Política Climática por Inteiro, edição preliminar 2024
Principal ponto a comemorar
Antes da COP, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgará a taxa oficial de desmatamento na Amazônia. No período de apuração da taxa Prodes, entre agosto de 2023 e julho de 2024, o desmatamento no bioma caiu quase 46%, segundo o sistema Deter, mais rápido e menos preciso. Espera-se uma taxa anual menor que os 9,1 mil km2 registrados no ano passado, provavelmente próxima dos 6 mil km2.
Desmatamento na Amazônia em km2
Mas ainda no setor de mudança do uso da terra, o segundo maior bioma brasileiro, o Cerrado, registrou alta no desmatamento, pelo quarto ano consecutivo, colocando em risco o compromisso com o desmatamento zero até 2030 em todos os biomas. O desmatamento no Cerrado conta menos em termos de emissões do que o desmatamento na Amazônia.
No cálculo das emissões por uso da terra, não serão contabilizados os gases de efeito estufa gerados pelas queimadas recordes deste ano, o que poderia anular parte do esforço do combate ao desmatamento.
Desmatamento no Cerrado em km2
Medidas adicionais ao controle do desmatamento são aguardadas
A redução das emissões no setor de uso da terra contou com o esforço de fiscalização e o combate a crimes ambientais, mas esse tipo de medida nos esforços de conservação da floresta em pé.
O PPCDAm (Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia) fala em elaborar e implementar um Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia até 2024, o que ainda não aconteceu. Em junho, foi publicada a Estratégia Nacional de Bioeconomia, mas ainda não foi criada a Comissão Nacional, a quem caberá elaborar o plano no prazo de 60 dias. A expectativa é que a comissão se reúna em novembro.
Outra meta do PPCDAm é destinar 29,5 milhões de hectares de florestas públicas federais até 2027, uma parcela das áreas vulneráveis ao desmatamento. Até o final deste ano, a expectativa é que 15 milhões de hectares sejam objeto de declaração de interesse para estudo. O PPCerrado prevê destinar outros 1,2 milhão de hectares de florestas públicas federais tanto para Unidades de Conservação como para reconhecimento de direitos de comunidades tradicionais
A Lei de pagamento por serviços ambientais, sancionada em 2021, ainda não foi regulamentada. A regulamentação deve ir à consulta pública prevista ainda para 2024.
Restauração florestal mantém a meta lançada em 2016
O Plano Nacional de Recuperação Nativa (Planaveg) é uma das políticas mais importantes de mitigação das emissões e adaptação às mudanças climáticas A nova versão do Planaveg (link), para o período entre 2025-2028, submetida à consulta pública em setembro de 2024, retoma a meta lançada na primeira NDC brasileira, de recuperar 12 milhões de hectares até 2030, embora o passivo ambiental nas propriedades rurais tenha sido reestimado para 23,8 milhões de hectares.
A maior fatia dessa meta (9 milhões de hectares) depende da regularização ambiental das propriedades rurais. Outros 2 milhões de hectares ocorrerão, segundo o Planaveg, por meio da expansão da agropecuária sustentável em assentamentos de reforma agrária e na agricultura familiar. Os demais 1 milhão de hectares, em Ucs, Tis e florestas públicas, alvo do programa Restaura Amazônia, do BNDES, de que se fala mais adiante.
Passivo por tipologia de área e por bioma (ha)
Agropecuária desalinhada
Maior fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil depois da mudança do uso da terra, com a qual também colabora, a agropecuária não tem indicadores claros de avanços nos esforços para reduzir suas emissões, que seguem aumentando desde 2018.
O Plano Safra 2024/2025 tem apenas 2% do total do crédito aos produtores rurais destinados à linha Renovagro, que financia tecnologias de baixa emissão de carbono. O valor representa 15,7% dos investimentos que contam com juros equalizados pelos contribuintes.
O Brasil tem quase 108 milhões de hectares de pastagem degradada, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária. Lançado na COP 28, o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD), projeta transformar a maior parte da pastagem degradada em novo pasto, o que parece incompatível com a expansão prevista para a produção de biocombustíveis.
Área potencial para conversão em cada sistema agropecuário e florestal (milhões de hectares)
O setor foi responsável por 75% das emissões de metano no Brasil em 2022, um dos gases de efeito estufa, vindas sobretudo do processo digestivo do gado, mas ainda não planejou como pretende reduzir em 30% essas emissões até 2030. O metano tampouco é mencionado no documento preparatório do setor para a COP 29.
