(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Não tem como resumir esta semana sem falar no papelão institucional, moral e civilizacional protagonizado pelo Congresso. Imagine você, uma Casa que a todo momento pede respeito para o Executivo e para o Judiciário emplacar um assombro medieval ao vivo, diante de uma servidora pública, mulher, preta, amazônida, pra todo mundo ver. A que ponto chegamos?
O episódio, ocorrido na terça, 27, teve forte repercussão, e só ocorreu porque a ministra foi, republicanamente, atender a um convite feito pelo próprio Parlamento, para explicar a criação de Unidades de Conservação (UCs) na costa Norte do país, a mesma em que se cobiça o destravamento de mais e mais carbono para aumentar a temperatura do planeta. Muito embora Marina tenha sido categórica antes, durante e depois da sessão quanto ao fato de as UCs não interferirem no assunto petróleo, naquela região, parlamentares insistem em replicar falácias e meias-verdades para, quem sabe, abocanhar reeleição em seus respectivos redutos.
O episódio protagonizado pelo Parlamento promoveu uma vergonha tão aguda que o assunto furou bolhas no debate público. O que se viu nos dias seguintes foi uma mobilização de personalidades de diferentes áreas em defesa de Marina.
Alguém, por favor, avise que, quando alguém diz respeitar só parte de alguém, está desrespeitando o indivíduo por completo.
Regredimos ao ponto de ter que lembrar a um Senado Federal, a casa das Unidades da Federação, que parlamento é o espaço do debate, da proposição de ideias dentro de um espaço democrático. E que não há debate – nem democracia – se o respeito ao interlocutor não é uma premissa.
O debate não se restringiria a petróleo ou marco legal do licenciamento. Tudo está interligado, e o senador Omar Aziz (AM) tratou logo de demonstrar isso durante a audiência. Em tom provocativo, bradou contra a ministra pela viabilização da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), no que Marina, em resposta, reforçou posição que já havia manifestado em 2024: de que não é contra a rodovia, desde que garantidas sua viabilidade econômica, técnica e social. Afinal, não se trata de uma área trivial, mas de região sensível no meio do bioma Amazônia, razão pela qual o empreendimento deve demandar cuidados e garantias socioambientais. Vale lembrar o potencial da BR-319 em impactar diretamente 40 terras indígenas e 38 unidades de conservação ao longo de sua extensão.
Resoluto no desejo de descumprir frontalmente o Pacto pela Transformação Ecológica entre os Três Poderes que assinou, em agosto de 2024, o mesmo Senado tratou de fazer caminhar, logo no início da semana, o Projeto de Lesa-pátria que busca avacalhar o licenciamento ambiental – aprovado pelo Plenário do mesmo Senado, dias antes. O PL do Licenciamento Ambiental, que virou o PL da Devastação, voltou à Câmara. Hugo Motta, presidente da Casa, porém, afirmou a representantes da sociedade civil e da Frente Parlamentar Ambientalista que vai devagar com o andor. “Esse projeto demorou dois anos para ser votado na Câmara, demorou dois anos no Senado. Não vou colocar para votar em dois dias”, disse, mostra relato do Instituto Socioambiental sobre a reunião.
A ver. Em tempos em que as animosidades entre os Poderes estão a toda, o “só acredito vendo” já nem é mais suficiente. O “eu vendo, não acredito” parece ser o modus operandi da República nessa quadra da História.
E de novo, mais uma vez, over and over again… O Parlamento vai se encaminhando para desperdiçar mais uma chance de demonstrar empenho no enfrentamento à mudança do clima, supostamente uma de suas prioridades institucionais desde o Pacto. O Judiciário conseguirá manter a balança equilibrada em prol do acordo firmado pelos Três Poderes? Ou tentará conciliar afrontas à Constituição, a exemplo do marco temporal?
