Em agosto, em Belém do Pará, há um bom motivo para sorrir: começa a plena safra do açaí, fruto cuja polpa é parte da cultura e da dieta locais. Até dezembro, a produção abundante da polpa faz o preço cair e colabora para que famílias mantenham o alto consumo diário do suco do fruto, tradicionalmente servido em cuias, por sua peculiar densidade.
Da mesma forma como um belenense espera a chegada de agosto, a sociedade civil amazônica engajada na luta climática aguardava com altas expectativas a realização da Cúpula da Amazônia, encontro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para que chefes de Estado dos oito países da região discutissem questões centrais ao desenvolvimento panamazônico. A Cúpula contou com um primeiro momento dedicado à participação social, chamado de Diálogos Amazônicos – que seguiu extraoficialmente durante a Cúpula. Diferentemente do que costuma ocorrer na mesa dos belenenses, ao final do encontro, os oito chefes de Estado e seus times de negociadores deixaram a cuia de açaí do compromisso climático apenas “meio cheia” na capital paraense. Ou seria “meio vazia”?
O Instituto Talanoa participou do encontro e compartilha um olhar crítico dedicado a assuntos que se destacaram durante a semana na capital paraense, e que inspiram alertas para uma agenda climática efetiva na região pelos próximos anos:
Na esteira da baixa ambição do texto final da Declaração de Belém, o Comunicado Conjunto de Países Florestais em Desenvolvimento, outro documento oficial também lançado na capital paraense, foi tímido em relação ao desmatamento: se resumiu a reiterar o “compromisso com a redução das causas do desmatamento” e a alertar as maiores potências econômicas globais de que o tema desmatamento não seja utilizado “de maneira arbitrária ou injustificável para restrições comerciais”, em um claro recado à União Europeia. Este conjunto de países signatários é formado por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Indonésia, Peru, República Democrática do Congo, República do Congo, São Vicente e Granadinas, Suriname e Venezuela.
Em Dubai, assim como em Belém, a conversa difícil sobre o desinvestimento em combustíveis fósseis dá sinais de que não avançará por parte do Brasil. Segue posto o desafio à sociedade, de continuar exercendo pressão no governo para que, até a COP-30, sejam redirecionados os subsídios a combustíveis fósseis no Brasil como medida imprescindível à redução das emissões nacionais. De quebra, o Brasil daria o exemplo à verdadeira transição energética de que o planeta necessita.
Se o tempo para implementação de políticas transformativas é escasso, governos e sociedade civil organizada não deveriam insistir num formato de interação cuja efetividade em relação à influência nas decisões governamentais não é sentida por seu público. Durante o Diálogos, participantes de diferentes segmentos foram enfáticos ao manifestar que não serão sujeitos passivos na sala: querem não só compreender a realidade e os debates internacionais em curso, mas moldá-los. A frase “nada sobre nós sem nós” ecoou em todos os dias do evento e foi uma espécie de lema entoado pelos participantes.
Em que pese o evento de abertura oficial da Cúpula ter contado com seis porta-vozes da sociedade civil – que levaram mensagens de seus pares diretamente a chefes de Estado – o texto da Declaração de Belém já estava praticamente fechado pelos negociadores dos 8 países antes mesmo de a Cúpula ter início. Além disso, a distância entre os eventos foi tecnicamente de um único dia. Como esperar que toda a riqueza da participação social em 405 eventos oficiais (e tantos outros extraoficiais, espalhados pela cidade) pudesse ser absorvida em tempo e em condições de ser trabalhada pelos negociadores dos países?
Mais do que desejosa de uma ampla e qualificada interação com governos, a sociedade civil está atenta ao método empreendido em processos participativos, que precisam melhorar. O Brasil é conhecido na diplomacia climática por franquear amplo espaço à sociedade e as massivas participações de brasileiros e brasileiras em Conferências do Clima ano a ano são uma evidência disto. No entanto, não se poderá dizer que o governo tem empreendido um amplo e acolhedor processo de escuta à sociedade brasileira se, nas decisões finais, os reclames e anseios da coletividade não são (ou são pouco) incorporados às posições oficiais.
