A segunda semana da 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 27), em Sharm El-Sheik, no Egito, está sendo uma longa semana. O evento, previsto para terminar nesta sexta-feira (18), será prolongado pelo menos até sábado, para que prossigam as negociações, já que não se chegou a um acordo principalmente sobre financiamento para perdas e danos para os países mais afetados pelas mudanças climáticas.
O destaque desta segunda semana foi a agenda de três dias do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, incluindo seu primeiro discurso internacional desde a vitória nas eleições.
Confira abaixo os principais pontos de cada dia desta semana na COP 27 (leia aqui os destaques da primeira semana):
Dia 07- 14/11
Começou o evento de alto nível “High Level Segment” com a chegada de ministros. A presidência egípcia iniciou a preparação da “Decisão de Capa” incluindo elementos que os países gostariam de ver refletidos no texto final da COP27.
️ A Indonésia anunciou um pacote de transição energética justa de US$ 20 bilhões, para uma transição justa do carvão. Metade dos recursos a serem mobilizados deve ser privado e a outra metade, pública.
China e EUA anunciaram disposição em colaborar na agenda climática, a despeito de tensões em outras áreas
Evento no Brazil Climate Hub reuniu sociedade civil e nomes do governo de transição para discutir e apresentar propostas de política climática ao novo governo. Entre as estratégias, foi entregue nosso documento Reconstrução.
Turquia apresentou nova NDC questionável, segundo ativistas.
O Fóssil do dia (#FossilOfTheDay) foi para a Nova Zelândia por fazer uma intervenção regressiva no item perdas e danos, considerada uma grande decepção.
Dia 08 – 15/11
Chegada de Lula à COP27 – Reuniões bilaterais com políticos brasileiros e com EUA e China. Houve também diversas reuniões com governadores de estado e uma marcha das mulheres indígenas, após encontro com a futura primeira-dama, Janja.
Presidência da COP definiu as duplas de países que vão ajudar a negociar os temas mais críticos:
- Perdas & Danos: Chile e Alemanha;
- Mitigação (MWP): África do Sul e Dinamarca;
- Adaptação (GGA): Maldivas e Espanha;
- Financiamento: Índia e Austrália;
- Mercados/Art. 6: Cingapura e Noruega
Enquanto isso, o Brasil foi representado pelo MMA atual no segmento de alto nível, sem maiores destaques, mas apresentando críticas ao presidente eleito.
O Fóssil do dia (#FossilOfTheDay) foi a Turquia pela apresentação de uma nova NDC na verdade jogando com a linha de base e apresentando um aumento de 30% até 2030 em comparação com as emissões reais de 2020. Pedalada climática já conhecida por nós.
Dia 09 – 16/11
Em espaço dedicado aos governadores da Amazônia (Hub da Amazônia Legal), Lula recebeu a Carta da Amazônia, com agenda comum para a transição climática, visando a reforçar o pacto federativo entre os estados e governo federal e apresentando propostas para sistema produtivo mais limpo na região. Veja a carta na íntegra
Momento mais do que esperado, Lula falou para um plenário lotado, como presidente eleito, e apontou compromissos sérios do país quanto à emergência climática: “Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030…. Por esse motivo, quero aproveitar esta Conferência para anunciar que o combate à mudança climática terá o mais alto perfil na estrutura do meu governo“. Além disso, Lula propôs uma “Aliança Aliança Mundial pela Segurança Alimentar, pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, com total responsabilidade climática“. Ele também confirmou a criação do Ministério dos Povos Originários. Além disso, anunciou que articulará a realização da Cúpula dos Países Membros do Tratado de Cooperação Amazônica e também oferecerá o Brasil para sediar a COP 30, em 2025. “O Brasil voltou.” O discurso de Lula repercutiu na imprensa internacional, em veículos como NYT e The Guardian. Avaliamos o discurso sob o ponto de vista das questões climáticas. Confira aqui.
Enquanto isso, no Brasil, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin anunciou os últimos nomes que que farão parte dos grupos de transição. Dentre eles, os nome de Meio Ambiente: Carlos Minc, Izabella Teixeira, Jorge Viana, José Carlos Lima da Costa, Marilene Corrêa da Silva Freitas, Marina Silva, Pedro Ivo e Silvana Vitorassi. Ausências sentidas como representantes da sociedade civil, academia e servidores ambientais.
Ocean Action Day: resumindo os resultados de eventos espalhados pelos pavilhões que tiveram o objetivo de avaliar as ações existentes sobre oceano e clima e identificar as lacunas que precisam ser abordadas, o Ocean Action Day pede integração, ambição elevada, aumento das finanças e ação climática baseada no oceano para acelerar os caminhos de mitigação e apoiar as necessidades contínuas de resiliência e adaptação.
A Rede de Santiago para perdas e danos finalmente começa a ser operacional. Houve acordo sobre os arranjos institucionais para operacionalizar a Santiago Network para fornecer assistência técnica a países e comunidades impactados por perdas e danos. Uma boa notícia já que a Rede de Santiago foi rascunhada na COP 25, em 2019 em Madri, para prover assistência técnica para os países em desenvolvimento.
Mudando os caminhos do desenvolvimento: Evento no Brazil Climate Hub abordou Clima e Desenvolvimento com atores do sul global, lançando novas iniciativas sobre justiça climática e desenvolvimento econômico.
O Fóssil do dia (#FossilOfTheDay) foi a Rússia pelo lobby em favor da energia nuclear e alegando que produz as usinas nucleares mais seguras e limpas, com emissões zero na produção de energia e pela Guerra com a Ucrânia.
Dia 10 – 17/11
Lula se encontrou com ambientalistas no Brazil Climate Hub e garantiu que o país não será mais dividido entre governo e sociedade civil nas próximas COPs. “Quero agradecer a resiliência, a resistência e a competência que vocês tiveram, resistindo a esse mundo nefasto que nos impuseram. Sinceramente, tenho orgulho de vocês.”
Em evento com povos indígenas de vários países, o presidente eleito Lula, cobrou apoio financeiro dos países desenvolvidos para a conservação de florestas e reforçou que realizará a cúpula da Amazônia já em 2023: “O mundo precisa de cuidado, de água limpa, floresta preservada, a nossa fauna e ninguém melhor que os indígenas para cuidar e nós sabemos que eles são responsáveis por cuidar de quase todas as florestas existentes no mundo”.
No dia da Biodiversidade na COP27, a Presidência da COP, IUCN e governo alemão lançaram a iniciativa ENACT (Enhancing Nature-based Solutions for an Accelerated Climate Transformation), com o objetivo de garantir a proteção de 45 milhões de hectares, o manejo sustentável de dois bilhões de hectares e restauração de 350 milhões de hectares de ecossistemas ao redor do mundo. A iniciativa produzirá uma atualização do relatório anual sobre o estado das soluções baseadas na natureza para a COP28. As áreas de foco do ENACT são: Segurança Alimentar e Produtividade da Terra; Adaptação e Redução do Risco de Desastres; Oceano e Economia Azul Sustentável; Resiliência urbana; Infraestrutura Verde-Cinza, metas e estratégias de mitigação nacionais e subnacionais; mobilização do investimento privado em soluções baseadas na natureza e soluções baseadas em saúde, clima e natureza.
Os recifes de coral também tiveram destaque no Dia da Biodiversidade. Uma coalizão de grupos de conservação de corais usou a COP 27 para soar o alarme sobre “perdas catastróficas” na cobertura de corais, no mundo todo. Estima-se que metade dos recifes do mundo tenham morrido nas últimas três décadas. O grupo clamou por uma ação radical em uma década que eles chamam “a última chance para um ponto de virada em favor da sobrevivência dos recifes de coral”. Os governos devem acelerar os esforços para expandir as áreas marinhas protegidas, reduzir a poluição da água e restaurar os corais, exigiu a coalizão. Os cientistas apontam os corais de Sharm el-Sheikh como exemplo do efeito das mudanças climáticas no branqueamento e doenças que estão acontecendo em todos os recifes do planeta. Como a COP 27 está sendo realizada em um dos mais famosos balneários do Mar Vermelho, esses ecossistemas assumiram significado especial nas discussões. Os corais do Mar Vermelho estão entre os últimos sobreviventes no século 21. Na semana passada, os Estados Unidos, por meio da USAID, o PNUD e o Fundo Global para Recifes de Coral, lançaram a Iniciativa Mar Vermelho, com o objetivo de sua conservação.
O encontro bilateral entre Lula e o governo da Noruega resultou no compromisso de cooperar para a reestruturação imediata do Fundo Amazônia. O ministro norueguês convidou o Brasil para integrar o High Level Panel for a Sustainable Ocean Economy , iniciativa hoje liderada por 17 chefes de estado e de governo que estão construindo um impulso para uma economia oceânica sustentável.
Uma das propostas apresentadas pelo ministro de Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Leite, para redução das mudanças climáticas é um plano bioenergético que defende a formação de fundos para financiar a bioenergia brasileira como uma das medidas que supostamente reduziriam a crise energética global. No entanto, cientistas apontam que a expansão do setor de biocombustíveis, principalmente na Amazônia, agravam as mudanças climáticas devido à formação de novos ciclos de desmatamento que aumentam a emissão de carbono.
As negociações avançavam a passos lentos, quando faltava oficialmente apenas um dia para acabar o encontro, parece que muitos assuntos vão ficar para a próxima COP. O Carbon Brief publicou uma planilha mostrando todos os estágios da negociação por assunto.
Where do things stand at #COP27?
Keeping track is tough, so Carbon Brief has made a free-to-use text tracker, showing where negotiations are moving forward and disagreements remain.
Feel free to share widely and contact @DrSimEvans with any feedback.
? https://t.co/0L29tq2wV2 pic.twitter.com/28iCPT3811
— Carbon Brief (@CarbonBrief) November 14, 2022
O Fóssil do dia (#FossilOfTheDay) foi para dois países, Egito novamente pela apresentação de um “documento de capa” fraco e para Israel por um “greenwashing” e violação de direitos humanos.
Dia 11 – 18/11 – Teoricamente o último dia!
Com as negociações atrasadas, a presidência da COP anunciou que o término das negociações não cumpriria o prazo inicial do evento, esta sexta-feira (18), prorrogando a conferência até a noite de sábado (19/11).
As negociações estão sendo travadas em torno do tema “Perdas & Danos”, para fornecer financiamento a países em desenvolvimento que sofrem eventos climáticos catastróficos. Um texto distribuído tarde da noite de quinta feira (17/11) com duas opções de parágrafos está no centro das discussões.
Perdas & Danos: vou tentar resumir o que temos neste momento aqui na #COP27 em um fio.
? Saiu um texto de decisão tarde da noite de 5a sb. a urgência de se aumentarem os esforços p/ minimizar, evitar e tratar perdas e danos decorrentes dos impactos da mudança do clima … pic.twitter.com/RvsjDTLLbl— Natalie Unterstell (@unatalie) November 18, 2022
Nas negociação sobre o artigo 6, a Arábia Saudita está forçando um texto que enfraquece a transparência de quem produz e de quem usa offsets, que obviamente enfraquece a já enfraquecida credibilidade de offsets. Torcendo para não passar.
A União Europeia apresentou proposta para tentar resolver o impasse, propondo criar um fundo especial para cobrir perdas e danos nos países mais vulneráveis, com financiamento de uma “ampla base de doadores”. Dessa forma, países emergentes que produzem altos níveis de gases de efeito estufa, como a China, teriam que contribuir, em vez de o fundo ser financiado apenas pelos países ricos.
Destaque para a fala da jovem ativista de 10 anos de Gana, aplaudida de pé pela plenária, apelando por uma solução urgente da crise climática na COP27 “É hora de os países ricos compensarem as nações em desenvolvimento pelos impactos da mudança climática”.
Enquanto as negociações esquentam, o ministro Joaquim Leite foi mergulhar no Mar Vermelho.
O Fóssil do dia (#FossilOfTheDay) foi novamente para os EUA por não apresentarem, mais uma vez, os fundos para perdas e danos. Além disso, a Menção Honrosa (ou desonrosa) foi dada ao Brasil, pelo aumento do desmatamento nos últimos anos: “Outro país que foi estranhamente mudo nessas negociações da COP27, mas passou os últimos quatro anos tentando destruir o Acordo de Paris enquanto violava os direitos humanos e ambientais. As políticas antiambientais do governo de saída de Bolsonaro fizeram o Brasil aumentar suas emissões por quatro anos consecutivos, um crescimento sem precedentes desde o início da medição em 1990. Isso se deve principalmente ao desmatamento da Amazônia, que está fora de controle e aumentou 73% na atual administração. Embora os ventos possam estar mudando no Brasil, não podemos ignorar os danos causados. Adeus e boa viagem a Bolsonaro e seu desastre climático.”
Quase ao apagar das luzes, os EUA apresentaram uma proposta com outros países como Reino Unido e a Comunidade Europeia para tentar resolver a pendência de financiamento de “Perdas e Danos”. O G77 está considerando. A proposta estabeleceria “arranjos de financiamento novos e aprimorados para ajudar os países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança climática na resposta a perdas e danos”, de acordo com um rascunho visto pela Reuters. Também criaria “um grupo de especialistas” para abordar questões-chave sobre de onde o financiamento deveria vir e como o mecanismo deveria ser executado. A depender disso, poderemos ter um completo desastre ou um momento histórico nesta COP. Torcendo para amanhã!