(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

A gente ainda nem se refez do baque da aprovação do Projeto de Lei sobre o esfacelamento do licenciamento ambiental no Senado, e já está com as preocupações direcionadas para o leilão de energia na próxima semana. Trata-se de 172 blocos para exploração de petróleo & gás fóssil – 47 deles na região conhecida como Foz do Amazonas.
Se é premeditado ou não, não sabemos, mas aconteceu de novo: a (mau) exemplo do que já havia feito em maio, Magda Chambriard, presidente da Petrobras, atacou novamente. Segundo a Folha, ela afirmou não ter “vergonha de produzir petróleo”. Do ponto de vista de se ter espírito público, parte do debate sobre expansão de fósseis talvez devesse mesmo ser sobre sentir vergonha ou não. Acontece que o buraco é quilômetros mais embaixo…
Com um pouco de análise do discurso, as coisas ficam mais claras: existe uma diferença – a nosso ver, brutal – entre afirmar que a exploração de petróleo é uma necessidade de momento, porque o mundo (ainda) é baseado em energia fóssil, versus dizer com entusiasmo que se tem orgulho de produzir petróleo. Depois de a humanidade ter evidências científicas tão sólidas, a segunda abordagem exprime uma mórbida satisfação em alimentar ainda mais a desordem climática. Traduzindo para a linguagem do clima: a escolha por uma das duas abordagens indica se transição energética é encarada com compromisso ou usada com desfaçatez. Ainda que ambas sejam usadas como desculpas para não fincar de vez um limite à exploração dos fósseis.
Até quando pessoas em posições estratégicas para o mundo, mesmo tendo à disposição toneladas de dados de qualidade, gerados com rigor científico, ainda vão falar em desenvolvimento como se estivéssemos nos anos 1970?
Alguém – com razão prática – há de dizer: “ah, mas esse pessoal não liga pra ciência, está mesmo preocupado é com lucro, e reparti-lo aos acionistas”. Ok. O interessante é que também nesse caso é bola fora: tanto na perspectiva mercadológica, olhando para o caminho daqui até 2030, quanto de saúde financeira da Petrobras a longo prazo. Os volumosos investimentos realizados pela empresa em infraestrutura voltada a prospecção, exploração, produção e distribuição de combustíveis fósseis encontram-se cada vez mais expostos ao risco de desvalorização prematura, em razão do fortalecimento de políticas de descarbonização pelo mundo e, com ele, das mudanças de dinâmica dos mercados internacionais. O encalhamento desses ativos pode acarretar repercussões fiscais expressivas (em pleno contexto de necessidade de equilíbrio fiscal), comprometer as receitas públicas e gerar efeitos adversos sobre o mercado de trabalho, sobretudo nos setores mais dependentes da indústria fóssil. Isso mina também a reputação do Brasil em matéria de política internacional, já que se queima parte de um soft power útil para “arrastar pelo exemplo” os países-membros da Convenção do Clima.
“Ahh, mas agora é bom para o governo arrecadar…”. E quem disse que essa conta fecha, a médio prazo, que seja? A persistência na alocação de recursos públicos e privados em ativos fósseis suscetíveis ao encalhe é no mínimo questionável, porque o país gasta – e, nessa pegada, seguirá gastando – cada vez mais com remediação, reconstrução e um buraco sem fundo de demandas públicas geradas por eventos climáticos, solenemente ignorados. Nesse contexto, mais do que oportuno, é imperativo que a empresa redirecione os fluxos de investimento para fontes renováveis de energia e tecnologias de baixa emissão, se é que ela ainda deseja relevância no futuro.
Vale lembrar: a Agência Internacional de Energia (AIE) projeta queda no consumo global de fontes fósseis a partir de 2030. Ou seja, a Petrobras estará em plena contramão, numa via movimentada, em que governos e corporações devem acelerar em direção a emissões líquidas zero. Resumo da ópera da situação do Brasil neste momento: há pouquíssima gente ganhando em curto prazo, para todo o restante perder, desde agora, e no futuro. É ou não é uma questão de ter vergonha?
