Na primeira semana de funcionamento do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) após a posse da ministra Sonia Guajajara, ficou evidente que entramos numa nova fase na história das políticas indigenistas no Brasil. A edição da INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 2, DE 16 DE JANEIRO DE 2023, revogando dispositivos para que não indígenas pudessem explorar madeira em terras indígenas, trouxe um simbolismo para além das consequências práticas da norma, como apontamos nesta análise. Outro sinal indicando que o Estado brasileiro não mais assistirá passivamente ao extermínio dos povos indígenas foi a instalação imediata de um gabinete de crise, determinada pela ministra Sonia Guajajara, após o assassinato de dois jovens da etnia pataxó no Sul da Bahia, em área de conflito por terra. Sob o comando da ministra, o grupo terá representantes de diversos órgãos e pastas e esferas, além do MPI: Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Ministério da Justiça e Segurança Pública, Governo da Bahia, Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). O chefe da ONU Direitos Humanos na América do Sul, Jan Jarab, emitiu nota, na qual afirma: “Nosso Escritório vem acompanhando a situação dos povos indígenas no Brasil, e em particular recebendo denúncias de lideranças do povo Pataxó, sobre ameaças e ataques recorrentes relacionados à disputa de seus territórios, incluindo a morte de outro menor de idade pataxó em setembro de 2022. (…) Como ONU Direitos Humanos oferecemos nossa experiência internacional e apoio técnico às novas autoridades em seu trabalho em prol dos direitos dos povos indígenas”. Nas redes sociais, Sonia Guajajara e o secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, sinalizaram que deve ser publicada norma anulando a Instrução Normativa 09/2020 da Funai. O ato regulamenta a emissão de documento (Declaração de Reconhecimento de Limites), por parte da Funai, para que proprietários de terras certifiquem que os limites do seu imóvel respeitam os limites de áreas indígenas (terras indígenas homologadas, reservas indígenas e terras dominiais indígenas plenamente regularizadas). Por ora, nada publicado no Diário Oficial da União (DOU). O governo iniciou também nesta semana uma missão para diagnosticar o tamanho da crise sanitária dos yanomami. Reportagem publicada pelo Sumaúma revela que 570 crianças com menos de 5 anos morreram no território Yanomami nos 4 anos do governo anterior, sendo essas mortes tidas como “evitáveis” (como, por exemplo, ter acesso a serviços de saúde ou medicamentos). Apontam ainda que o Governo Lula “herdou os anos de descaso deliberado do governo de Jair Bolsonaro, montou às pressas uma força-tarefa, com especialistas de Brasília e Boa Vista, para avaliar a tragédia na Terra Indígena Yanomami”. MARINA SILVA EM DAVOS Em Davos, no Fórum Econômico Mundial, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, falou sobre as ameaças aos povos indígenas, citando a situação dos yanomami, ao dizer que “de cada 10 crianças yanomami 4 estarem contaminadas por mercúrio” e que “não é só a questão de mudar a imagem, mas de mudar a prática”. Ela esteve no fórum com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Sinais importantes foram dados sobre os novos rumos da política externa brasileira e das prioridades nacionais no primeiro evento internacional do governo Lula. Confira nossa análise. Em Davos, Marina encontrou a ativista sueca Greta Thunberg, que havia sido detida na Alemanha no dia anterior em protesto contra a expansão de uma mina de carvão. “É muito bom verificar que temos uma terceira geração de ativistas”, disse a ministra à imprensa após o encontro. OCDE Haddad se encontrou rapidamente com o diretor-geral da OCDE, Mathias Cormann, em Davos. O ministro afirmou que a acessão do Brasil à OCDE deve ser renegociada em relação a algumas condições para que ela se concretize. MONITOR DA RECONSTRUÇÃO Houve poucas publicações de atos nessa semana, destacando-se somente a INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA Nº 2, DE 16 DE JANEIRO DE 2023 acima citada. A revogação da IN 12/2022, conjunta de Ibama e Funai, foi indicada pela POLÍTICA POR INTEIRO como de “revogação imediata” no âmbito do “Reconstrução”.Seguimos no monitoramento diário com o Monitor da Reconstrução. A ferramenta mostra se as medidas tomadas estão de acordo com o que foi proposto no documento Reconstrução, trazendo um balanço dos atos já revogados, acompanhando a retomada dos colegiados, além do monitoramento dos ministérios que têm relação com a pauta socioambiental e análises da equipe do Instituto Talanoa. LULA E GLOEm entrevista à GloboNews, o presidente Lula falou por que optou pela Intervenção Federal e não pelo emprego da GLO (Operação militar de Garantia da Lei e da Ordem) nos atos golpistas de 8 de janeiro. De acordo com ele, empregar a GLO seria abrir mão de suas funções e deixar de exercer o poder de presidente eleito em sua plenitude. Lula fez referência à GLO no Rio de Janeiro, em 2017, no governo de Luiz Fernando Pezão. Segundo ele, a medida colocou o governador como “Rainha da Inglaterra”. Nos últimos quatro anos, sucessivas GLOs foram utilizadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em tentativas de conter o desmatamento na Amazônia Legal. A militarização foi a principal política pública para combater os crimes ambientais no bioma. Na primeira semana do novo governo, foi publicado o decreto que reativou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e também revogou o decreto que autorizava o emprego das Forças Armadas na GLO e em ações subsidiárias na faixa de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos Estados da Amazônia Legal. Como a última operação fora finalizada em 30 de abril de 2021, o decreto já estava inválido. Mas sua revogação é um ato político, que sinaliza para um caminho contrário à militarização como solução para zerar o desmatamento. DESASTRE DE BRUMADINHO A ministra Rosa Weber determinou o andamento da ação penal que tramita na Justiça Estadual de Minas Gerais sobre a análise de responsabilidade penal pelo desastre de Brumadinho/MG, ocorrido em 25/01
Brasil em Davos: Os sinais da primeira agenda internacional do novo governo
A opção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por não ir a Davos (Suíça) e enviar a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para representar o Brasil no Fórum Econômico Mundial, nesta semana, dá sinais importantes sobre as prioridades do governo brasileiro. Os discursos e movimentações de Marina e Haddad também trouxeram relevantes indicações de como o Brasil volta a se inserir na arena global. Abaixo, a leitura desses sinais: A relevância das relações com a América Latina: sem a ida a Davos, a primeira viagem internacional de Lula após a posse será à Argentina, na semana que vem, onde ocorrerá a cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Em Buenos Aires, além de se reunir com o presidente argentino, Alberto Fernández (que veio ao encontro de Lula no dia seguinte ao segundo turno das eleições, em outubro), estão previstas bilaterais com os presidentes cubano, Miguel Díaz-Canel, e venezuelano, Nicolás Maduro. Agenda climática transversal: ao escalar não apenas seu ministro da Fazenda, mas também Marina Silva para Davos, o governo brasileiro eleva o status do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do tema em si, que deve não se ater somente à pasta. O acordo com a União Europeia: O papel de Marina Silva como fiadora dos compromissos ambientais do governo Lula é evidenciado na agenda com a União Europeia. A desconfiança sobre a firmeza das políticas ambientais no Brasil, sobretudo o combate ao desmatamento nos últimos anos, foi um dos principais empecilhos para avançar o acordo entre o bloco e o Mercosul. “O parlamento europeu está considerando que agora temos um governo que está comprometido com a proteção da Amazônia, dos demais biomas brasileiros, defesa dos direitos humanos, fortalecimento da democracia e estabilidade política para que se possa finalizar o acordo”, disse a ministra. O país tem feito encontros bilaterais com representantes do parlamento europeu e da UE para destravar o acordo. Avançar na rastreabilidade: Entre os pontos que precisam avançar para o acordo com os europeus e evitar barreiras não alfandegárias para os produtos brasileiros é a rastreabilidade das cadeias produtivas. Esse foi um dos assuntos de Marina e Haddad em reunião com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ilan Goldfajn (presidente do Banco Central do Brasil de maio de 2016 a fevereiro de 2019). “Discutimos já algumas linhas de aporte de recursos, seja para o fortalecimento institucional, seja para ampliar a governança climática, mas principalmente para trabalhar a certificação de cadeias produtivas, como é o caso da agricultura brasileira, que vai precisar passar por um processo de certificação com vistas à rastreabilidade para dar segurança de que de fato estamos caminhando para uma agricultura de baixo carbono e fazer com que o Brasil continue sendo uma potência agrícola e ambiental”, disse. Segundo Marina, já está sendo preparado um acordo de cooperação com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. “Estamos desdobrando uma agenda robusta de como trabalhar conjuntamente para criar mais sinergia entre produção agrícola, segurança alimentar e sustentabilidade.” Dever de casa: Estruturar a rastreabilidade das cadeias produtivas fortalecerá o combate ao desmatamento e aos crimes socioambientais, incluindo as ameaças aos direitos dos povos indígenas. “Temos que separar o que são impedimentos de interesses comerciais e aquilo que são de fato exigências justas. No caso o que tem sido colocado muito fortemente é que as pessoas não querem produtos que sejam oriundos de desmatamento, de violência contra as populações indígenas”, disse Marina. “Fica difícil quando se tem 11 mil km² de áreas sendo destruídas de floresta amazônica, aumento de desmatamento no Cerrado, de cada 10 crianças yanomami 4 estarem contaminadas por mercúrio. Aí realmente você tem que fazer o dever de casa. Não é só a questão de mudar a imagem, mas de mudar a prática. Não é mágica, é muito trabalho.” Reportagem da Sumaúma nesta semana mostrou imagens chocantes que ilustram dado estarrecedor: “570 crianças com menos de 5 anos morreram no território Yanomami pelo que as estatísticas chamam de ‘mortes evitáveis’”, nos últimos quatro anos. Fome e doenças decorrentes da falta de atendimento básico de saúde estão matando na floresta apontada como fonte riqueza e grande valor para levar o Brasil a potência verde. Reindustrialização e economia verde: O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço (MDIC), Geraldo Alckmin, que estava confirmado para ir a Davos até a semana anterior ao início do Fórum Econômico Mundial, acabou cancelando sua participação para focar na formação da equipe da pasta. Haddad abordou o tema da reindustrialização e realizou reuniões em busca de recursos. O ministro da Fazenda falou bastante em crescimento com “sustentabilidade fiscal e ambiental”. Após o encontro com Ilan Goldfajn, afirmou: “O Brasil está atrás de financiamento para produzir energia limpa e renovável e o BID se colocou à disposição para isso”. Financiamento climático: Além dos organismos multilaterais e a reativação de mecanismos como o Fundo Amazônia, a volta do Brasil à cena abre oportunidades para grandes aportes filantrópicos. “Tive uma reunião já muito interessante com uma instituição filantrópica que está comprometida em fazer uma visita ao Brasil e quer ampliar o aporte de recursos. Ainda quando estava no Brasil, tive uma reunião muito promissora com os operadores da fundação do Leonardo DiCaprio que está fazendo ações para captar 100 milhões de dólares para o Fundo Amazônia e estamos em contato também com a Fundação Bezos que quer fazer aporte de recursos”, disse Marina Silva. “É claro que a filantropia tem maior agilidade. Quando se trata de cooperação com os governos, aí se faz um acordo quadro geralmente, depois você desdobra esse acordo. Mas o que todos querem é agilizar os processos para ajudar o Brasil a dar respostas, que terão que ser respostas econômicas e sociais.” Virando a página: Lula já havia decidido não ir a Davos antes dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Se tivesse se planejado para ir, talvez os acontecimentos daquele domingo afetassem essa agenda. Ao mesmo tempo,