Para além disso, uma outra dimensão dessa comunicação foi suscitada: da mesma forma que governos, as organizações do terceiro setor precisam também adequar sua linguagem e aprimorar sua comunicação na ponta, com povos e comunidades. Foram recorrentes os posicionamentos sobre a necessidade de que coletivos amazônidas participem mais e melhor dos espaços de comunicação e incidência, e que essa entrada pode ser auxiliada por organizações não-governamentais já consolidadas, em especial as que incidem nos grandes meios de comunicação e ambientes de debate público. Num momento em que todos querem falar, a escuta ativa e a promoção de novas lideranças enquanto premissas de relacionamento são duas das chaves para o Brasil “acertar o alvo” em políticas públicas para a Amazônia.
Nesse aspecto, os eventos foram importantes para reoxigenar a esperança. A semana em Belém foi um trecho percorrido no caminho de reconstrução. Conversas difíceis são cada vez mais necessárias e urgentes, e elas só podem ser exitosas se estivermos dispostos a repensar o modo como nos relacionamos e, antes dos consensos, construirmos convergências.
Com razão, as comunidades reivindicam entender os conteúdos técnicos e influir diretamente no processo decisório. É mais do que apenas conhecer. É conhecer a tempo de intervir, de decidir. Isto somente virá a partir da inserção de representações sociais no desenho de governança de políticas “na” e “para” a Amazônia, o que pressupõe um contínuo e qualitativo processo de comunicação, transparência, treinamento, capacidade de participação efetiva e, finalmente, o exercício constante de busca por justiça social e ambiental. O destaque aqui fica para eventos relacionados a mercados de carbono, em que o protagonismo de comunidades foi a tônica dos debates.
Apesar da “boa participação” da democracia nos debates em Belém, em conversas entre brasileiros ainda se percebeu pairar uma espécie de tabu sobre como colaborar com a democracia no contexto de reconstrução do país: um sentimento de que, agora que o país retoma o caminho democrático e o fortalecimento das instituições, prejudicadas pelo processo de desmonte conduzido pelo governo anterior, a sociedade civil organizada não possa (ou não deva) tecer críticas públicas ao atual governo, apenas pelo fato de que isso pudesse configurar, em tese, “munição” para a oposição, recém-derrotada no Executivo, de maioria no Congresso e que encontra vários governadores a ela ideologicamente alinhados.
Entendemos que há críticas e críticas. À parte o mérito sobre as mais diferentes intenções e propósitos que possam motivá-las, acreditamos que a sociedade panamazônica não pode incorrer no paradoxo de que, para salvar a Democracia, não se possa ou deva exercer a crítica – enquanto ferramenta democrática – para direcioná-la a caminhos e decisões de governos… democráticos. Esta é uma armadilha para a qual devemos estar atentos. Hoje, no time governamental de reconstrução do Brasil, há visões de mundo e de desenvolvimento nacional convergentes com o que a sociedade civil organizada espera: um projeto nacional de desenvolvimento que inclua de maneira inteligente o potencial da biodiversidade do país, o respeito às salvaguardas socioambientais estabelecidas e a ambição climática como diretrizes para a redução das desigualdades sociais e para o desenvolvimento sustentável do Brasil.
Em um regime verdadeiramente democrático, não será deixando de lado a função analítica e crítica da sociedade que um governo calibrará melhor suas metas, elaborará melhores políticas e obterá melhor desempenho.
Os governos precisam estar melhor preparados para coletar, analisar e incorporar as colaborações da sociedade. As reuniões de Belém se encerram com a certeza de que o tecido cooperativo da sociedade civil melhorou; laços foram feitos, outros fortalecidos.
Se “o processo às vezes vale tanto quanto o resultado”, é inegável que a Cúpula da Amazônia foi um momento importante, na medida em que aproxima a diplomacia regional e traz novo vigor ao tecido cooperativo das organizações e dos mais diferentes movimentos sociais, incrementando relações entre si e junto a governos. No entanto, a efetividade do processo dialógico – que pressupõe informação de qualidade, escuta atenta, variados espaços de fala e tempo suficiente para análise e assimilação de contribuições – só será alcançada com a recorrência deste tipo de evento no calendário panamazônico. Neste sentido, é importante verdadeiramente amazonizar organismos como a própria OTCA e o Fundo Amazônia, incluindo-os física e funcionalmente no território amazônico, bem como estabelecer canais ativos de participação entre governos e sociedade mediados pelas instituições. A sociedade segue alerta para monitorar se essas e outras ações serão empreendidas pelos países-membros da organização já nos próximos meses.
É especialmente necessário estabelecer uma cultura de conversas difíceis entre os países panamazônicos. Dado o distanciamento diplomático do passado recente, posições mais claras e bem delineadas, como a do presidente colombiano Gustavo Petro no encontro em Belém, deveriam ser o padrão a adotar. E isto somente poderá ocorrer sob os signos da integração regional e da identificação de desafios comuns. A Declaração de Belém é genérica e parcialmente alinhada com o Acordo de Paris. Quem sabe até a COP-30 os líderes dos países amazônicos amadureçam o diálogo e criem condições para propostas mais fortes.
Da mesma forma como um belenense espera a chegada de agosto, a sociedade civil amazônica engajada na luta climática aguardava com altas expectativas a realização da Cúpula da Amazônia, encontro da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para que chefes de Estado dos oito países da região discutissem questões centrais ao desenvolvimento panamazônico. A Cúpula contou com um primeiro momento dedicado à participação social, chamado de Diálogos Amazônicos – que seguiu extraoficialmente durante a Cúpula. Diferentemente do que costuma ocorrer na mesa dos belenenses, ao final do encontro, os oito chefes de Estado e seus times de negociadores deixaram a cuia de açaí do compromisso climático apenas “meio cheia” na capital paraense. Ou seria “meio vazia”?
O Instituto Talanoa participou do encontro e compartilha um olhar crítico dedicado a assuntos que se destacaram durante a semana na capital paraense, e que inspiram alertas para uma agenda climática efetiva na região pelos próximos anos:
Desmatamento
Como esperado, o desmatamento encontrou lugar central nos debates sobre desenvolvimento. Mas não apareceu na Declaração de Belém em condições de expressar, com a mesma intensidade e senso de urgência, a preocupação coletiva com o futuro da floresta. São 13 as menções ao termo “desmatamento” ao longo do documento, sem em nenhuma delas, contudo, estabelecer o combate na intensidade (“zero”) e no prazo (“até 2030, ou antes”) ansiados pela sociedade civil. Sem uma estipulação de tempo, desejos não se tornam metas. Nem mesmo os alertas de cientistas sobre a urgência de ações efetivas para evitar o chamado ponto de não-retorno da floresta amazônica foi suficiente para persuadir chefes de Estado e negociadores dos oito países.Na esteira da baixa ambição do texto final da Declaração de Belém, o Comunicado Conjunto de Países Florestais em Desenvolvimento, outro documento oficial também lançado na capital paraense, foi tímido em relação ao desmatamento: se resumiu a reiterar o “compromisso com a redução das causas do desmatamento” e a alertar as maiores potências econômicas globais de que o tema desmatamento não seja utilizado “de maneira arbitrária ou injustificável para restrições comerciais”, em um claro recado à União Europeia. Este conjunto de países signatários é formado por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Indonésia, Peru, República Democrática do Congo, República do Congo, São Vicente e Granadinas, Suriname e Venezuela.
Combustíveis Fósseis
A ausência de citação a combustíveis fósseis era esperada. Houve recentemente declarações por parte do Presidente Lula de que a Petrobras poderia continuar sonhando com a pesquisa para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, pois a posição do IBAMA, que negou a licença à estatal, “não é definitiva”. Essa afirmação foi o spoiler que deu o tom sobre o “bode na sala” da Cúpula Amazônica. A posição também já nos antecipa que o governo brasileiro não deverá pressionar sobre o mesmo tema na COP-28. O tom do posicionamento do Brasil na Declaração de Belém nos leva a compreender que o Itamaraty acredita que o Brasil, infelizmente, deverá centrar abordagem apenas no setor de florestas e uso da terra, e não em energia. A evasão do Brasil no tema energia, fortemente contrastada com a posição colombiana, por exemplo (vide tópico a seguir) é postura que não apenas tem inviabilizado que o Brasil imprima uma sólida trajetória de descarbonização interna, como também é incompatível com a retomada do papel de liderança do país na geopolítica climática, almejada pelo governo.Em Dubai, assim como em Belém, a conversa difícil sobre o desinvestimento em combustíveis fósseis dá sinais de que não avançará por parte do Brasil. Segue posto o desafio à sociedade, de continuar exercendo pressão no governo para que, até a COP-30, sejam redirecionados os subsídios a combustíveis fósseis no Brasil como medida imprescindível à redução das emissões nacionais. De quebra, o Brasil daria o exemplo à verdadeira transição energética de que o planeta necessita.
Comunicação e Interação
Pareceu clara a necessidade de aprimoramento da comunicação em diferentes níveis no processo de reconstrução de políticas públicas e institucionalidade na Panamazônia, em especial no Brasil. Canais permanentes e de escuta qualificada entre Estado e sociedade são condições essenciais para alertar governos sobre falsas soluções. No caso brasileiro, há sólidos sinais de disposição do atual governo em criá-los ou restabelecê-los. No entanto, tempos de ebulição global em que vivemos, somados ao cansaço e à angústia de povos e comunidades amazônicas na busca pela existência digna e por direitos fundamentais, suscitam outro ponto de atenção, poucas vezes dito: parece esgotado o modelo de interação “tradicional”, em que alguns poucos sobem ao palco, falam, e a plateia ouve e reage com aplausos ao final.Se o tempo para implementação de políticas transformativas é escasso, governos e sociedade civil organizada não deveriam insistir num formato de interação cuja efetividade em relação à influência nas decisões governamentais não é sentida por seu público. Durante o Diálogos, participantes de diferentes segmentos foram enfáticos ao manifestar que não serão sujeitos passivos na sala: querem não só compreender a realidade e os debates internacionais em curso, mas moldá-los. A frase “nada sobre nós sem nós” ecoou em todos os dias do evento e foi uma espécie de lema entoado pelos participantes.
Em que pese o evento de abertura oficial da Cúpula ter contado com seis porta-vozes da sociedade civil – que levaram mensagens de seus pares diretamente a chefes de Estado – o texto da Declaração de Belém já estava praticamente fechado pelos negociadores dos 8 países antes mesmo de a Cúpula ter início. Além disso, a distância entre os eventos foi tecnicamente de um único dia. Como esperar que toda a riqueza da participação social em 405 eventos oficiais (e tantos outros extraoficiais, espalhados pela cidade) pudesse ser absorvida em tempo e em condições de ser trabalhada pelos negociadores dos países?
Mais do que desejosa de uma ampla e qualificada interação com governos, a sociedade civil está atenta ao método empreendido em processos participativos, que precisam melhorar. O Brasil é conhecido na diplomacia climática por franquear amplo espaço à sociedade e as massivas participações de brasileiros e brasileiras em Conferências do Clima ano a ano são uma evidência disto. No entanto, não se poderá dizer que o governo tem empreendido um amplo e acolhedor processo de escuta à sociedade brasileira se, nas decisões finais, os reclames e anseios da coletividade não são (ou são pouco) incorporados às posições oficiais.
Para além disso, uma outra dimensão dessa comunicação foi suscitada: da mesma forma que governos, as organizações do terceiro setor precisam também adequar sua linguagem e aprimorar sua comunicação na ponta, com povos e comunidades. Foram recorrentes os posicionamentos sobre a necessidade de que coletivos amazônidas participem mais e melhor dos espaços de comunicação e incidência, e que essa entrada pode ser auxiliada por organizações não-governamentais já consolidadas, em especial as que incidem nos grandes meios de comunicação e ambientes de debate público. Num momento em que todos querem falar, a escuta ativa e a promoção de novas lideranças enquanto premissas de relacionamento são duas das chaves para o Brasil “acertar o alvo” em políticas públicas para a Amazônia.
Nesse aspecto, os eventos foram importantes para reoxigenar a esperança. A semana em Belém foi um trecho percorrido no caminho de reconstrução. Conversas difíceis são cada vez mais necessárias e urgentes, e elas só podem ser exitosas se estivermos dispostos a repensar o modo como nos relacionamos e, antes dos consensos, construirmos convergências.
Governança e Participação Social
Por esse mesmo motivo, governança é a palavra-chave. Entre muitos méritos, o Diálogos resgatou uma condição básica ao processo de reconstrução do país: o modo como os governos estruturam e oferecem políticas públicas à sociedade demanda participação social efetiva na concepção, no desenvolvimento, na avaliação e em todas as eventuais “correções de rota”, tão características das intervenções em realidades complexas1.Com razão, as comunidades reivindicam entender os conteúdos técnicos e influir diretamente no processo decisório. É mais do que apenas conhecer. É conhecer a tempo de intervir, de decidir. Isto somente virá a partir da inserção de representações sociais no desenho de governança de políticas “na” e “para” a Amazônia, o que pressupõe um contínuo e qualitativo processo de comunicação, transparência, treinamento, capacidade de participação efetiva e, finalmente, o exercício constante de busca por justiça social e ambiental. O destaque aqui fica para eventos relacionados a mercados de carbono, em que o protagonismo de comunidades foi a tônica dos debates.
Democracia como sustentáculo da luta climática
O tema Democracia foi bastante frequente nos diálogos. Como elemento principal ou de modo transversal, mensagens de apoio à democracia como forma de governo a ser protegida emanaram dos discursos de autoridades e de manifestações de participantes, e constituíram um sinal de esperança na correlação entre democracia, justiça social, sustentabilidade e combate à crise climática.Apesar da “boa participação” da democracia nos debates em Belém, em conversas entre brasileiros ainda se percebeu pairar uma espécie de tabu sobre como colaborar com a democracia no contexto de reconstrução do país: um sentimento de que, agora que o país retoma o caminho democrático e o fortalecimento das instituições, prejudicadas pelo processo de desmonte conduzido pelo governo anterior, a sociedade civil organizada não possa (ou não deva) tecer críticas públicas ao atual governo, apenas pelo fato de que isso pudesse configurar, em tese, “munição” para a oposição, recém-derrotada no Executivo, de maioria no Congresso e que encontra vários governadores a ela ideologicamente alinhados.
Entendemos que há críticas e críticas. À parte o mérito sobre as mais diferentes intenções e propósitos que possam motivá-las, acreditamos que a sociedade panamazônica não pode incorrer no paradoxo de que, para salvar a Democracia, não se possa ou deva exercer a crítica – enquanto ferramenta democrática – para direcioná-la a caminhos e decisões de governos… democráticos. Esta é uma armadilha para a qual devemos estar atentos. Hoje, no time governamental de reconstrução do Brasil, há visões de mundo e de desenvolvimento nacional convergentes com o que a sociedade civil organizada espera: um projeto nacional de desenvolvimento que inclua de maneira inteligente o potencial da biodiversidade do país, o respeito às salvaguardas socioambientais estabelecidas e a ambição climática como diretrizes para a redução das desigualdades sociais e para o desenvolvimento sustentável do Brasil.
Em um regime verdadeiramente democrático, não será deixando de lado a função analítica e crítica da sociedade que um governo calibrará melhor suas metas, elaborará melhores políticas e obterá melhor desempenho.
Participação parlamentar
Em meio a uma profusão de atores, praticamente não se viram parlamentares circulando e/ou participando das discussões. O desconhecimento do Congresso sobre as questões que permeiam a agenda climática é um dos entraves para seu avanço2. É fundamental que eles acompanhem de perto esses processos e aprofundem um debate qualificado nas casas legislativas, fundamental à tomada de decisão baseada em evidências.Governos subnacionais
À exceção do Pará, cujo governo correalizou o encontro, a participação de líderes subnacionais brasileiros nas mesas de debate se mostrou baixa. Soa o alerta, dado que o êxito de uma ambição climática dos países da panamazônia passa pelo engajamento de lideranças na busca por soluções locais, que podem inclusive auxiliar o estabelecimento e o cumprimento de metas dos oito países. Destaque para o Fórum de Cidades Amazônicas, que atraiu atenção logo no início do Diálogos. Mecanismos de aproximação federal-estaduais e um plano de financiamento claro do poder central a estados e municípios são propostas que devem sair do papel na forma de ações concretas. No caso brasileiro, merece destaque o que está sendo chamado de Pacto Federativo pelo Desmatamento Zero, anunciado recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em parceria com o BNDES e o Congresso Nacional.Mobilização e Engajamento locais
Como evento preparatório para a 30ª Conferência das Partes da ONU para o Clima, o Diálogos/Cúpula demonstrou ter sido um valioso exercício local, em diferentes aspectos. A imprensa paraense fez ostensiva cobertura, o que atraiu a curiosidade e a atenção do público local. Apesar de boa parte da população da cidade ainda não parecer exatamente engajada em temas relacionados às Mudanças Climáticas, vimos a energia de muitos coletivos da juventude, da negritude, de mulheres, indígenas, quilombolas, extrativistas, entre outros, com boas perspectivas de participação local na COP-30.Colômbia
