A desestatização da Eletrobras ou o jabuti elétrico

Os jabutis da EletrobrasAgenda prioritária do Governo Federal, as diretrizes para a desestatização da Eletrobras foram publicadas por meio da Lei Federal 14.182/2021, sancionada nesta semana. A privatização da empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. é uma temática constante desde a gestão Temer, quando, em 2017, uma proposta para concretizá-la foi apresentada ao Congresso, porém não avançou. No Governo Bolsonaro, o assunto continuou em pauta no Relatório de Gestão 2020 do Ministério da Economia e no Plano Plurianual (PPA) 2020-2023, o Programa “Brasil, Nosso Propósito”, cujo objetivo é “reduzir a participação do Estado na economia”, com meta de  “desmobilizar, desinvestir, privatizar e conceder, gerando receitas e economizando despesas na ordem de 900 bilhões até 2023. Diferentemente da gestão anterior, o atual governo optou por encaminhar o processo de desestatização da Eletrobras via Medida Provisória, apresentada no início deste ano. 

 

Histórico

Em fevereiro de 2021, foi publicada a Medida Provisória nº 1.031 (cuja vigência foi prorrogada por 60 dias pelo Ato nº 23), que dispõe sobre a desestatização da Eletrobras, estabelecendo que seria “executada na modalidade de aumento do capital social, por meio da subscrição pública de ações ordinárias com renúncia do direito de subscrição pela União”. Dentre as condições para a desestatização, foram colocados:

  • a reestruturação societária para manter sob o controle, direto ou indireto, da União as empresas Eletrobras Termonuclear S.A Eletronuclear e Itaipu Binacional.
  • desenvolver projetos de revitalização dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco, redução estrutural de custos de geração de energia na Amazônia Legal e revitalização dos recursos hídricos das bacias hidrográficas na área de influência dos reservatórios das usinas hidrelétricas de Furnas Centrais Elétricas S.A. – Furnas.

Em março, foi publicada a Resolução CPPI nº 167, de 16 de março de 2021, pela qual o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI) recomendou, para aprovação do Presidente da República, a qualificação da Eletrobras no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e a sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização (PND), para o início dos estudos necessários à estruturação do processo de capitalização. Recomendou, ainda, para aprovação do Presidente da República, que fosse dispensada a aplicação dos arts. 47 e 59 do Decreto n° 2.594/1998. Assim, em abril foi publicado o Decreto nº 10.670, que qualificou e incluiu a Eletrobras no PPI e no PND, de acordo com as diretrizes estabelecidas na Medida Provisória nº 1.031/2021. 

Em maio, foi publicada a Resolução CPPI nº 176, de 27 de Abril de 2021 na qual se estabeleceu que cabe à Eletrobras realizar a emissão e a oferta pública de ações após a conversão em lei da Medida Provisória nº 1.031/2021. Determinou ainda que o processo de capitalização deveria adotar as normas e as práticas aplicadas ao mercado de valores mobiliários, especialmente quanto à definição de preços de emissão e alienação de ações e à divulgação de informações ao mercado e ao público.

 

Tramitação no Legislativo

A MP da Eletrobras foi aprovada inicialmente na Câmara, onde recebeu uma série de jabustis – artigos que versaram sobre assuntos não relativos ao cerne da matéria em análise. Seguiu para o Senado, em que ganhou mais jabutis ainda. Após ser aprovada no Plenário do Senado, por conta das alterações no texto analisado na primeira Casa, retornou à Câmara dos Deputados, onde foi aprovada por 258 votos favoráveis, 136 votos contrários e 53 votos pela “obstrução”, posicionamento de bloqueio à proposta e votação.

Os deputados aprovaram a maioria das emendas apresentadas pelo Senado ao texto encaminhado pela Câmara, como a que prevê a contratação de energia de reserva de termelétricas movidas a gás natural, mesmo em regiões onde não haja esse tipo de energia. Outra emenda aprovada prevê a permissão para que obras do Linhão de Tucuruí, linha de transmissão que passará por terras dos povos indígenas Waimiri-Atroari, sejam iniciadas após a entrega pela Funai aos indígenas do Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), constante do processo de licenciamento ambiental – já entregue e em análise pelos conselhos indígenas. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), e governistas negaram que a proposta contivesse “jabutis”. A oposição, liderada pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que levará a questão à Justiça.

 

Sanção e vetos

Assim, após tramitação no Legislativo, foi publicada a Lei nº 14.182, de 12 de Julho de 2021, que dispõe sobre a desestatização da Eletrobras. A lei traz disposições, dentre outras, sobre outorga de novas concessões de geração de energia elétrica pelo prazo de 30 anos, contratação de geração termelétrica movida a gás natural no montante de 1.000 MW na Região Nordeste e no montante de 2.500 MW  na Região Norte distribuídos nas capitais dos Estados ou região metropolitana onde seja viável a utilização das reservas provadas de gás natural nacional existentes na Região Amazônica, bem como a prorrogação dos contratos do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) por 20  anos. Dispõe também sobre a geração de energia elétrica do Linhão de Tucuruí, sendo que, uma vez concluído o Plano Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI), traduzido na língua originária e apresentado aos indígenas, fica a União autorizada a iniciar as obras do Linhão de Tucuruí.

Na mesma data foram publicados os Despachos do Presidente constando a comunicação de vetos parciais, por suposta contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidades. Apesar dos 14 vetos, os principais “jabutis” foram mantidos no texto. O Congresso ainda pode derrubar os vetos, conforme alertamos na nossa Análise Mensal de Junho. (Confira abaixo tabela com os vetos.)

A matéria tem impactos no meio ambiente e na questão climática, uma vez que tornará mais distante a necessária descarbonização da matriz elétrica brasileira. Mesmo com ônus climático, diante do agravamento da crise hídrica, as termelétricas movidas a gás natural vêm ganhando espaço como “alternativa energética” tendo como marco regulatório a recente aprovada Lei do Gás.


Conjunturas e Riscos

No evento “Conjunturas & Riscos: Política Climática por Inteiro” de julho, cujo tema foi Desestatização e o Setor Elétrico”, a desestatização da Eletrobras via MP foi duramente criticada pelos debatedores – a economista e advogada Elena Landau; a fundadora da Escopo Energia, Lavinia Hollanda; e o especialista em mudanças climáticas e energia Shigueo Watanabe. Para eles, os prazos curtos para tramitação não permitiram participação popular e o amplo debate necessários. Sobre os jabutis, consideraram que impactam no planejamento e na regulação do setor elétrico, além de causar desdobramentos do ponto de vista climático. No entanto, o controle privado no setor de energia foi visto de forma positiva. O mundo vive um processo de transição para energias de baixo carbono e as empresas privadas estão nesse caminho.

O debate foi mediado pela jornalista Vanessa Barbosa, pesquisadora ambiental e editora-assistente do Um Só Planeta.

Navegue pelo documento abaixo com os comentários acerca dos vetos ou acesse em PDF: MP Eletrobras – Tabela comparativa vetos

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