A corda talvez esteja esticando tanto que tenha conseguido romper a barreira que faz geralmente projetos de lei e bate-bocas no Congresso afetar somente os círculos de quem se interessa pela “chatice” política. Na Conferência Nacional do Meio Ambiente, no início do mês, foi frisada a necessidade de defender o que o Brasil construiu a duras penas nas últimas décadas pela proteção de nossos biomas e da gente que neles e deles vive. Numa semana, o PL da Devastação (ou do licenciamento reborn), na outra, os ataques a Marina Silva. O Congresso está a serviço de quem? Como o país que sediará a simbólica COP30, na Amazônia, quer ser uma liderança global?
Vários atos foram convocados em diferentes cidades do país para dizer não ao PL da Devastação, – muitos no domingo (1º), chamados pelas redes sociais. As ruas podem mostrar que o espírito do mutirão global por ação climática nascerá como todo bem sucedido mutirão, das pessoas que arregaçam as mangas e trabalham unidas por si e por todas e entendem seu lugar na História.
Boa leitura!
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Nesta semana, o Tá Lá no Gráfico mostra o que são e como funcionam as Unidades de Conservação (UCs). Com histórico de criação das áreas protegidas, a narrativa gráfica mostra desafios e discursos políticos que devem ser desconstruídos para que a dicotomia entre a conservação da natureza e o progresso econômico seja superada.
FRASE DA SEMANA

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, na Comissão de Infraestrutura do Senado, onde respondeu com firmeza a ataques de parlamentares até se retirar, após 3h de sessão. Ela decidiu deixar a audiência depois de um dos senadores afirmar que não a respeitava como ministra. Antes, já havia escutado frases como “se ponha no seu lugar. Ilustração sobre foto de José Cruz/Agência Brasil.
ABC DO CLIMA
Mapa do Caminho Baku-Belém para US$ 1,3 trilhão: Oficialmente conhecido como Baku to Belém Roadmap to 1.3T, é uma iniciativa lançada no parágrafo 27 da decisão 1/CMA.6 durante a COP29, realizada em 2024 no Azerbaijão. Trata-se de um desdobramento da chamada Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG), de US$ 300 bilhões anuais, e que busca a necessidade de fazer saltar para, pelo menos, US$ 1,3 trilhão anuais, até 2035, em financiamento climático, para países em desenvolvimento. Os relatórios sobre o Mapa do Caminho serão apresentados conjuntamente pelas presidências da COP29 e COP30, não sendo um item negociável de agenda.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
Nosso Monitor de Atos Públicos captou 13 atos relevantes para política climática nacional nesta semana. A classe mais frequente da semana foi Resposta, com 5 atos, a maioria referente ao emprego ou prorrogação da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Funai. Já o tema que mais apareceu foi Terras e Territórios, com 6 atos, incluindo a criação de dois projetos de assentamentos nos estados do Pará e Tocantins.
CMN eleva o tom sobre linha de financiamento para reconstrução pós-desastres
Nesta semana, o Conselho Monetário Nacional (CMN) promoveu alterações na regulação sobre o emprego de recursos financeiros do Fundo Social (FS) – nascido para investimentos sociais a partir de receitas geradas pela exploração de Óleo & Gás no Brasil. A nova regra determina que tomadores de empréstimos para “ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas” e de “enfrentamento de consequências sociais e econômicas de calamidades públicas” que não atinjam o compromisso de manter ou ampliar o número de empregos existentes anteriormente à calamidade pública devem perder as condições especiais desse tipo de financiamento.
Segundo a norma, essa perda pode ocorrer em dois graus distintos, já que os tomadores são auditados em pelo menos dois momentos:
- 1) “Pós-12 meses” (da contratação do empréstimo): se a empresa não manteve ou não ampliou o total de empregos, os encargos financeiros – outrora especiais – da operação passam a ser os convencionais para as parcelas do empréstimo que ainda restarem, ou seja, as parcelas “para frente”;
- 2) “Pós-16 meses”, a persistir o descumprimento, a substituição do regime de encargos passa a valer para as parcelas passadas também (retroação).
Uma análise preliminar indica que pode ser um daqueles casos clássicos de que, “se tem placa, então tem história”. A suspeita é de que, sob pretexto da preocupação com o clima, empresas tenham recorrido ao FS para buscar empréstimos em condições mais favoráveis (talvez em decorrência do desastre gaúcho, já que a norma é de junho de 2024), e se comprometido em gerar empregos, sem, no entanto, terem entregado resultados contratados com os credores, em especial com o BNDES.
