Pró ou contra? Estratégia minerária e licenciamento ambiental

Desde o ano passado, o Governo Federal vem implementando a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos – “Pró-Minerais Estratégicos“, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Nesta semana, foram publicados mais dois atos referentes à Política: a Resolução 1/2021, sobre o funcionamento do Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME) e sobre a habilitação de projetos de investimento na Política; e Resolução CTAPME 2/2021, definindo a relação de minerais estratégicos para o país.

Abaixo, uma análise da POLÍTICA POR INTEIRO sobre a implementação da Pró-Minerais Estratégicos até aqui.


O que é a “Pró-Minerais Estratégicos”?

A “Pró-Minerais Estratégicos” é uma Política do Governo Federal, de caráter permanente, que tem como finalidade “articular ações entre órgãos públicos no sentido de priorizar os esforços governamentais para a implantação de projetos de produção de minerais estratégicos para o desenvolvimento do País” (art. 1º, caput, Decreto Federal 10.657/2021). Tal finalidade, é importante ressaltar, tem caráter de apoio governamental ao licenciamento ambiental de empreendimentos/projetos habilitados no Programa.

Inicialmente, foi publicada em agosto a Resolução CPPI 126/2020, pela qual o Conselho do programa de Parcerias e Investimentos (CPPI) opinou favoravelmente pela criação e qualificação da Pró-Minerais Estratégicos no PPI. Após cerca de 6 meses, foi formalizada a instituição da Política pelo Decreto Federal 10.657/2021. Assim, além da Política, também foi instituído o Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME).

Para serem habilitados, deverá haver solicitação pelo titular dos projetos ao CTAPME e eles deverão se encaixar em um dos seguintes critérios:

  • bem mineral do qual o país dependa de importação em alto percentual para o suprimento de setores vitais da economia;
  • bem mineral que tenha importância pela sua aplicação em produtos e processos de alta tecnologia; ou
  • bem mineral que detenha vantagens comparativas e que seja essencial para a economia pela geração de superávit da balança comercial do país.


O que é o CTAPME?

É o colegiado ao qual, dentro da Política, “compete definir, para fins de apoio ao licenciamento ambiental, os projetos minerários considerados relevantes para a ampliação da produção nacional de minerais estratégicos e que passarão a integrar a Política Pró-Minerais Estratégicos” (art. 3º, caput, Decreto Federal 10.657/2021).

Assim, o CTAPME tem competência para (art. 3º, §1º, Decreto Federal 10.657/2021):

  • avaliar a relação de minerais estratégicos para o país de acordo com os critérios estabelecidos;
  • analisar e habilitar os projetos de mineração de acordo com os critérios estabelecidos;
  • informar o CPPI da Presidência da República sobre os projetos de mineração habilitados pelo CTAPME; e
  • acompanhar e elaborar relatórios quanto à performance da Política Pró-Minerais Estratégicos.

O Comitê é composto por representantes dos seguintes órgãos:

  • Ministério de Minas e Energia (coordenação)
  • Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações;
  • Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
  • Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos do Ministério da Economia; e
  • Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Destaca-se que “o representante do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações terá direito a voto somente nas deliberações relativas a terras raras ou minerais estratégicos que tenham importância pela sua aplicação em produtos e processos de alta tecnologia” (art. 5º, §4º, Decreto Federal 10.657/2021).


E os órgãos licenciadores?

Conforme dispõe o Decreto 10.657/2021, “os órgãos ambientais permanecem integralmente responsáveis pela condução e decisão dos processos de licenciamento ambiental dos projetos habilitados na Política Pró-Minerais Estratégicos” (art. 3º, §2º).

Sendo assim qual seria a atuação do CTAPME e da Pró-Minerais Estratégicos no âmbito do licenciamento ambiental? Qual seria a “articulação necessária para minimizar riscos e solucionar conflitos”?


Quais são os “minerais estratégicos”?