Qual transição energética?
Apesar de as fontes renováveis terem aumentado sua participação na oferta de energia no país para 49,1% (contra 14, 7% da média mundial), o Brasil mantém a expectativa de aumentar a produção de óleo e gás. O Plano Decenal de Energia projeta o aumento da produção de óleo e gás até 2030 e 2031, respectivamente. No caso do petróleo, o PDE conta com a expansão da exploração de novas reservas, o que incluiria a Foz do Amazonas.
Oferta de energia no Brasil (%)
Em agosto, um decreto instituiu a Política Nacional de Transição Energética, que precede a elaboração de um Plano de Transição Energética, sem prazo definido. Na Política, a definição de uma transição justa inclui minimizar impactos negativos até para empresas, o que representar inclusive uma maior sobrevida para térmicas a carvão. No mesmo dia, outro decreto foi editado para aumentar a oferta de gás natural no país, que tem origem fóssil.
Enquanto a transição energética para longe dos combustíveis fósseis não vem, alguns avanços relativos são registrados:
Lei do Hidrogênio Verde – sancionada em agosto e acompanhada de incentivos fiscais de até R$ 18,3 bilhões até 2032. O marco legal tolera um nível de emissão maior do que o inicialmente previsto, mas o uso do novo combustível é visto como promissor para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos transportes e na indústria. É tido como um dos feitos da Nova Industria
- Brasil(NIB), em sua missão 5, que visa a descarbonização e a transição energética. Uma primeira concessão de incentivo foi concedida à Brasil Fortescue Sustainable Industrie Ltda, para processar hidrogênio em Pecém (CE).
- Lei dos Combustíveis do Futuro – sancionada em outubro, estimula a produção de biocombustíveis no país, com o objetivo de promover a descarbonização no setor de transportes. A lei cria programas nacionais de diesel verde, de combustível sustentável para aviação e de biometano, além de aumentar a mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel. Fica estabelecido o marco regulatório para a captura e a estocagem de carbono, contabilizado também como avanço na NIB. A meta anunciada do “Combustível do Futuro” é evitar a emissão de 705 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) até 2037.
- Programa Mover (Mobilidade Verde) já tem 116 empresas automobilísticas e da cadeia produtiva do setor habilitadas a receber um total de R$ 19,3 bilhões de créditos financeiros entre 2024 e 2028, que podem ser usados pelas empresas para abatimento de impostos federais em contrapartida a investimentos em P&D. O programa é contabilizado pelo MDIC como estímulo a investimentos em maior eficiência energética. O ministério anuncia o lançamento em 2025 de uma Estratégia Nacional de Descarbonização Industrial.
Adaptação é um termo para o futuro, ainda que mais próximo
Brasil ganhou em outubro uma Estratégia Nacional de Adaptação, em consulta pública até 13 de novembro, no ano em que viu o Rio Grande do Sul devastado por enchentes e o país enfrentou a pior estiagem em 75 anos, com parcelas dos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal queimadas.
Primeira parte do Plano Clima Adaptação, a estratégia busca lidar com riscos climáticos dinâmicos e complexos a partir de metas e indicadores monitoráveis diante de impactos severos já observados das mudanças climáticas (abaixo), resultado de eventos extremos de El Niño e La Niña, fenômenos atmosférico-oceânicos, que tendem a se acentuar. O detalhamento dos meios de implementação e do financiamento das ações é aguardado no âmbito de 16 planos setoriais a serem apresentados.
Anomalias de chuvas intensas prolongadas, de dias secos consecutivos e ondas de calor entre 2011 e 2020 (mapas abaixo são da Estratégia Nacional de Adaptação, páginas 20, 21 e 22)
Anomalias de chuvas intensas prolongadas entre 2011 e 2020*
Anomalias de dias secos consecutivos entre 2011 e 2020
Anomalias de ondas de calor entre 2011 e 2020
- aumento de temperatura e de ondas de calor em todas as macrorregiões;
- aumento de chuva anual na região Sul;
- aumento de chuva extrema nas regiões Norte, Sudeste e Sul;
- aumento de secas nas regiões Nordeste, Centro-oeste e Sudeste;
- aumento de vento severo nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Sul;
- aumento do nível do mar, temperatura do mar, ondas de calor marinha
- acidificação do oceano em toda a costa brasileira.