Em todo caso, o CMN demonstra estar vivo no lance, o que é um bom sinal para evitar “maquiagens” climáticas.
Emenda daqui, emenda de lá
Vem do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) mais uma norma ministerial regulando uso de Emendas Parlamentares com menções ligadas a clima (na semana anterior havia sido o das Cidades). Desta vez, trata-se de uma atualização da regra de uso instituída no final de 2024, que agora evidencia um MIDR bastante tímido em matéria de clima.
Estabelece que “adaptação às mudanças climáticas” compõe apenas uma das diretrizes para uso de dinheiro de emendas em “projetos estruturantes”. A “prevenção e mitigação para redução de desastres” – o que também pode ser lido como adaptação – até está prevista entre as ações elegíveis, mas não se vê exatamente uma priorização dela na execução das emendas que adentrarem o ministério. Em contrapartida, ações ligadas ao acesso à água (o que é positivo) e pavimentação de cidades (o que merece alerta sobre como se fará, de modo a evitar a impermeabilização do subsolo) se mostram prioridades maiores.
A ver.
É só um GT, mas não deixa de ser um sinal
Nesta semana, o Ministério da Saúde (MS) criou um grupo de trabalho (GT) para estruturar respostas da saúde pública em casos de calor extremo. O GT inclui representantes do MS, como dos departamentos de Vigilância Epidemiológica, Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, o que é um bom sinal, já que as ondas de calor afetam especialmente a saúde dos trabalhadores e intensificam epidemias. Além disso, está incluída também a Secretaria de Saúde Indígena, população especialmente vulnerabilizada em casos de extremos climáticos como este.
BRASIL
Lei do Mar aprovada
A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que cria a Política Nacional para a Gestão Integrada, Conservação e Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho (PNGCMar), também conhecida como “Lei do Mar”. A proposta, em tramitação desde 2013, segue agora para o Senado.
O projeto de lei institui um marco regulatório abrangente e consagra a necessária harmonização entre os vetores econômico, social e ambiental, em consonância com os fundamentos constitucionais da ordem econômica e da proteção ao meio ambiente. Considerada uma vitória por diversos setores econômicos e pelos ambientalistas, a Lei do Mar inova no que tange ao monitoramento da saúde do ecossistema: estabeleceram-se a criação e a contínua supervisão de indicadores de qualidade ambiental específicos ao Sistema Costeiro-Marinho, formulados com fundamento em dados científicos produzidos por instituições de pesquisa reconhecidas, bem como nos saberes tradicionais das populações tradicionais e comunidades locais. Leia mais sobre a Lei do Mar no Blog da Política por Inteiro.
Senado anula demarcação de Terras Indígenas
Na última quarta-feira (28), o Senado aprovou em Plenário o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024, que revoga o decreto presidencial que garantiu a demarcação de duas Terras Indígenas (TIs) em Santa Catarina: Toldo Imbu, do povo Kaingang, e Morro dos Cavalos, do povo Guarani. Além disso, o PDL prevê mudanças no processo demarcatórios de TIs, alterando o Decreto nº 1.775/1996, responsável por definir etapas e responsabilidades no rito demarcatório. Essa revogação paralisaria, por exemplo, processos de demarcação em andamento pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Por outro lado, o PDL se embasa juridicamente na tese do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso Nacional e rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, desafiando o pacto entre os Três Poderes pela transformação ecológica.
A decisão foi amplamente criticada por Funai, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e diversas organizações socioambientalistas da sociedade civil, por violar direitos garantidos no Artigo 231 da Constituição Federal. O PDL segue para a Câmara dos Deputados.
Obrigado, Sebastião Salgado!
