O orçamento climático de 2025

(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Já é bem melhor do que antes, mas ainda dá pra melhorar muito. Essa é uma das conclusões possíveis quando se observa o orçamento climático brasileiro para 2025. A Política por Inteiro fez um raio-X das despesas previstas na Lei Orçamentária Anual (LOA) 2025, identificando o que estava nitidamente relacionado à agenda climática: quase R$ 30 bilhões. Claro que, em se tratando de orçamento público, estamos mesmo no campo da previsão, o que não necessariamente se confirma nem no objeto (ações e programas elencados), nem no volume de recursos, que precisa que a arrecadação nacional funcione e as emergências e contingências deem trégua. Acontece que essa trégua não virá sem um orçamento público concretamente concebido sob a diretriz científica de que vivemos uma emergência climática. 

Ministérios como o da Agricultura e Pecuária (Mapa) e Minas e Energia (MME), fiéis da balança a determinarem se o Brasil perseguirá com afinco o piso da banda de emissões a que o país se comprometeu em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), sabem que não será apenas colocando um “sustentável” no título da ação ou do programa que se terá um orçamento público mais comprometido com a política climática nacional. E é flagrante a falta de clareza quanto ao compromisso climático em diversas das linhas de orçamento nesses ministérios. 

Proposital ou não, essa nebulosidade é um dos grandes desafios da institucionalidade nacional, que, em plena reconstrução no “ano mais livre” (sem eleições e com Plano Plurianual – PPA concebido pelo governo vigente), não pode depender de “ventos de boa vontade” com um problema tão central como a questão climática. Pessoas, famílias, empresas e até mesmo os próprios governos dependem de uma política climática impulsionada pelo financiamento público. Sem ele, somos todos cada vez mais reféns das consequências da inação. 

No meio desse desafio estrutural que é fazer o país ter um orçamento climático contundente, contínuo e crescente está a adaptação. Assim como ocorre com cada voto em um 2° turno de eleições, se um determinado recurso público não está a favor da adaptação, ele fatalmente estará contra a adaptação, alimentando a construção de infraestruturas “como sempre” e ignorando os riscos de uma decisão alheia ao clima. Até onde moram gordas fatias do orçamento público que contam com liberdade de aplicação – como as Emendas Parlamentares – a atenção aos vários assuntos que compõem o tema climático é baixa, pra não dizer inexistente.

Análise mostra o quanto há destinado para a agenda climática no Orçamento da União de 2025.

Por outro lado, o Executivo dá mostras de que a pauta climática vai consolidando seu espaço no centro de importantes decisões públicas. O bom exemplo da semana veio da Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex), que autorizou mais cinco operações de crédito externas (OCEs), que juntas totalizam mais de R$ 4 bilhões para investimentos no Brasil, a serem feitos por bancos, empresas públicas, estados e municípios. Agora são 40 autorizações (desde janeiro de 2024), que superam R$ 47 bilhões de espaço fiscal comprometido para clima nos próximos anos. Decidir tomar empréstimos pelo clima é, sem dúvida, um razoável sinal de compromisso de longo prazo. Aqui, méritos de um núcleo importante do centro de governo: Planejamento, Fazenda e, em parte, Relações Exteriores.

Boa leitura!

TÁ LÁ NO GRÁFICO

Um ano se passou desde que as imagens do Rio Grande do Sul coberto por água se espalharam pelo mundo. Em meio a tragédia climática que levou o estado gaúcho ao colapso, muito de vida e infraestrutura se perdeu. Com prejuízos sem precedentes, o governo federal injetou R$ 60 bilhões no RS – cifra superior ao orçamento do principal fundo climático do país. Doze meses depois, o recado para voltar a atenção das políticas públicas para ações de prevenção e adaptação é latente. O Tá Lá no Gráfico desta semana recupera a cronologia dos eventos extremos, detalha as perdas contabilizadas em maio de 2024 e aponta caminhos para transformar a resposta emergencial em política contínua de adaptação e mitigação.

FRASE DA SEMANA

“Os EUA são uma economia de mercado, as energias renováveis ​​são mais baratas que os combustíveis fósseis e o país é muito mais amplo do que apenas o atual governo em Washington.”
António Guterres, secretário-geral da ONU, em alusão à contradição entre os movimentos do mercado de energia renovável e do governo contrário à agenda climática nos EUA. (Foto: Reprodução/Flickr UNIFIL).