O gasto público este ano para gestão de riscos e desastres mais do que triplicou durante o ano, sem contar com os bilhões destinados em créditos extraordinários ao Rio Grande do Sul. Cerca de 300 municípios e regiões considerados críticos à mudança do clima é aguardada ainda para este ano, num programa para o desenvolvimento de capacidades locais de enfrentamento à mudança climática. Investimentos públicos ainda carecem de alinhamento com a agenda climática. Um plano de enfrentamento à emergência climática chegou a ser anunciado em junho, mas, meses depois, ainda não foi lançado.
Estratégias transversais para a ação climática
- Transição Justa (populações vulneráveis, emprego e renda, outros)
- Impactos socioeconômicos e ambientais da transição
- Meios de implementação (financiamento, novas regulações, outros)
- Educação, capacitação, pesquisa, desenvolvimento e inovação
- Monitoramento, gestão avaliação e transparência
Financiamento climático aumenta, mas ainda não é suficiente
A emissão de títulos verdes soberanos no mercado internacional aumentou o financiamento climático no país em 2023 a níveis nunca vistos. Uma segunda emissão de títulos verdes, também de cerca de R$ 10 bilhões, feita em junho, mais do que dobra a previsão de aporte no Fundo Clima em 2025, para R$ 21,2 bilhões.
Durante o ano, um primeiro contrato de financiamento foi assinado com o município de Campinas (SP) para adaptação à mudança do clima. E o contrato para descarbonização de valor mais elevado, R$ 487 milhões, beneficiou a Sigma Lithium, que minera lítio no Vale do Jequitinhonha (MG). A área de mineração também foi beneficiada com aumento de recursos no Orçamento de 2025, em grande parte destinados à pesquisa mineral. Minérios considerados estratégicos à transição energética ganharam prioridade na agenda de governo, mas ainda sem uma política definida.
A proposta de lei orçamentária para 2025 reduz ligeiramente a previsão de gastos para o combate ao desmatamento: serão R$ 986 milhões destinados a combater desmatamento, incêndios e à conservação da biodiversidade. A proposta prevê recursos claramente insuficientes para a gestão de riscos e desastres, que teve de triplicar os gastos durante este ano.
O Fundo Clima e o Fundo Amazônia (com recursos a fundo perdido) financiam a primeira parte do projeto Arco da Restauração, que prevê o reflorestamento de 6 milhões de hectares na Amazônia, com a captura de 1,65 bilhão de toneladas de carbono até 2030. Por ora, com R$ 1 bilhão dos R$ 51 bilhões necessários para cumprir a meta. O BNDES também lançou outra linha de financiamento no valor de R$ 1 bilhão para florestas, o que reafirma o papel do banco como principal hub de financiamento climático no país, como mostra o Ecossistema.
Parte do Fundo Clima, um primeiro leilão do Ecoinvest foi realizado em outubro, para acesso de instituições financeiras privadas a um total de US$ 2 bi com taxas de juros de 1% ao ano. O resultado, com as instituições que garantirem maior atração de capital no formato blended finance, sai em novembro.
Novas estratégias de financiamento ainda são desenvolvidas para bancar as ações a serem detalhadas pelo Plano Clima, de transição para uma economia de baixa emissão de gases de efeito estufa. Por ora, medidas de adaptação representam o maior gargalo.
E o mercado de carbono?
O Projeto de Lei que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) está para ser votado no Senado desde fevereiro, depois de passar pela Câmara. A expectativa é que a votação seja concluída antes da COP-29. Depois da sanção, começa um longo período de regulamentação, que já vem sendo discutida em grupo de trabalho no Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). O mercado regulado de carbono, que pode contribuir para reduzir as emissões, ainda deve demorar alguns anos para entrar em vigor.
Considerações finais
O retrato das políticas climáticas em 2024 ficará mais claro após a COP 29, quando espera-se que o Brasil avance com um novo compromisso mais ambicioso à Convenção do Clima e apresente mais detalhes do Plano Clima. Também são aguardados dados da taxa oficial do desmatamento e uma nova estimativa de emissões, ainda que extra-oficial, para 2023. Uma nova estimativa oficial também será divulgada até o final de 2024, mas relativa ainda ao ano de 2022.
