Após mais de uma década de discussões, sendo quatro anos de negociações, é aguardada uma nova resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) para mais uma – talvez derradeira – rodada de conversas para um tratado acerca das Áreas além Jurisdição Nacional (ABNJ – Areas Beyond National Jurisdiction, na sigla em inglês) e sua biodiversidade (BBNJ). A última rodada, realizada entre 15 e 26 de agosto, já foi uma reunião adicional (Conferência Intergovernamental – IGC-5), além das quatro determinadas pela Resolução 72/249 da AGNU, em 2017. Terminou sem sucesso novamente, mas trouxe avanços de que uma sexta reunião, no início de 2023, poderá finalmente encaminhar um texto final para um acordo possível, necessário e urgente. O OCEANO O planeta tem apenas UM único oceano que nos conecta a todos no mundo, sendo dividido por bacias oceânicas, antes quatro e mais recentemente cinco: Atlântico, Pacífico, Índico, Ártico e Antártico; Apesar de ser um ambiente ÚNICO, o mundo divide o oceano sob as diferentes formas de soberania descritas na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar – UNCLOS  O oceano cobre 71% do planeta; O oceano é o sistema de suporte de vida planetário: produz oxigênio, regula o clima, absorve CO2, fornece fonte de proteína para mais de 3 bilhões de pessoas;  O oceano concentra 80% de toda a vida no planeta; O oceano absorve 30% das emissões de CO2; O oceano já absorveu 93% de todo o calor extra gerado pelas atividades humanas; Mais de 60% do oceano se encontra em áreas fora das jurisdições nacionais dos países costeiros (Areas Beyond National Jurisdition – ABNJ – ver figura) e cobrem cerca da metade da superfície da Terra; e O Brasil possui hoje 3,6 milhões de km² de Zona Econômica Exclusiva e está solicitando à ONU a extensão da Plataforma Continental que vai acrescentar 2,1 milhões de km2 ao território marinho brasileiro, totalizando 5,7 milhões de km² sob jurisdição brasileira (ver post que explica esse pleito). ABNJ e biodiversidade sob ameaça A pressão sobre a biodiversidade marinha nas ABNJ, bem como nas Zonas Econômicas Exclusivas, é em grande parte causada pela intensificação das atividades humanas, tais como práticas de pesca insustentáveis (sobrepesca, pesca predatória, capturas incidentais, pescas ilegais, irregulares e não reportadas – IUU), navegação, extração de petróleo e gás, implantação de infraestrutura, poluição das mais diversas fontes etc. O alto-mar também enfrenta ameaças crescentes de poluição plástica, pesca de arrasto de profundidade, extração ilegal de recursos genéticos até barulho subaquático induzido pelo homem e luz artificial. Uma série de usos novos e emergentes, incluindo a mineração em alto mar, pode comprometer seriamente a saúde do oceano, particularmente quando agravada pelos impactos crescentes das mudanças climáticas causando a desoxigenação¹ e acidificação do oceano. A atual estrutura de governança para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade é fragmentada e não é suficientemente robusta para enfrentar as várias ameaças ao meio ambiente marinho. Vários órgãos e organizações regionais e globais têm diferentes responsabilidades geográficas e temáticas nas ABNJ, mas nenhum que se preocupe com a biodiversidade marinha de uma forma geral. Além disso, é praticamente nula a existência de mecanismos de coordenação e colaboração entre esses vários órgãos globais e regionais para medidas eficazes para proteção e conservação da biodiversidade. As lacunas da UNCLOS – a Constituição do Oceano A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar – no acrônimo em inglês UNCLOS, é referida como a “Constituição do Oceano”, estabelecendo regras para o uso de recursos, por exemplo, pesca, e fundos marinhos e seus minerais. A UNCLOS (de United Nations Convention on the Law of the Sea) é um tratado multilateral celebrado sob os auspícios da ONU em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982, que define e codifica conceitos herdados do direito internacional costumeiro referentes a assuntos marítimos, como mar territorial, zona econômica exclusiva, plataforma continental e outros, e estabelece os princípios gerais da exploração dos recursos marinhos, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo marinho, entrando em vigor no Brasil em 1995 com o Decreto Nº 1.530, de 22 de junho de 1995. No entanto, para além dos limites territoriais dos países, a UNCLOS não possui requisitos específicos necessários para assegurar a implementação efetiva de suas obrigações de conservar o meio marinho e a manutenção de seus recursos. Permaneceu, assim, uma lacuna no direito internacional para a proteção e gestão sustentável da biodiversidade marinha nas áreas além das jurisdições nacionais – BBNJ (na sigla em inglês: Biodiversity Beyond National Jurisdiction). Exemplos dessas lacunas são: disposições em torno do uso e compartilhamento de benefícios dos recursos genéticos marinhos, o estabelecimento de áreas marinhas protegidas ou uma estrutura para avaliar os impactos cumulativos das atividades humanas em alto-mar. Dessa forma, a adoção de um tratado que trata da conservação e do uso sustentável da biodiversidade em alto-mar é de extrema necessidade. As discussões para um tratado para BBNJ Em 2004, a Assembleia Geral da ONU (AGNU) estabeleceu, pela resolução 59/24, um “Ad-hoc working group” para discutir essas questões. O grupo de trabalho sugeriu que um novo tratado deveria abordar um pacote com quatro elementos: Recursos genéticos marinhos, incluindo questões sobre o compartilhamento de benefícios; Ferramentas de gerenciamento baseadas em áreas, incluindo áreas marinhas protegidas; Avaliações de impacto ambiental; e, Capacitação e a transferência de tecnologia marinha. O pacote foi endossado pela AGNU. As Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) na COP7, em 2004, foram as primeiras a expressar preocupação com o risco crescente à biodiversidade em áreas marinhas além dos limites da jurisdição nacional e a necessidade de promover cooperação e ações internacionais para o aprimoramento da sua conservação e uso sustentável nessas áreas. Na ocasião, vislumbrou-se a necessidade de serem estabelecidas áreas marinhas protegidas com o propósito de conservação em longo prazo. Em 2012, durante a Rio + 20, o oceano foi um dos principais temas debatidos e foi estabelecido o prazo de 2015 para que houvesse na ONU o estabelecimento de um Acordo Internacional sobre BBNJ².