Na última sexta-feira, quando já havíamos fechado nosso boletim anterior, o Brasil e o mundo souberam da partida do fotógrafo Sebastião Salgado. Um craque das imagens, Salgado contou histórias com sentimento e senso de realidade afiados, que expuseram desafios de nossa existência e, ao mesmo tempo, uma Amazônia ainda possível. Deixamos registrada nossa homenagem, singela diante do talento e da devoção de Salgado às causas ambiental e climática.

MUNDO
Organização Mundial da Saúde lança Plano para Mudanças Climáticas e Saúde
A OMS aprovou nesta semana seu Plano de Ação sobre Mudanças Climáticas e Saúde (2025 – 2028), apesar dos esforços da Arábia Saudita em postergar essa decisão (e da ausência norte-americana). O plano reconhece a urgência de enfrentar os impactos das mudanças climáticas sobre os sistemas de saúde. Nesse sentido, aponta como objetivos principais a construção de sistemas resilientes, o reforço aos sistemas de alerta precoce e vigilância sanitária, a proteção especial de populações vulnerabilizadas e a integração da saúde como elemento central dos mecanismos de financiamento climático.
Novo relatório da OMM acende (ainda mais) o alerta
Nesta semana, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicou seu “Relatório de Atualização Climática Global da Década (2025–2029)”, com resultados preocupantes. As estimativas do relatório afirmam que há 70% de probabilidade que a média global de aquecimento supere 1,5 °C entre 2025 e 2029. A título de comparação com anos anteriores, essa mesma probabilidade era de 47% no relatório de 2024, e de 32% no referente a 2023. Ainda, e de forma inédita, o relatório estima em 1% a chance de o planeta atingir 2 °C de aquecimento global até 2030.
A média de aquecimento global considerada no Acordo de Paris é calculada em uma perspectiva de longo prazo, com base em períodos de 20 anos. Embora as temperaturas de 2024 já tenham ultrapassado 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais, isso ainda não representa uma média histórica acima do limite estabelecido pelo Acordo. O relatório reforça, mais do que nunca, que o tempo é curto – mas ainda é possível agir para manter o Acordo de Paris vivo, como mostramos em Tá Lá no Gráfico publicado em janeiro: 1,5°C, o limite que ainda podemos evitar.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 10 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que alcançaram 182 municípios. Mais do mesmo em 2025: nada segura a campeã, Estiagem, e sua fiel escudeira, a Seca. Juntas, são as responsáveis por 92% dos desastres detectados na semana. Assim como no Piauí, na semana passada, agora foi a vez de Minas Gerais ter um “decretaço” reconhecido pela Defesa Civil Nacional em 122 municípios, por conta da seca que, dessa vez, não é verde. Essa é a segunda semana seguida que mais de 180 municípios são afetados por desastres.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA POR AÍ
A Talanoa participou do evento COP 30 Roundtable with The Climate Pledge, que discutiu perspectivas das negociações internacionais para conter o aquecimento global. O Climate Pledge é uma iniciativa que reúne mais de 500 empresas com compromissos de Net Zero entre 2040 e 2050. A especialista sênior Marta Salomon participou do painel “Rumo a uma economia verde”. O evento foi promovido pela Casa Jota, em Brasília, e reuniu governo e integrantes do Climate Pledge.

Natalie Unterstell representou a Talanoa na mesa redonda sobre Financiamento para Adaptação no Fórum de Financiamento Climático e da Natureza realizado na última semana, no Rio de Janeiro.

O Encontro de Alto Nível de Diplomacia Parlamentar, realizado pelo Clima de Política, em Brasília, contou com a participação da Talanoa. Na ocasião, o Especialista em Políticas Climáticas, Caio Victor Vieira, defendeu a urgência da transição energética a nível municipal, endossou as energias renováveis com a devida participação social e destacou os riscos da associação do Brasil à geopolítica do petróleo.

TALANOA NA MÍDIA
E3G | A E3G destacou a liderança em energia limpa e a ambição que América Latina e Caribe demonstração na Semana do Clima, no Panamá. |
Meio | Ao vivo, no programa Central Meio, Natalie Unterstell comentou os riscos de enfraquecimento do Licenciamento Ambiental, os ataques à Marina Silva e a discussão sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO