O governo federal publicou nesta segunda-feira (14) dois decretos relacionados à mineração que sinalizam que o tema está recebendo atenção do Executivo. Um deles cria um programa para o desenvolvimento do garimpo (mineração artesanal), com prioridade para a Amazônia Legal. Outro simplifica pontos da regulamentação do Código de Mineração, trazendo, entre outras modificações, a diminuição da responsabilidade do empreendedor. Na agenda legislativa prioritária do governo federal em 2002, apresentada na semana passada, Mineração era um dos temas destacados, com dois itens: Mineração em Terra Indígena (PL 191/2020 tramitando no Congresso) e Mineração em Faixa de Fronteira (em elaboração no Executivo). Os decretos desta segunda-feira confirmam que o Executivo está se movimentando para mudanças no setor, com tendência à flexibilização e à desregulação. O Decreto Federal 10.966/2022 e o boom do garimpo irregular O Decreto Federal 10.966/2022 instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape) e a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape). Isto é, a norma é voltada ao garimpo, incluindo o garimpo irregular, uma vez que um dos objetivos explícitos nela é a “formalização da atividade”. A primeira vez que o termo “mineração artesanal” apareceu em ato infralegal no Diário Oficial da União foi em setembro de 2020, na portaria 354/2020, no Ministério de Minas e Energia. Captada pelo Monitor de Atos Públicos, classificada como uma “flexibilização”, aprovava o Programa Mineração e Desenvolvimento, sob a agenda da “expansão quantitativo-qualitativa do setor mineral brasileiro”. Entre os planos elencados nesse programa, constava um “compromisso sócio-econômico-ambiental na mineração”, com um projeto denominado “Crescer com responsabilidade”. Nele, havia 26 metas – literalmente, o alfabeto inteiro de metas. E a T era: “Promover a identificação e a estruturação da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Mape)”. O sinal dado há 1 ano e meio refletiu-se agora e deve desencadear novas normas. A Comape será composta por representantes dos seguintes órgãos: I – Ministério de Minas e Energia, que a coordenará; II – Casa Civil da Presidência da República; III – Ministério da Cidadania; IV – Ministério da Justiça e da Segurança Pública; V – Ministério do Meio Ambiente; e VI – Ministério da Saúde. A norma tem caráter geral e traz alguns pontos que devem ser destacados: Dentre seus objetivos, há a “formalização da atividade”, sem, contudo, se detalhar o que será feito e tampouco o que se entende por “formalização”; Traz como competência da Comape “priorizar ações para a implementação das políticas públicas relacionadas com a mineração artesanal e em pequena escala, de forma a atender a situações que exijam providências especiais ou de caráter emergencial”. O que seriam “providências especiais ou de caráter emergencial”? Fica em aberto na norma os limites de tais termos. Estabelece a Amazônia Legal como a região prioritária para o desenvolvimento dos trabalhos da Comape sem, contudo, explicitar o motivo de tal escolha. Cabe relembrar que na Amazônia Legal já há foco do Governo Federal via programa Adote um Parque. A atividade garimpeira tem crescido no Brasil, principalmente na Amazônia, o bioma onde está mais de 72,5% da área de mineração no país, sendo que dois terços explorados por garimpos, sobretudo de ouro (no outro terço, ocorre mineração industrial), apontam dados do MapBiomas. Em 2018, a área ocupada por mineração industrial foi superada pela ocupada por garimpo em todo o país, pela primeira vez. Desde então, a atividade artesanal fica à frente da extração de grande escala. Em novembro, a Polícia Federal realizou uma megaoperação para destruir balsas no Rio Madeira, após as imagens das dragas repercutirem em todo o mundo. Ribeirinhos denunciam o impacto socioambiental dessa exploração desordenada, que chegou a atrair 1,8 mil garimpeiros, segundo reportagem do site Amazônia Real. Outro episódio que mostra o alastramento do garimpo e o impacto no ecossistema amazônico são os indícios de que a atividade está alterando as águas do rio Tapajós. Análise de imagens de satélite mostra como a sedimentação aumentou na bacia do rio, no Pará, em uma dinâmica diferente da que era observada historicamente. O Decreto Federal 10.965/2022 simplifica e flexibiliza O Decreto Federal 10.965/2022 altera o regulamento (Decreto nº 9.406/2018) do Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/1967), da Lei nº 6.567/1978 (sobre regime especial para exploração e o aproveitamento das substâncias minerais), da Lei nº 7.805/1989 (cria o regime de permissão de lavra garimpeira e extingue o regime de matrícula), e da Lei nº 13.575, de 26 de dezembro de 2017 (cria a Agência Nacional de Mineração – ANM – e extingue o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM). Diversas alterações promovidas pelo decreto merecem destaque (todas referentes ao Decreto nº 9.406/2018): Simplificação geral: Inclui o §único do art. 4º, estabelecendo que a “ANM estabelecerá critérios simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de outorga, principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte ou de aproveitamento das substâncias minerais de que trata o art. 1º da Lei nº 6.567, de 1978”. O uso do termo “principalmente” já denota que esses são os focos principais mas não únicos, ou seja, pode-se interpretar o dispositivo como abrangendo uma simplificação em todas as atividades de mineração dependentes de outorga. Diminuição da responsabilidade do empreendedor: Inclui o §4º no art. 5º, estabelecendo que “as obrigações e as responsabilidades do titular da concessão ficam mantidas até o fechamento da mina, cujo plano será aprovado pela ANM e pelo órgão ambiental licenciador.” Aqui é estabelecido um marco temporal de responsabilidade, sendo que geralmente há atividades de monitoramento que se desenvolvem para além do dia em que se fecha a mina. Inclusive dispõe o Código de Mineração que “a recuperação do ambiente degradado prevista no caput deste artigo deverá abarcar, entre outros, o fechamento da mina e o descomissionamento de todas as instalações, incluídas barragens de rejeitos, de acordo com a legislação vigente” (art. 43-A, §único). Deve-se pensar, também, que no caso dos danos ambientais a temporalidade dos atos, por si só, não encerram a responsabilidade. Há que se olhar para outros