A liminar da Justiça Federal do Rio Grande do Sul para suspender os atos federais que autorizam a pesca de arrasto no mar territorial confrontante ao litoral do Estado (até as 12 milhas náuticas) coloca pressão para que o Supremo Tribunal Federal (STF) analise o tema. Tramita na Corte, desde 2019, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) acerca da Lei Estadual 15.223/2018, que proibiu a atividade e, desde 2019, Estado e União mostram entendimentos divergentes do assunto e batalham sobre as prerrogativas para legislar sobre o tema. Na segunda-feira (25), a Justiça Federal do Rio Grande do Sul (JFRS) acolheu o pedido de liminar requerido em ação ajuizada pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (PGE-RS) determinando a suspensão dos atos federais que fazem parte do Plano para a Retomada Sustentável da Atividade de Pesca de Arrasto na Costa do Rio Grande do Sul. Como já comentamos por aqui, no Blog da POLÍTICA POR INTEIRO, esse plano não é sustentável e se opõe à Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul, de 2018. A PGE, defendendo também essa visão e argumentando que a pesca de arrasto prejudica a economia e o ecossistema gaúchos, busca reverter as medidas do governo federal que contrariam o que o Estado estabeleceu após ampla discussão e envolvimento do setor. Histórico da batalha União x Rio Grande do Sul sobre a pesca de arrasto: A Lei Estadual 15.223/2018 instituiu a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no Estado do Rio Grande do Sul, determinando, entre outras medidas de ordenamento pesqueiro, a proibição de toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas, nas 12 milhas náuticas de sua zona costeira. Em 13/08/2019, o Partido Liberal (PL) entrou no STF com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.218 (ADI), com o objetivo de questionar a legitimidade jurídico-constitucional do Estado do Rio Grande em legislar na sua zona costeira; Inicialmente distribuída ao ministro Celso de Mello, a liminar foi negada em 10/12/2019; Com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, a relatoria da ADI passou para seu sucessor indicado por Jair Bolsonaro, o ministro Kassio Nunes Marques, que deferiu a liminar, em contraposição ao que havia determinado o ministro Celso de Mello, conforme explicamos em material exclusivo da POLÍTICA POR INTEIRO; Os efeitos da liminar de Kassio Nunes foram sentidos imediatamente, segundo reportagem com análise completa da revista Piauí, mostrando o quanto apenas a notícia já beneficiava uma corrida ao litoral do Estado por embarcações da frota de Santa Catarina, “a liminar beneficia grandes embarcações que fazem a pesca industrial de camarão-vermelho, camarão-ferrinho e outras espécies”, bem como que “beneficia também os interesses de Jorge Seif Jr., titular da Secretaria de Aquicultura e Pesca, vinculada ao Ministério da Agricultura. A família de Seif é dona de uma grande frota de embarcações de pesca industrial e atua há décadas no setor em Itajaí, polo pesqueiro catarinense”. Em janeiro de 2021, como resposta, a SAP/MAPA suspendeu a utilização de toda e qualquer rede de arrasto tracionada por embarcações motorizadas nas 12 milhas náuticas da faixa marítima da zona costeira do Estado do Rio Grande do Sul, dando prazo até o início da implementação de um plano intitulado “Plano para a Retomada Sustentável da Atividade de Pesca de Arrasto na Costa do Rio Grande do Sul”, conforme estabelecido pela PORTARIA SAP/MAPA Nº 9, DE 14 DE JANEIRO DE 2021. Em abril de 2021, um artigo publicado na Science Letters por pesquisadores brasileiros concluiu que “a decisão do novo ministro levou à incerteza sobre o direito do Estado de legislar sobre esta questão, o que pode ser um enorme retrocesso na restauração ecológica e pesqueira. Exortamos a Suprema Corte a reconhecer formalmente os direitos dos estados do Brasil de legislar em suas águas costeiras.” Mas no mesmo mês, em abril de 2021, a SAP/MAPA publicou a PORTARIA SAP/MAPA Nº 115, DE 19 DE ABRIL DE 2021, aprovando então o Plano para a Retomada Sustentável da Atividade de Pesca de Arrasto na Costa do Rio Grande do Sul. A norma definiu as medidas de ordenamento que deveriam ser regulamentadas por outros atos normativos. Analisamos essa norma no post “Arrastão na pesca? O Plano para a Retomada Sustentável da Pesca de Arrasto no RS não é sustentável”; Em março de 2022, uma semana antes da descompatibilização do Secretário Seif Jr, para concorrer às eleições deste ano por Santa Catarina, mais duas normas foram publicadas: a Portaria SAP/MAPA no 617 de 8 de março de 2022, estabelecendo medidas de ordenamento, registro e monitoramento da pesca de arrasto de praia no Mar Territorial no Estado de Santa Catarina, a qual, segundo a norma, é realizada por pescadores profissionais artesanais tradicionais. A pesca de arrasto de praia foi liberada durante o ano todo, com diminuição do emalhe de 70 milímetros para 40 milímetros. Dentre as espécies listadas na norma como “Fauna acompanhante previsível” estão tubarões que sumiram da lista de espécies ameaçadas aprovada (não objetada) pela CONABIO, conforme alertamos. E ainda a Portaria SAP/MAPA nº 634, de 21 de março de 2022 trazendo “regras adicionais para a pesca sustentável de arrasto motorizado de camarão na faixa marítima da zona costeira adjacente ao Estado do Rio Grande do Sul, das 3 (três) milhas náuticas até as 12 (doze) milhas náuticas.” A publicação dessa norma provocou imediata reação da Assembleia Legislativa gaúcha, com intensa movimentação, envolvendo Ministério Público Federal, para revogar a portaria. A frente parlamentar em Defesa do Setor Pesqueiro da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado estadual Zé Nunes (PT), prometeu: “Não vamos permitir a desconstrução de tudo que já conquistamos desde a aprovação da lei, em 2018” O resultado da mobilização da Assembleia Legislativa do RS com o Ministério Público Federal foi a ação da PGE na qual foi concedida a liminar nesta semana, suspendendo as Portarias SAP/MMA 115/2021 e SAP/MAPA 634/2022. No entanto, a novela do arrastão na pesca no Rio Grande do Sul não terminou. Ainda é necessária a decisão do Plenário do STF sobre o assunto. E esse julgamento não