Coluna vertebral da política climática, o Plano Clima segue em elaboração no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), composto por 23 ministérios e presidido pela Casa Civil. Câmaras de participação social, articulação interfederativa e assessoramento científico, criadas em junho, seguiam sem integrantes definidos. Há sinais de dificuldade na pactuação de metas setoriais para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Pontos de atenção
Caberá ao Plano Clima, em suas estratégias e planos setoriais de mitigação e adaptação, dizer como o Brasil chegará às emissões líquidas zero em 2050. O Instituto Talanoa defende que seja estudada a antecipação dessa meta, assim como um alinhamento imediato às recomendações do primeiro Balanço Global e compromissos claros com a adaptação às mudanças climáticas na NDC brasileira.
Sem precedente na história brasileira, o Plano Clima tem como objetivo geral “orientar, promover, implementar e monitorar ações coordenadas que visem à transição para uma economia com emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050 e à adaptação à mudança do clima de sistemas humanos e naturais, por meio de estratégias de curto, médio e longo prazo, à luz do desenvolvimento sustentável e da justiça climática”.
Trajetória das emissões brasileiras 2005-2050
A modelagem que orienta a elaboração do Plano Clima considera que os setores de mudança do uso da terra e de energia já terão emissões negativas de gases de efeito estufa a partir de 2040, ou seja irão capturar mais carbono da atmosfera do que o total de suas emissões. Isso porque seria impossível zerar, mesmo em 2050, emissões de metano da pecuária, de óxido nitroso da agricultura e de dióxido de carbono de parte dos processos industriais. A partir de 2040, um volume grande de captura de CO2 teria de vir de processos de restauração florestal e de produção de biocombustíveis com captura de carbono.
Projeções do Plano Clima (em elaboração)
Sumário
Em um ano marcado pela construção de uma primeira etapa do Plano Clima e de um novo compromisso a ser submetido à Convenção do Clima da ONU, a agenda climática brasileira registra muitas expectativas e poucos avanços às vésperas da COP 29, em Baku.
Entre as expectativas, há a apresentação de uma nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada), ainda em novembro. Não se sabe em que medida o novo compromisso na Convenção do Clima da ONU será mais ambicioso que o atual e se a nova NDC estará alinhada aos objetivos de conter o aquecimento global em 1,5 grau Celsius. O Brasil é o sexto maior emissor histórico de gases do efeito estufa, num cenário de emissões globais crescentes e altas chances de o planeta ultrapassar dois graus de aumento de temperatura em relação ao período pré-industrial.
Entre os setores que mais emitem gases de efeito estufa no Brasil, resultados expressivos em 2024 devem depender exclusivamente do combate ao desmatamento, sobretudo na Amazônia, já que o Cerrado continua perdendo vegetação nativa de forma acelerada. Na agropecuária e na energia, setores que também emitem grandes parcelas de gases de efeito estufa, os avanços foram pequenos, como se verá.
Até dezembro, o Brasil submete à UNFCCC o primeiro Relatório Bienal de Transparência (BTR na sigla em inglês), baseado no inventário de emissões de 2022 e a expectativa, nesse caso, não é das melhores: há risco de o país não alcançar a meta de reduzir as emissões para 1,32 GtCO2e em 2025.
Em 2024, aumentaram os gastos públicos para financiar a descarbonização e sobretudo para conter danos dos desastres climáticos. Só para remediar a devastação no Rio Grande do Sul foram gastos mais R$ 55 bilhões do Orçamento da União. Um plano de enfrentamento da emergência climática chegou a ser anunciado em junho em pronunciamento da ministra Marina Silva, mas ainda não veio a público. O plano foi mencionado em setembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto com o anúncio de criação de uma autoridade climática, que tampouco se materializou.
Avançou a construção do Plano Clima, principal eixo da política climática brasileira. Está em consulta pública até o dia 13 de novembro a Estratégia Nacional de Mitigação. O texto dimensiona a grande vulnerabilidade do país a eventos extremos, como ondas de calor, secas, enxurradas e deslizamentos de terra e propõe diretrizes para garantir a produção de alimentos e de fornecimento de energia, em grande parte também dependente do regime de chuvas, além de justiça climática, num cenário em que eventos climáticos podem levar mais 3 milhões de brasileiros à extrema pobreza a partir de 2030 e o custo de inação é estimado em 1,8 trilhões no PIB até 2050.