Não se trata apenas de o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o Ministério de Minas e Energia (MME), o presidente Lula e a Petrobras responderem à altura das urgências impostas pela crise climática, mas também fazerem escolhas pautadas pela racionalidade econômica e pelo princípio do interesse público. Mesmo em um governo de frente de amplos interesses, ainda é possível encontrar quem sue a camisa por esses dois, em Brasília.
Lucros que provenham de atividades que intensifiquem a mudança do clima não vão parar de pé. Serão drenados pela conta da crise que já chegou. E isso vale para empresas, governos e cidadãos, que lidam com reveses que já os impedem de fechar no azul. Se até para o Fórum Econômico Mundial, o salão nobre do capitalismo global, isso é tão claro, o que falta?
O orgulho de explorar petróleo não é racional. Muito menos sustentável política, econômica e climaticamente.
Desta vez, não vai dar para o Executivo dizer que a culpa é do Parlamento. E agora?
Boa leitura!
O QUE ESPERAR DE BONN
E agora vem Bonn. Nas próximas duas semanas, delegados de quase todas as Partes (quase todas porque os Estados Unidos anunciaram que não vão aparecer) se reunirão nas Reuniões Climáticas de Junho, na Alemanha, onde interligarão os resultados da COP29 ao que deve avançar na COP30. Os encaminhamentos em temas estratégicos na 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários (SB62, na sigla em inglês) são fundamentais para uma rota bem sucedida a Belém.
A delegação da Talanoa acompanhará os desdobramentos com informações diretamente de Bonn. Quatro pontos estão entre os mais relevantes para se observar. Acesse nossas análises sobre eles e entenda a importância de cada tópico:
Financiamento da Adaptação: sem um lócus específico na agenda de negociações, será fundamental que o tema atravesse tanto os itens sobre financiamento quanto os de adaptação, para que seja costurado um “Pacote” de Belém.
Financiamento: o tema deve avançar com a finalização do Diálogo de Sharm El-Sheikh e a necessidade de definição de novos passos para a implementação do artigo 2.1c do Acordo de Paris, que trata da meta de “tornar os fluxos financeiros consistentes com um caminho de baixas emissões de gases de efeito estufa e de desenvolvimento resiliente ao clima”.
Os indicadores do GGA: Seguindo o mandato de Baku na COP29, o grupo global de 78 especialistas precisa reduzir a lista inicial de mais de 9.000 indicadores para um conjunto final de no máximo 100. O relatório final apresentado no mês passado conseguiu um avanço significativo, mas a lista ainda contém 490 indicadores.
Os resultados do Balanço Global: Os países precisam avançar para responder ao primeiro Global Stocktake (GST), finalizado na COP28, considerando seu ciclo de cinco anos. Ou seja, são necessárias respostas robustas antes do novo balanço, em 2028, para que ele não se torne uma mera ferramenta de diagnóstico. Para o Brasil alcançar sua ambição de que a COP30 seja a COP da implementação, terá de avançar com a transição para longe dos combustíveis fósseis; a implementação em larga escala de combustíveis de transição; e o fim do desmatamento até 2030.
Para acompanhar os eventos mandatados em Bonn, incluindo os convocados pela Presidência da COP30, acesse a agenda oficial.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Às vésperas da 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários (SBs) da Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em Bonn, onde serão abertos os caminhos para decisões da COP30, o Tá Lá no Gráfico traz um mapeamento de como estão organizadas até aqui a estrutura da Presidência da conferência e a delegação do Brasil. É um panorama para ajudar a navegar mostrando as pessoas e o temas relevantes dessas negociações e das agendas de ação e mobilização, que incluem questões como: finalização dos indicadores do Objetivo Global de Adaptação (GGA), transição justa, Roteiro Baku-Belém para mobilizar US$ 1,3 trilhão em financiamento climático, entre outras.
FRASE DA SEMANA
“A gente não tem vergonha de produzir petróleo. Pelo contrário, nos orgulhamos de produzir petróleo”.

ABC DO CLIMA
SBs, SBSTA e SBI: São as siglas em inglês para subsidiary bodies (“corpos de sustentação”, em livre tradução), Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice (SBSTA) e Subsidiary Body for Implementation (SBIs). Os SBs são os órgãos subsidiários permanentes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), responsáveis por apoiar tecnicamente as Partes (os países) na implementação, acompanhamento e desenvolvimento das decisões adotadas no âmbito da UNFCCC e do Acordo de Paris.
São dois SBs: o SBSTA, voltado para assessoria científica e tecnológica, e o SBI, voltado para apoiar a implementação dos acordos. Ambos são liderados por chairs rotativos, que trabalham para garantir que as negociações sejam cientificamente embasadas e estejam ancoradas em processos bem definidos. As sessões dos SBs ocorrem duas vezes ao ano: nas reuniões interseccionais (Reuniões Climáticas de Junho) em Bonn, na Alemanha, e na Conferência das Partes (COP).
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Nosso Monitor de Atos Públicos captou 12 atos relevantes para política climática nacional nesta semana. O tema mais frequente foi Terras e Territórios, com 5 atos. Já a classe mais captada da semana foi Regulação, com 9 normas, impulsionada por reconhecimentos do Incra, das reservas extrativistas e florestas nacionais para a inclusão das comunidades no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
Ministério da Agricultura reconhece que crise climática não é “café pequeno”
Em uma portaria publicada nesta semana, ao discriminar para onde vão os R$ 7,2 bilhões do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) para o ano-safra 2025/26, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) reconhece a crise climática como um risco à produção do café nacional. A norma determina que “linhas com menor aplicação” serão candidatas a “ceder recurso” para sanear situação de emergência decorrente de “perdas por intempérie climática” causadas aos produtores, a título de suplementação. O valor bilionário havia sido deliberado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), em resolução de maio.
O Funcafé, criado em 1986 (pré-Constituição Federal portanto, razão pela qual teve de ser ratificado anos depois) para financiar a produção nacional do gênero, havia recebido destinação de R$ 6,8 bi no ano-safra 2024/25, o que significa um incremento atual de 4,4% do financiamento nacional para o gênero. É cada vez mais dinheiro para uma produção que não necessariamente virá no volume e na qualidade desejados, posto que mais vulnerável ao risco climático.
Atualmente, o consumo nacional de café já enfrenta ameaças devido à redução da oferta interna e também a de grandes exportadores, como Vietnã e Indonésia, por causa da seca e das altas temperaturas, explica um economista e professor da USP. Com menor oferta, os preços se elevam.
Vem aí o decreto regulamentador do PSA!
Em edição extra do Diário Oficial no último final de semana, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) abriu a consulta pública sobre o decreto que regulamentará a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), criada por lei em 2021. A medida era aguardada desde 2023.
A PNPSA objetiva manter e ampliar tanto os serviços ecossistêmicos (aqueles prestados gratuitamente pela Natureza) quanto os ambientais (prestados por indivíduos e/ou comunidades) que garantam as bases de nossa própria existência e da reprodução social, cultural e econômica do Brasil. Para isso, o PSA funciona como uma “caixa de ferramentas” que se vale de instrumentos econômicos (monetários ou não) que estimulem comportamentos compatíveis com a conservação, evitando emissões e tornando possível nossa adaptação climática.
A PNPSA é, assim, um tecido fundamental na colcha de políticas ambiental, climática e de desenvolvimento econômico no Brasil, e seu sucesso viabilizará políticas de referência como PPCDAm (combate ao desmatamento), ABC (agricultura de baixo carbono), Safra, Planaveg (recuperação de vegetação), Plano Clima (mitigação e adaptação), PMIF (manejo do fogo), entre outras, além do próprio Plano de Transformação Ecológica (“Novo Brasil”), tido pelo atual governo como o esteio do desenvolvimento nacional de longo prazo.