Assim como a Seleção Feminina de Futebol, sensação da Copa do Mundo em andamento na Oceania, a participação da Colômbia na Cúpula da Amazônia merece destaque. Ao iniciar seu discurso dizendo que gostaria de “falar dos dissensos, porque os consensos já estão escritos nos documentos”, o presidente Gustavo Petro fez questão de superar lugares-comuns e demonstrou a leitura de contexto e a sintonia necessárias diante da urgência que a realidade climática impõe ao planeta. Petro sabe que conversas difíceis são necessárias em momentos decisivos e não fugiu de sua obrigação. Fosse a Cúpula uma partida de futebol, Petro teria sido eleito o “craque do jogo”. Seu discurso oficial foi um chamado à não-procrastinação, cujo símbolo vem sendo o termo “Transição”, comumente utilizado nos ambientes políticos quando da pauta climática. Aliás, na gramática climática, podemos entender “transição” como um gerúndio longo e, portanto, incompatível com o tempo apertado de virarmos o jogo do clima. Afinal, o relógio do clima aponta que faltam menos de 6 anos para que se esgote o orçamento global de carbono. Petro merece reconhecimento porque fez o que se espera de um chefe de Estado: com senso de coletividade apurado e em linha com a Ciência, politicamente elevou a régua da ambição regional, acima das pressões e do lobby praticados pelas corporações de petróleo.Perspectivas daqui a 2025
Heráclito de Éfeso dizia que ninguém entra duas vezes no mesmo rio – porque pessoa e rio não são mais os mesmos após o primeiro encontro. Da mesma forma, o Brasil não é mais o mesmo ao final da Cúpula de Belém, porque adentra um novo estágio: a sociedade civil sai do encontro revigorada e com recados dados ao governo. O Diálogos deu sua contribuição para aprimorar a relação entre Estado e Sociedade e, embora a efetividade só ocorra se esta troca for contínua, indica que o governo brasileiro, entre erros e acertos, sabe o caminho que deve seguir.Os governos precisam estar melhor preparados para coletar, analisar e incorporar as colaborações da sociedade. As reuniões de Belém se encerram com a certeza de que o tecido cooperativo da sociedade civil melhorou; laços foram feitos, outros fortalecidos.
Se “o processo às vezes vale tanto quanto o resultado”, é inegável que a Cúpula da Amazônia foi um momento importante, na medida em que aproxima a diplomacia regional e traz novo vigor ao tecido cooperativo das organizações e dos mais diferentes movimentos sociais, incrementando relações entre si e junto a governos. No entanto, a efetividade do processo dialógico – que pressupõe informação de qualidade, escuta atenta, variados espaços de fala e tempo suficiente para análise e assimilação de contribuições – só será alcançada com a recorrência deste tipo de evento no calendário panamazônico. Neste sentido, é importante verdadeiramente amazonizar organismos como a própria OTCA e o Fundo Amazônia, incluindo-os física e funcionalmente no território amazônico, bem como estabelecer canais ativos de participação entre governos e sociedade mediados pelas instituições. A sociedade segue alerta para monitorar se essas e outras ações serão empreendidas pelos países-membros da organização já nos próximos meses.
É especialmente necessário estabelecer uma cultura de conversas difíceis entre os países panamazônicos. Dado o distanciamento diplomático do passado recente, posições mais claras e bem delineadas, como a do presidente colombiano Gustavo Petro no encontro em Belém, deveriam ser o padrão a adotar. E isto somente poderá ocorrer sob os signos da integração regional e da identificação de desafios comuns. A Declaração de Belém é genérica e parcialmente alinhada com o Acordo de Paris. Quem sabe até a COP-30 os líderes dos países amazônicos amadureçam o diálogo e criem condições para propostas mais fortes.
1 O governo brasileiro tem parte de sua estrutura central voltada para pensar e executar ações de participação social, como a Secretaria Nacional de Participação Social, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência da República, além de ter retomado já em 2023 o funcionamento de conselhos, comitês e câmaras outrora descontinuados ou com funcionamento aquém do esperado nos anos anteriores.
2 A Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) destaca esse ponto em uma reportagem de (o)ECO: https://oeco.org.br/reportagens/despreparo-do-congresso-sobre-clima-prejudica-investimentos-internacionais-no-pais-diz-especialista/
2 A Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) destaca esse ponto em uma reportagem de (o)ECO: https://oeco.org.br/reportagens/despreparo-do-congresso-sobre-clima-prejudica-investimentos-internacionais-no-pais-diz-especialista/
Falando em Amazônia, lançamos nesta semana a publicação “Entre Paris e Belém: Políticas Amazônicas de Desenvolvimento na Rota das Boas Práticas da OCDE”. Um policy brief que mostra como a incorporação dos padrões OCDE pode ser benéfica para o aperfeiçoamento das políticas ambientais e climáticas da Amazônia Legal.
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