É tão Bonn, mas não é bom

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foto: Ben Abraham/Instituto Talanoa

Foram 30 horas negociando o que negociar. Assim começou esta semana. As dificuldades para estabelecer a agenda formal da 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) dão uma prévia do tamanho do desafio do Brasil para conduzir o processo em direção a resultados bem sucedidos em Belém. As chamadas Reuniões Climáticas de Junho em Bonn, na Alemanha, ajudam a dar a temperatura dos ânimos de negociadores e outros atores que moldam os caminhos de uma COP. 

As discussões iniciais mostraram que as manifestações de países em desenvolvimento após a batida do martelo em Baku continuam a ecoar. O dinheiro disponível hoje é parco, a meta estabelecida é insuficiente, e a conta só continua a aumentar. Esse descompasso afeta em maior intensidade quem já está para trás. O financiamento climático segue como item de embate. A Bolívia, em nome dos Países em Desenvolvimento com Ideias Semelhantes (LMDCs), havia solicitado incluir na agenda a implementação do Artigo 9.1 do Acordo de Paris (apoio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento para ação climática). O pedido acabou por cair, de item de agenda a uma nota de rodapé, mas levou consigo um tempo precioso em Bonn. Bem lembrou o secretário-executivo da UNFCCC, Simon Stiell, a demora para definir a agenda formal não condiz com a urgência que vivemos.

O que também não condiz com os tempos que vivemos e o caminho que queremos percorrer a Belém é mais um leilão de blocos para exploração de petróleo promovido no Brasil, incluindo áreas na Foz do Amazonas. Mesmo sem blocos licenciados e em operação na região, a nova frente atraiu o interesse do mercado, incluindo empresas internacionais (leia mais na seção Brasil). Mais uma vez, apontamos as incongruências de buscar liderar um processo global de negociações que requer legitimidade – conquistada por coerência e embasada em ciência – e, em nível nacional, praticamente ajudar a colocar lenha na fogueira do aquecimento global. Internamente, ainda temos o Congresso, que derruba veto para devolver jabuti térmico ao Marco Regulatório das Eólicas Offshore (leia mais na seção Brasil).

Mas de Bonn pode vir notícia boa nos próximos dias. Há sinais de que as negociações sobre adaptação avançam, especialmente em relação aos indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA, na sigla em inglês). Este é um dos pontos que precisam trazer bons resultados em Belém. A delegação da Talanoa que acompanha as negociações na Alemanha seguirá trazendo informações diariamente, no Blog da Política por Inteiro e também no nosso canal no WhatsApp.

Boa leitura e bom feriado!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Entender como está funcionando a estrutura da Presidência da COP30 e como ela se articula com os negociadores brasileiros não é tarefa simples. O Brasil trouxe algumas inovações na organização da Conferência das Partes, como os Círculos de Lideranças e os enviados especiais. Em Tá Lá no Gráfico especial, desenhamos essas engrenagens. Se você acompanha este boletim, deve ter visto já na última edição o Quem é quem na COP30, mas colocamos aqui novamente porque o material foi atualizado desde a última sexta-feira. E, provavelmente, terá novos aprimoramentos até Belém, conforme forem chegando mais gente no espírito do mutirão global convocado pela Presidência brasileira.

FRASE DA SEMANA

“É impossível seguir indefinidamente com um modelo de crescimento baseado nos combustíveis fósseis”.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao discursar na sessão ampliada da Cúpula do G7, na terça-feira, no Canadá, mesmo dia em que 47 blocos para exploração de Petróleo na Foz do Amazonas eram leiloados no Brasil. Foto: Ricardo Stuckert/PR

ABC DO CLIMA

Baku to Belém Roadmap to 1.3T: O Roteiro de Baku a Belém para US$ 1,3 trilhão foi estabelecido pela Decisão 1/CMA6, na COP29, no Azerbaijão, em 2024. O texto acordado conclamou todos os atores a trabalhar juntos para possibilitar que o financiamento climático aos países em desenvolvimento, proveniente de todas as fontes públicas e privadas, alcance ao menos US$ 1,3 trilhão por ano até 2035. E também estabeleceu que o B2BR (na sigla em inglês usada comumente nas conversas do ecossistema da UNFCCC) seria conduzido pelas Presidências das COPs29 e 30 (Azerbaijão e Brasil), em consultas às Partes, cujos resultados devem ser expressos em um relatório, com a conclusão do trabalho em Belém. Em Bonn, na SB62, nesta semana, ocorre parte dessas consultas. A demora para a formalização da agenda de negociações impactou esse processo, que estava previsto para se iniciar no primeiro dia de reuniões, na segunda-feira (16), e só começou na quarta (18).

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Nosso Monitor de Atos Públicos captou apenas 4 atos relevantes para a política climática nesta semana mais curta. A classe mais captada foi Planejamento, com 2 atos, incluindo a divulgação da Agenda Regulatória do Ibama para 2025. Já o tema mais frequente da semana foi Institucional, também com 2 normas, entre elas a prorrogação do prazo do grupo de trabalho, instituído pelo Conselho Nacional de Política Energética em 2024, para estudar diretrizes de mercado para combustíveis aquaviários e de aviação.

BRASIL

Quem dá mais?

Na terça-feira (17), ocorreu o 5º Ciclo de Oferta Permanente de Concessão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Apesar da mobilização da sociedade civil, de entidades ambientalistas e sindicais e do Ministério Público Federal, os blocos da Foz do Amazonas permaneceram incluídos na oferta, assim como as outras áreas de sensibilidade socioambiental, como a Bacia dos Parecis e a Bacia Potiguar.

Dos 172 blocos ofertados, 34 foram arrematados – sendo 19 de 47 daqueles localizados na Foz do Amazonas; e 1, e sem concorrência, dos 21 blocos disponíveis nos Parecis, localizado no Alto Xingu. Nenhum bloco da Bacia Potiguar recebeu oferta, a área é considerada de alta sensibilidade ambiental.

Das nove empresas vencedoras, destaque para a chinesa CNPC, que em consórcio com a Chevron, venceu a Petrobras em todas as disputas que entrou, o que foi visto pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) como perda de controle sobre as áreas sensíveis e ameaça à soberania energética.

Ligada ao setor do agronegócio e novata no petróleo, a Dillianz foi responsável por arrematar o único bloco do Parecis, que não tinha oferta desde 2008. Há proximidade dos blocos com Terras Indígenas, e a exploração dessas áreas tem influência direta nas populações locais, que não foram consultadas sobre o leilão. A ANP relata que segue as diretrizes e que as áreas protegidas estão a mais de 10 km da área a ser explorada.

Já no bloco 59, segue o impasse técnico e político da licença ambiental, vista como um possível atrativo para o leilão, caso tivesse ocorrido a tempo. Diante da indefinição do processo, e na tentativa de moldar a opinião pública e o apetite do mercado, a Petrobras anunciou as preparações para o simulado de emergência, liberado pelo Ibama, que deve acontecer em julho. A sonda já saiu do Rio de Janeiro e deve chegar à costa do Amapá ainda neste mês. Esta seria a última etapa necessária para a conclusão do licenciamento.

O leilão concedeu 40% dos blocos da Foz do Amazonas, arrecadando R$845 milhões, e atraindo multinacionais – mesmo sem garantia de licença ambiental. O arremate de 19 blocos na região superou a expectativa para uma região ainda pouco explorada e sem a garantia da licença. Em todos os blocos, houve disputa – diferentemente do caso dos 21 blocos da região sensível do Alto Xingu, com apenas uma oferta para um bloco. A mobilização em torno da incoerência da política energética de Lula ainda não foi suficiente para evitar que governo e mercado continuem colocando suas fichas no petróleo.

Vetos vetados e a soltura dos jabutis

O Congresso Nacional realizou uma sessão de análise dos vetos nesta semana. Ao todo, 12 vetos do presidente Lula foram derrubados. Como consequência, textos importantes para transição energética foram afetados, como o Marco Regulatório da Energia Offshore, do Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) e do Programa Mover. Os “jabutis” vetados na regulamentação da energia offshore foram devolvidos ao texto pelos parlamentares, o que deve ser refletido no aumento da conta de luz e na dinâmica das energias renováveis no setor elétrico. Outros 30 vetos tiveram sua análise adiada.

MUNDO

Faça o que eu digo, mas…

Lula falou bonito na Cúpula do G7, reunida no Canadá. O Brasil foi um dos poucos países não-membros a ser convidado do encontro com os mais ricos do mundo. Com tema da segurança energética em destaque, o presidente Lula fez da transição energética a protagonista de seu discurso, sendo mencionada desde a primeira frase. Ele afirmou que o combate à crise climática exige um esforço coletivo, criticou a lentidão global na diversificação da matriz energética e enfatizou a urgência de ações para romper com a dependência de combustíveis fósseis. E, claro, exibiu nossa vitrine de energia limpa, onde brilham mais forte os 90% de energia renovável na composição da matriz elétrica. 

Falou também que o mundo não pode falar de transição energética sem trazer o Brasil pra mesa porque, segundo ele, o país tem uma das maiores reservas de minerais estratégicos do mundo. Sem poupar os anfitriões ricos do G7, Lula atacou as disputas geopolíticas que usam esses recursos como moeda de troca: “Não seremos palco de corridas predatórias”. O presidente brasileiro também voltou às críticas feitas na França, há duas semanas, quando questionou a fragilidade da ONU no processo de implementação de acordos firmados na Convenção do Clima, destacando que, apesar do não cumprimento – e até recuo – dos compromissos de financiamento climático, o mundo segue aumentando as cifras depositadas em guerras: “Isso mostra que é vontade política – e não dinheiro – o que está em falta”, disse. 

Tudo bastante bonito e motivador – mas só para quem não acompanha a novela do licenciamento da exploração de petróleo na Foz do Amazonas e a expansão de novas frentes para extração fósseis, como mencionado acima sobre os leilões desta semana.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou apenas 3 atos nesta semana, que impactaram 46 municípios brasileiros. A Estiagem segue como principal evento recorrente, principalmente na Região Nordeste, assim como os episódios de Seca, que caíram drasticamente em relação ao mês de maio, mas se mantêm constantes.  Inundações e chuvas intensas foram registradas nos estados amazônicos, principalmente no Amazonas e no Pará. A situação de inundação ocorre nos municípios próximos ao Rio Solimões, que está em situação de alerta.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA POR AÍ

A equipe da Talanoa participa da Conferência de Bonn, na Alemanha, onde acompanha a agenda de negociações formais, realiza encontros bilaterais e está em eventos com outras organizações. Diariamente, nossos especialistas reportam o avanço das reuniões, principais decisões e impasses. As atualizações e análises estão disponíveis em nosso blog e também podem ser acompanhadas por meio do canal da Política por Inteiro no WhatsApp.

Na foto, o especialista em Políticas Climáticas Caio Victor Vieira participa do workshop sobre Transição Justa.
Consulta Roadmap Baku-Belém. Foto: Ben Abraham/Instituto Talanoa

Em Nairóbi, no Quênia, a presidente da Talanoa, Natalie Unterstell, esteve no workshop “O caminho até a COP30: contruindo um mutirão global”. A apresentação foi parte do TED Countdown Summit 2025, evento que reuniu inovadores globais, executivos de negócios, cientistas, formuladores de políticas, líderes da próxima geração, artistas, ativistas em prol do compromisso comum de construir um futuro mais brilhante.

TALANOA NA MÍDIA

ExameNatalie Unterstell, presidente da Talanoa, se manifestou sobre o leilão dos blocos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, lembrando que a decisão agride a esperança em um futuro com aquecimento global contido.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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