A consulta já está aberta (aqui) e vai até o dia 20 de julho.
A coordenação dos trabalhos é do Departamento de Políticas de Estímulo à Bioeconomia (DPEB), ligado diretamente à Secretaria Nacional de Bioeconomia (SBC), no MMA. Dentro do DPEB, a Coordenação-Geral para PSA responde pelo assunto.
Banco Central reduz o sarrafo preocupado com “eventos meteorológicos adversos”
Nesta semana, o Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou o Manual de Crédito Rural para que o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) cubra produtores situados somente até R$ 200 mil de custo anual (antes, o teto era R$ 270 mil), ao mesmo tempo em que estabelece que “evento meteorológico adverso” seja “fator de alteração” da cobertura do seguro. A ideia, segundo a Agência Brasil, é que, ao baixar o teto, as indenizações realizadas pelo Proagro possam cobrir uma maior quantidade de produtores rurais, principalmente os afetados por eventos climáticos extremos.
Já é o 2º sinal, em poucos dias, de regulações preocupadas com o clima e ligadas ao setor agropecuário, vide o caso do Funcafé (nota sobre o MAPA, acima nesta mesma seção).
Vão se institucionalizando preocupações com o clima (que é o certo).
MUNDO
Conferência da ONU sobre oceanos em Nice
Ocorreu nesta semana em Nice, na França, a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3), espaço multilateral para discutir a governança global dos oceanos e a implementação de acordos pela proteção e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos, guiada especialmente pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 – “Vida na Água”.
A presença ativa do Brasil na França é fruto de um processo de aproximação política entre os presidentes Lula e Emmanuel Macron. Esse “romance” rendeu anúncios importantes de ambição climática e ambiental, como o lançamento do desafio NDC Azul, iniciativa endossada também por Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau e República das Seychelles, e que faz um chamado para inclusão da metas de proteção aos oceanos nas NDCs dos países.
Por outro lado, a aproximação também respingou em tensões domésticas, ao ponto de Macron declarar que “a exploração de petróleo na Foz do Amazonas não é boa pro clima”, após reunir-se com o Cacique Raoni.
A relação entre mudanças climáticas e oceanos é evidente, já que o aumento do nível do mar e o aquecimento das águas é uma das principais consequências da elevação global da temperatura. Só em maio de 2025, o degelo na Groenlândia foi 17 vezes mais rápido que sua média histórica. Desde 2005, a taxa de aquecimento do oceano quase dobrou desde 2005 (reveja o Tá Lá no Gráfico A grande onda de calor). No Brasil e no mundo, processos de erosão e branqueamento de corais se intensificam de maneira sem precedentes.
Atualmente, apenas 3% dos territórios marinhos estão efetivamente protegidos, enquanto a meta estabelecida na COP 15 da Biodiversidade é de proteger ao menos 30% dos oceanos até 2030. O Brasil se prepara para avançar no Planejamento Espacial Marinho (PEM), instrumento de governança e gestão dos recursos do mar e costeiros, fundamental para o alcance das metas climáticas e da efetivação da NDC Azul.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou apenas 3 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que impactaram 14 municípios. As tipologias Estiagem, com metade das ocorrências, e Seca predominaram. Chuvas intensas ocorrem pontualmente, nas regiões Norte e Sul.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
Mongabay | A especialista sênior da Talanoa Marta Salomon conversa com a Mongabay sobre as salvaguardas necessárias para garantir que o aumento da demanda por minerais críticos para a transição energética não atropele a proteção socioambiental de povos, comunidades e ecossistemas. |
Climate Home News | O especialista em políticas públicas para a Amazônia da Talanoa, Wendell Andrade, explica ao portal Climate Home News sobre o imbróglio envolvendo comunidades tradicionais, o governo do Pará e as expectativas sobre créditos de carbono no estado. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO