da NIB, foram definidas 6 missões para o período 2024-2026:
Missões norteadas da Nova Indústria Brasil (NIB)
Em termos textuais, a NIB está organizada em instrumentos para desafios estruturantes e instrumentos para o alcance de missões.
Ao apresentar os instrumentos estruturantes, cita-se no documento, em primeiro plano, o mercado de carbono. Porém, não se articula como a precificação de emissões fará efeito sobre a política industrial: não há meta nem menção de resultado esperado. Para ter o efeito desejável, a ideia do mercado de carbono é aumentar o preço relativo de produtos intensivos em emissões (como aqueles dependentes de combustíveis fósseis) vis a vis os menos intensivos, para que o consumidor mude seu padrão de consumo. Isso significa preços altos até que os menos intensivos atinjam escala necessária para equilibrar oferta e demanda via preços. Contudo, não há uma consideração do instrumento “como ele é” na política industrial lançada.
Além disso, notamos que o documento faz menção à adoção de um mercado regulado nos moldes do projeto de lei do Senado (412/22), que já foi modificado na Câmara e virou o PL 2148/15. Pode ter sido uma mera desatualização do texto ou então se trata de uma revelação de que o poder Executivo acredita ser possível ressuscitar o texto do PL 412/22. Nessa hipótese, o Relator(a) do Senado precisará apresentar um substitutivo ao PL 2148/15 com o exato texto do 412/22 – o que parece ser o desejo do Governo. Na opinião dos especialistas do Instituto Talanoa, o PL 412/2022 é a melhor proposta da safra recente de PLs visando instituir um mercado regulado de carbono no Brasil. O PL estabelece elementos essenciais, como limites de emissões e critérios de alocação dos direitos de emissão e governança, garantindo integridade e eficácia ao sistema. Também impõe penalidades robustas, desenhadas para assegurar que sempre será mais vantajoso cumprir a lei do que desrespeitá-la.
Sobre as missões sugeridas no Plano de Ação 2024-2026, cabe citar que suas metas serão submetidas à avaliação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) nos próximos 90 dias. Para alcançar cada meta, há áreas prioritárias para investimentos e um conjunto de ações propostas. Aqui, nos parece faltar a profundidade e detalhamento necessários.
Com atenção à Missão 5, que chamaremos aqui em diante de missão climática, notamos desafios quanto à clareza, ambição e objetividade. Sobre clareza, uma missão bem definida e transparente é essencial para a eficácia e a credibilidade de qualquer iniciativa. Nesse sentido, parece faltar um bom diagnóstico por trás do desenho dessa missão e onde se pretende chegar com ela.
Sem uma compreensão clara dos objetivos específicos e de como eles serão alcançados, é improvável que ela se torne mobilizadora da sociedade e dos entes do próprio governo. Além disso, torna-se difícil avaliar o potencial impacto da NIB nos quesitos de descarbonização, bioeconomia e transição energética.
Quanto a isso, a impressão que se tem na leitura do documento da NIB é que a missão climática é uma aglomeração de setores e metas em uma mesma “força-tarefa”. As estratégias e os instrumentos para descarbonização, bioeconomia e transição energética são distintos e não há qualquer indicativo de que essas três estratégias serão desenhadas de forma coordenada, sinérgica ou estratégica.
Outro ponto é a falta de objetividade. Notamos que tanto as prioridades de financiamento quanto os objetivos da missão são vagos. Também a definição das “Ações específicas para o alcance da Missão”, que contempla “transição energética; melhorar a oferta de gás no país; ações de apoio à economia verde; valorização da Amazônia; atração de investimentos nessa indústria nascente e posicionamento do Brasil frente ao mundo; ações para impulsionar cadeias de valor que valorizem a floresta em pé e o uso sustentável de florestas nativas”. Certamente essas não são exatamente ações, tampouco específicas. A transição energética é um objetivo amplo e que perpassa toda a indústria, e vai além. Já a melhoria da oferta de gás no país pode ser contraditória com o objetivo da descarbonização, se considerarmos outras opções tecnológicas e energéticas para os diferentes segmentos da indústria. Ainda, a valorização da Amazônia e demais pontos são retóricos e extremamente vagos.
Quanto à ambição, a missão climática ainda precisa conectar seus indicadores de progresso com a política nacional de mudança do clima (PNMC) e da contribuição nacionalmente determinada (NDC).
Os indicadores propostos são: até 2033, a redução de 30% na emissão de CO2 por valor adicionado da Indústria; a ampliação em 50% da participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes e o aumento do uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria em 1% ao ano.
As emissões totais de CO2 por valor adicionado industrial referem-se à quantidade de dióxido de carbono emitida em relação ao valor produzido pela indústria. Esta medida é importante para entender a eficiência ambiental da produção industrial, indicando o impacto ambiental em relação ao valor econômico criado. Segundo o MDIC, atualmente há emissão de 107 milhões de toneladas de CO2 por trilhão de dólares produzido. A proposta é que isso caia para 74,9 milhões de toneladas em 10 anos.
O segundo é sobre a dose: a nova política, que promete estimular o desenvolvimento produtivo e tecnológico e ampliar a competitividade da indústria brasileira, prevê R$ 300 bilhões para financiamentos. Deste valor, apenas R$ 12 bilhões são para o Eixo “Indústria Mais Verde”; somados aos R$ 2,1 bilhões em isenção tributária para estimular produção de semicondutores e painéis fotovoltaicos, o que soma menos de 5% do valor total. Sem entrar no mérito da eficiência de subsídios, sejam eles quais forem, entendemos que apenas um valor marginal é previsto para descarbonização e valorização da bioeconomia no plano como um todo.
A NIB é uma novidade importante no cenário das políticas. No entanto, para que ela se alinhe efetivamente com a agenda climática global e contribua significativamente para a redução das emissões de gases de efeito estufa, é crucial que as missões propostas sejam mais claras, objetivas e ambiciosas.
A Missão 5, em particular, precisa de um foco mais estratégico, com metas bem definidas e indicadores alinhados às diretrizes climáticas nacionais e internacionais. Além disso, é fundamental que um maior percentual do financiamento seja alocado para iniciativas de descarbonização e bioeconomia, refletindo um compromisso genuíno com a sustentabilidade e a inovação responsável. Por fim, é essencial a criação de mecanismos de monitoramento e avaliação contínuos para garantir a eficácia e o impacto positivo da NIB nas dimensões econômica, social e ambiental.