A definição nominal dos minerais estratégicos foi publicada pela Resolução CTAPME 2/2021, que assim estabelece:


Bens minerais dos quais o País depende de importação em alto percentual para o suprimento de setores vitais da economia:

  • Enxofre
  • Minério de Fosfato
  • Minério de Potássio
  • Minério de Molibdênio


Bens minerais que têm importância pela sua aplicação em produtos e processos de alta tecnologia:

  • Minério de Cobalto
  • Minério de Cobre
  • Minério de Estanho
  • Minério de Grafita
  • Minérios do grupo da Platina
  • Minério de Lítio
  • Minério de Nióbio
  • Minério de Níquel
  • Minério de Silício
  • Minério de Tálio
  • Minério de Tântalo
  • Minério de Terras Raras
  • Minério de Titânio
  • Minério de Tungstênio
  • Minério de Urânio
  • Minério de Vanádio


Bens minerais que detêm vantagens comparativas e que são essenciais para a economia pela geração de superávit da balança comercial do País:

  • Minério de Alumínio
  • Minério de Cobre
  • Minério de Ferro
  • Minério de Grafita
  • Minério de Ouro
  • Minério de Manganês
  • Minério de Nióbio
  • Minério de Urânio


Problemáticas entre a Pró-Minerais Estratégicos, CTAPME e o licenciamento ambiental

Como se verifica, a Pró-Minerais Estratégicos foi gestada para viabilizar negócios no país, notadamente relacionados aos ditos “minerais estratégicos”. Contudo, é importante verificar que há pontos que geram insegurança ou mesmo dúvidas quanto à iniciativa.

  1. A Política, apesar de ser voltada ao licenciamento ambiental de projetos minerários estratégicos, não inclui na “mesa de discussão e de decisão” qualquer órgão ou entidade da área ambiental, seja o próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA), ou seus órgãos, como IBAMA ou ICMBio. A bem da verdade, o CTAPME é predominantemente composto por órgãos regulatórios ou que não têm interface com o licenciamento ambiental (vide o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência).Causa estranheza que, num foro de discussão de questões atinentes à agenda ambiental, não haja qualquer representação dessa área.

    Aprofunda-se ainda mais a problemática quando se verifica que o “modelo de formulário para licenciamento ambiental”, constante no Anexo do Decreto Federal 10.657/2021 e relativo à apresentação de proposta de empreendimento que “demandem articulação interinstitucional para o licenciamento ambiental”, traz solicitação de dados que são em sua grande maioria de expertise na área socioambiental (bem como de competência do órgão licenciador em avaliar tais documentos e formar sua convicção/decisão).

    Ora, se são solicitados dados relativos à temática socioambiental, por qual motivo não se inclui órgãos/entidades dessas agendas no CTAPME? Qual é a competência/expertise dos membros do CTAPME para avaliar tais dados?

  2. Na recém publicada Resolução CTAPME 1/2021, consta que as decisões do Comitê levarão em consideração, dentre outros pontos, “a ocorrência efetiva ou potencial de questão ambiental passível de ser dirimida por meio de maior articulação e diálogo entre órgãos e entidades governamentais, instituições públicas e interessados” (art. 14, inciso III). No entanto, não há clareza de como seria essa “articulação e diálogo”. Cabe ressaltar que a decisão no âmbito do licenciamento ambiental é 100% da autoridade licenciadora, à qual compete, quando necessário, solicitar informações às entidades/órgãos específicos como Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Fundação Cultural Palmares, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ICMBio, dentre outros. Há, pois, independência da autoridade licenciadora em formar a sua convicção e solicitar informações ou mesmo avaliar os projetos/empreendimentos que solicitaram o licenciamento conforme demanda.É, pois, uma invasão das competências da autoridade licenciadora uma indicação de “preferência”, ou mesmo uma incidência de outros ministérios ou órgãos em assunto alheio à sua expertise e competência regimental. Há que se tomar cuidado para não haver, no limite, ato de improbidade administrativa ou ineficiência da Administração Pública.


Conclusão

A política Pró-Minerais Estratégicos foi formulada para viabilizar um “desenvolvimento” do país sem realizar as devidas conexões e sinergias entre as agendas envolvidas no tema (a exemplo da falta de inserção de entidades ambientais no debate).

Fomentar uma Política que não ouve todos os atores envolvidos e, aparentemente, busca somente viabilizar economicamente determinada atividade causa extrema insegurança para o Poder Público, a sociedade, aos investidores e aos próprios empreendedores. A quem beneficia uma vantagem que pode ser judicializada? Qual é a vantagem de se progredir com uma iniciativa de licenciamento ambiental sem ao menos se inserir na mesa de discussão os órgãos ou ministério envolvidos no tema? Por qual motivo os minerais constantes na Resolução CTAPME 2/2021 foram selecionados como estratégicos? Qual foi o estudo que embasou tal decisão? Os documentos que fundamentam a Política e escolhas são públicos?

Enfim, é necessária a máxima transparência e sinergia de falas, atos e competências para que o meio ambiente, a sociedade e a economia sejam efetivamente aliadas.


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