Quando o Ministério do Meio Ambiente foi transformado, pela Medida Provisória 1154 (art. 52), em “Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima” (MMA), a expectativa era de que a pasta pudesse liderar a articulação e a implementação das agendas climáticas e socioambientais por todo o governo. As competências e atribuições a ele delegadas atendiam a formação da ampla frente que se mobilizou para derrotar nas urnas as ameaças antidemocráticas. Agora, na tramitação no Congresso para que a MP 1154 se converta em lei, há um risco de que se perca a oportunidade de o almejado novo MMA avançar além da reconstrução das políticas desmontadas no governo anterior e colocar o Brasil na vanguarda global da economia verde que emerge.
Câmara e Senado têm até o dia 1º de junho para aprovar o texto da MP. Caso contrário, volta-se à organização anterior, em que o MMA não gere o Cadastro Ambiental Rural (CAR) nem a agenda de águas. No processo de tramitação, foram apresentadas 154 emendas. Grande parte das alterações propostas pelos parlamentares se referem a competências relacionadas às políticas socioambientais ou de mudança do clima (gestão de recursos hídricos, territórios indígenas, Cadastro Ambiental Rural).
Um dos principais pontos é a transferência da gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da competência do MMA para o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Ruralistas propuseram levar o instrumento para o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). O relatório de Bulhões rejeita parcialmente as emendas, mas retira do MMA o CAR, criado no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA), sendo a sua construção e manutenção um “princípio básico da Política de Informação do Ministério do Meio Ambiente” (art. 1º, Portaria MMA 160/2009). De forma confusa, o texto do deputado chega a afirmar que o cadastro deve ficar no MMA, mas também diz que deve ir para a Gestão, um ministério “neutro”. Por fim, na redação substitutiva para a MP, passa o CAR à pasta da ministra Esther Dweck, retirando-o da de Marina Silva.
Outra competência retirada do MMA é a política nacional dos recursos hídricos, que voltaria ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, juntamente com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
O debate, o aprimoramento e as mudanças de propostas do Executivo pelo Legislativo fazem parte do processo democrático. Porém, o texto apresentado pelo relator deputado Isnaldo Bulhões Jr. à Comissão Mista da MP 1154 descaracteriza o MMA e, por consequência o governo, uma vez que retira dele o que tem sido o cartão de visitas do Brasil ao mundo: a relevância das pautas socioambientais e de mudança do clima. A almejada transversalidade da agenda climática corre o risco de se tornar desarticulação e déficit de implementação, com a MP que pode virar a lei da desorganização dos ministérios.
O Projeto de Lei de Conversão (PLV) foi aprovado na Comissão Mista nesta quarta-feira (24) e deverá ser apreciado nos plenários da Câmara e do Senado até o dia 1º.
MP 1154: como o governo mandou x proposta do relator
O texto proposto na Comissão Mista da MP 1154 retira das competências do MMA a política nacional dos recursos hídricos (transferida ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional) e a gestão do Cadastro Ambiental Rural (transferido ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos). E acrescenta para o MMA as políticas de proteção de espécies ameaçadas de extinção, que não eram listadas explicitamente.
MP 1154/2023 | Proposta do relator |
I – política nacional do meio ambiente; II – política nacional dos recursos hídricos; IV – política nacional sobre mudança do clima; V – política de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas; VI – gestão de florestas públicas para a produção sustentável; VII – gestão do Cadastro Ambiental Rural – CAR em âmbito federal; VIII – estratégias, mecanismos e instrumentos regulatórios e econômicos para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais; IX – políticas para a integração da proteção ambiental com a produção econômica; X – políticas para a integração entre a política ambiental e a política energética; XI – políticas de proteção e de recuperação da vegetação nativa; XII – políticas e programas ambientais para a Amazônia e para os demais biomas brasileiros; XIII – zoneamento ecológico-econômico e outros instrumentos de ordenamento territorial, incluído o planejamento espacial marinho, em articulação com outros Ministérios competentes; XIV – qualidade ambiental dos assentamentos humanos, em articulação com o Ministério das Cidades; XV – política nacional de educação ambiental, em articulação com o Ministério da Educação; e XVI – gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, em articulação com o Ministério da Pesca e Aquicultura. | I – política nacional do meio ambiente; II – política nacional sobre mudança do clima; III – política de preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas; IV – gestão de florestas públicas para a produção sustentável; V – estratégias, mecanismos e instrumentos regulatórios e econômicos para a melhoria da qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais; VI – políticas para a integração da proteção ambiental com a produção econômica; VII – políticas para a integração entre a política ambiental e a política energética; VIII – políticas de proteção e de recuperação da vegetação nativa; IX – políticas e programas ambientais para a Amazônia e para os demais biomas brasileiros; X – zoneamento ecológico-econômico e outros instrumentos de ordenamento territorial, incluído o planejamento espacial marinho, em articulação com outros Ministérios competentes; XI – qualidade ambiental dos assentamentos humanos, em articulação com o Ministério das Cidades; XII – política nacional de educação ambiental, em articulação com o Ministério da Educação; XIIII – gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, em articulação com o Ministério da Pesca e Aquicultura; e XIV – políticas de proteção de espécies ameaçadas de extinção. |
A proposta de texto apresentada pelo relator da Comissão Mista da MP 1154 transfere a competência para reconhecimento e demarcação dos territórios indígenas para o Ministério da Justiça.
MP 1154/2023 | Proposta do relator |
I – política indigenista; II – reconhecimento, garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas; III – reconhecimento, demarcação, defesa, usufruto exclusivo e gestão das terras e dos territórios indígenas; IV – bem viver dos povos indígenas; V – proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato; e VI – acordos e tratados internacionais, em especial a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, quando relacionados aos povos indígenas. | I – política indigenista; II – reconhecimento, garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas; III – defesa, usufruto exclusivo e gestão das terras e dos territórios indígenas; IV – bem viver dos povos indígenas; V – proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato; e VI – acordos e tratados internacionais, em especial a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, quando relacionados aos povos indígenas. |