Brigadas e (des-)prioridades

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A exemplo do que já havia feito em norma de agosto de 2024, na última semana o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e uma de suas autarquias vinculadas, o Ibama, emplacaram portaria determinando a contratação de “brigadas federais temporárias”. A ideia é preparar regiões à prevenção e ao enfrentamento de incêndios florestais, quer espontâneos, quer criminosos. Apesar de terem recebido especial atenção em 2024, a determinação de agora não se limita a estados amazônicos ou pantaneiros, e abrange todas as cinco regiões brasileiras. 

Apesar de seu teor indicar uma medida meramente operacional, ao “ligar os pontos”, a Política por Inteiro entende que a norma é bem mais relevante do que seu texto pode expressar, já que é parte de um movimento mais amplo da Administração Federal, que vem buscando rever dispositivos legais e infralegais sobre fogo, que não dialogam mais com a nova realidade climática. É nesse contexto, aliás, que o Brasil passou a ter uma Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, em lei, e seu respectivo Comitê Nacional, articulador e implementador dessa política, em decreto

A portaria recém-lançada não deve ser a única do ano em termos de contratação de brigadistas e deve funcionar em orquestração com outra norma expedida pelo MMA no final de fevereiro, que determinou oficialmente quais regiões e épocas ficam em estado de emergência ambiental para risco de incêndios florestais durante 2025. Arranjo fundamental, já que o Brasil precisa perseguir o chamado “piso da banda” da meta de redução de emissões até 2035, expressa em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e, sem contundência contra o desmatamento e a degradação florestal, essa conta não fechará. O desafio do controle de emissões nessa dimensão Terras e Territórios precisa de uma orquestra muito bem afinada, e esse “trecho da ópera” nos próximos 4-6 meses, quando as chuvas minguam em boa parte do país, é essencial para o êxito da empreitada. 

Além disso, ocorrências de fogo não planejado em quaisquer formas de vegetação no Brasil são, para além da eventual intencionalidade, uma consequência direta da própria mudança do clima, que com estiagens e secas mais frequentes e intensas, impulsiona “fisicamente” a desordem nos ecossistemas do país, trazendo prejuízos que seguro algum cobrirá. Quando o fogo se alastra e consome a vegetação, é a mudança do clima em escala regional que se intensifica, num ciclo contínuo que se retroalimenta, e precisa, portanto, ser quebrado. 

Na visão da Política por Inteiro, esse “movimento mais amplo” puxado pelo Executivo para prevenir e combater o fogo no Brasil tem como parte da estratégia chamar à responsabilidade o Legislativo, mas não vem conseguindo inteira aderência deste Poder. Em que pese a aprovação da Lei Federal nº. 14.944, em julho de 2024 – que tipifica como crime ambiental o emprego de fogo não planejado em quaisquer formas de vegetação no Brasil, entre outros avanços legislativos –, duas das ações recentemente tentadas pelo Executivo vieram na forma de Medidas Provisórias que o Parlamento não topou. 

Uma delas foi a MP 1.239/24, que propunha a redução do “tempo de geladeira” emplacado na era Temer para a recontratação de brigadistas. O intento da MP era o de que o prazo caísse de 24 para 3 meses, evitando a limitação na oferta de profissionais para a composição dessas brigadas, muitas das quais operantes em regiões longínquas e de baixa densidade demográfica. A outra foi a MP 1.276/24, que objetivou a facilitação de repasses de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) a estados e municípios, para fins de prevenção e combate a incêndios florestais. 

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A relevância do tema é tamanha que, em março, o Comitê Nacional para o Manejo Integrado do Fogo (Comif) havia expedido uma recomendação oficial para que o Congresso Nacional não deixasse a MP 1.276/24 caducar, isto é, perder seus efeitos sem aprovação. No início do mesmo mês, chegou a ganhar sobrevida do Congresso por mais 60 dias, mas morreu por inanição no último dia 5 de maio, sem aprovação pelo Parlamento. A MP 1.239/24 teve o mesmo destino, em fevereiro. 

Não deixa de ser curioso notar o quanto as bancadas federais dos Estados no Congresso deixaram de aprovar uma medida que facilitaria o repasse de recursos federais aos seus próprios estados, para enfrentamento de emergências. O que teria faltado? Por que não foi prioridade das bancadas estaduais?

O comportamento do Parlamento em nada combina com o Pacto pela Transformação Ecológica nos Três Poderes, assinado ainda em 2024 por ambas as Casas Congressuais, e mais o Executivo e o Judiciário. No Pacto, o compromisso é cristalino: “os Três Poderes, de maneira harmônica e cooperativa, (…) assumem os compromissos de: (…) aperfeiçoar os incentivos para a redução do desmatamento e dos incêndios florestais (…)”.

Papel aceita tudo, a gente sabe. Mas ainda há tempo de o Legislativo jogar a favor do clima. Câmara e Senado têm prerrogativa para propor Projetos de Lei da mesma natureza que os das MPs que eles próprios deixaram caducar.

Assine nossa newsletter

Compartilhe esse conteúdo

Apoio

Realização

Apoio