O governo brasileiro anunciou que submeterá uma nova contribuição nacionalmente determinada (NDC) à ONU, contendo o compromisso de redução de 50% das emissões até 2030, relativo ao ano de 2005. NDC é a contribuição que cada país determina para os esforços globais de redução de emissões, isto é, a meta que cada país estabelece domesticamente como seu compromisso junto ao Acordo de Paris, o instrumento legal que busca limitar o aquecimento global a níveis seguros até o fim do século.
Os dados absolutos da redução de emissões anunciada pelo Ministro Joaquim Leite, nesta segunda-feira, 1º de novembro, ainda não foram disponibilizados. O Ministro apenas indicou que adotará um conjunto de dados conhecido como 4º Inventário Nacional de Emissões para esse fim. Essa nova série atualiza a base científica para o cálculo de emissões e por isso mexe, de forma retroativa, justamente no patamar de emissões do ano de 2005, que é a referência para se medir a redução futura.
A proposta submetida à ONU pelo Brasil ainda pode aumentar o espaço de emissões até o fim desta década, em relação à meta proposta pelo governo em 2015, por ocasião do Acordo de Paris. Mais do que isso, a proposta anunciada provavelmente não aumenta a ambição climática do Brasil, conforme esperado.
NDCs anteriores
No seu primeiro compromisso junto ao Acordo de Paris em 2015, o Brasil foi literal ao adotar uma meta de mitigação absoluta para toda a economia, com níveis absolutos de emissão de 1,2 GtCO2e em 2030, correspondendo, respectivamente, àquela redução de 43%, com base nos níveis de emissão estimados de 2,1 GtCO2e em 2005.Atualização da NDC feita pelo governo em dezembro de 2020, baseou-se em um nível de 2,8 GtCO2e emitidos em 2005. Nesse novo patamar, e sem mexer nos percentuais das suas metas, o Brasil poderia aumentar suas emissões no futuro. Geraria uma diferença de cerca de 400 milhões de toneladas em 2030. Isso é maior que a redução de emissões de desmatamento na Amazônia e no Cerrado estimada – e não alcançada – em 2020. Equivaleria também a oito anos de emissões do setor elétrico brasileiro. Ou três vezes o potencial de mitigação contido na primeira década do Plano de Agricultura de Baixo Carbono, o Plano ABC. Por essa razão, a NDC submetida pelo Brasil em 2020 foi considerada uma “pedalada climática”.
Nova NDC (2021)
A 4ª (Quarta) Comunicação Nacional contém números de emissões para o ano de 2005 considerando duas métricas: a GWP-AR5 e a GWP-SAR. A primeira métrica (GWP-AR5) foi a base utilizada na primeira NDC do Brasil, a iNDC, em 2015.O anúncio que atualiza a NDC novamente, em novembro de 2021, pode se basear em um ou outro nível de emissões contidos na 4ª (Quarta) Comunicação Nacional:
- 2,4 GtCO2e emitidos em 2005, segundo a métrica GWP-SAR; ou
- 2,6 GtCO2e emitidos em 2005, segundo a métrica GWP-AR5.
Uma avaliação do que significa 50% de redução de emissão em 2030, utilizando essas duas métricas, aponta que:
- Usando GWP-SAR, significa alcançar um patamar de 1.22 GtCO2eq em 2030; e
- Usando GWP-AR5, significa alcançar um patamar de 1.28 GtCO2eq em 2030.
O patamar de redução de emissões proposto na NDC original, de 2015, foi de 1.20 GtCO2eq em 2030. Portanto, a nova NDC (de 2021), somente tem o potencial de retornar a um valor quase, mas não totalmente, equivalente à meta original.
Para corresponder com exatidão à meta antiga, seria necessário adotar um percentual entre 51% e 54% para o fim desta década, respectivamente a AR5 ou SAR.
Para se alinhar ao Acordo de Paris, o Brasil deveria, na realidade, aumentar sua ambição. Isto é, prometer uma meta maior do que aquela proposta há 6 anos. Nesse caso, teria que ir além dos 51% (considerando a métrica GWP-SAR) ou 54% (considerando GWP-AR5).
Ao contrário do que foi apresentado, não houve, com o anúncio de hoje, aumento de ambição climática, mesmo com o aumento percentual de 43% para 50% anunciado. A única hipótese que possibilitaria um aumento de ambição seria aquela em que o governo utilizasse o mesmo valor absoluto de emissões considerado na iNDC (de 2.1 GtCO2eq) para 2005.
Nível de emissões em 2005 | |||
4ª Comunicação Nacional (GWP-AR5) | 4ª Comunicação Nacional (GWP-SAR) | iNDC | |
Meta de redução em relação à linha de base | 2.735 | 2.445 | 2.1 |
43% | 1.46 | 1.39 | 1.20 |
50% | 1.28 | 1.22 | 1.05 |
Visões para o Brasil 2030
A iniciativa “Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030” apresentou propostas ambiciosas para redução de emissões até 2030, considerando oportunidades de descarbonização e qualificação do desenvolvimento nacional. Mais de 300 atores brasileiros – dentre especialistas e lideranças – participaram de consultas de alto nível sobre tais propostas.Os cenários apresentados mostram que é possível alcançar um patamar de 0.51 ou 0.90 GtCO2e, até 2030, relativamente a 2005. Usando os dados da 4ª (Quarta) Comunicação Nacional, esses cenários equivalem a reduções de 63% e 80% até 2030, relativamente a 2005. “Estamos falando de uma meta climática que tem ganhos para a economia, isto é, que além de descarbonização, gera empregos, aumenta o PIB e a renda, e pode apoiar a redução de desigualdades”, disse Natalie Unterstell, Diretora Técnica da Política por Inteiro e presidente do Instituto Talanoa, uma das organizações envolvidas no trabalho.
Comparando a nova NDC anunciada em novembro de 2021 com os números da iniciativa Clima e Desenvolvimento, percebe-se uma grande distância ainda entre o proposto pelo governo e a ambição recomendada por muitos atores da sociedade. A diferença é de centenas de milhões de toneladas.
A iniciativa estima que é possível alcançar essas reduções ambiciosas de emissão com base em radical redução do desmatamento, aposta na economia da restauração florestal e precificação de carbono, por meio de um sistema de comércio regulado.
Valores absolutos das emissões (em GtCO2eq) | |
1.20 | NDC Original de 2015 (iNDC) |
1.60 | NDC atualizada em 2020 |
1.22 | NDC atualizada com 4CN (50%) – GWP-SAR |
1.28 | NDC atualizada com 4CN (50%) – GWP-AR5 |
0.96 | Proposta Clima e Desenvolvimento: Cenário 63% |
0.51 | Proposta Clima e Desenvolvimento: Cenário 80% |