ABC DO CLIMA

Emergência Climática: Termo adaptado das Ciências da Saúde e utilizado pela primeira vez em 2019, pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, para designar uma nova e mais grave etapa do que a urgência. Neste estágio, os eventos climáticos extremos são não apenas mais frequentes, como também mais intensos em si, e a velocidade com que ocorrem desafia a capacidade de adaptação das populações humanas pelo mundo. No mundo da Saúde, o estado de urgência se caracteriza pela possibilidade de danos severos à funcionalidade de um organismo, enquanto o estado de emergência traz a possibilidade real de morte. Seu uso foi motivado no contexto da inércia e da baixa ambição climática de países no âmbito das negociações para a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e está cientificamente fundamentado pelo 6º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), lançado em março de 2023.

MONITOR DE ATOS PÚBLICOS

Em uma semana mais curta, nosso Monitor de Atos Públicos captou apenas 6 atos relevantes para a política climática, metade dos quais acionamentos da Força Nacional de Segurança Pública para contenção de conflitos ligados a povos indígenas na Bahia, no Amazonas e no Pará. Por isso, o tema Terras e Territórios foi predominante, com 4 atos. Nas classes, Regulação e Resposta empataram, com 3 atos, cada.

Eco Invest tem regulamento atualizado

Uma resolução emitida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) passou a acrescentar novos elementos na regulação do Programa Eco Invest Brasil. A atualização lista as formas em que os financiamentos das sublinhas blended finance e estruturação de projetos podem ser ofertados – operações de crédito, securitização e cotas de emissão de fundos de investimento – e ainda abre espaço para proteger beneficiários do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Confira mais sobre a norma no Blog da Política por Inteiro.

Cofiex autoriza mais R$ 4 bi de empréstimo para clima

A Comissão Nacional de Financiamentos Externos (Cofiex), vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) publicou resoluções autorizando que entes nacionais contraiam empréstimos com objetivos climáticos. Os avais totalizam US$ 730 milhões (mais de R$ 4 bilhões, em cotação atual).

Desde janeiro/2024, a Política por Inteiro monitora as aprovações da Cofiex para a questão climática no Brasil. Já chega a 40 a quantidade de operações de crédito externas (OCEs) liberadas para clima no período, totalizando R$ 47,3 bilhões de margem para empréstimos, um valor quase equivalente ao orçamento para Emendas Parlamentares em 2025. 

A Política por Inteiro preparou uma análise detalhada acerca.

Política Nacional de Resíduos Sólidos segue em transformação

Nesta semana, entrou em vigor um decreto que representa mais um ajuste na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Em 2010, a lei que instituiu a PNRS era categórica quanto a proibir a importação de resíduos e rejeitos para o território brasileiro. Agora, em 2025, por meio de uma lei sancionada em janeiro, essa importação passou a ser permitida nos casos em que resíduos e rejeitos sejam insumos importantes para alimentar indústrias de transformação de materiais e de minerais estratégicos. 

Essa flexibilização objetiva beneficiar diferentes segmentos da indústria nacional, em especial a de autopeças, que agora tem carta branca para importar – e até mesmo repatriar – resíduos ao país, desde que eles sejam incluídos na logística reversa e façam parte da implementação da Estratégia Nacional de Economia Circular (ENEC).

Com o novo decreto, o Brasil passa a ter uma primeira lista de “resíduos prioritários” a serem importados. Essa lista inclui resíduos feitos de ferro, cobre, níquel, alumínio, molibdênio, magnésio, manganês, gálio, nióbio e até titânio. Borracha também está na lista!

No entanto, o decreto é claro: a preferência a ser dada aos insumos industriais é daqueles já existentes no mercado interno, em especial aos provenientes de cooperativas, associações e outras formas de organização popular de catadoras e catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. O decreto se mostra coerente, já que os últimos movimentos de ministérios como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) vêm ocorrendo no sentido de estimular uma economia circular que melhore a vida de profissionais da indústria da reciclagem, ainda tímida, mas com grande potencial no Brasil. 

Vale lembrar: cerca de 4% das emissões totais do Brasil vêm do setor de resíduos.

BRASIL

Presidente do Senado quer lei para regulamentar mineração em Terras Indígenas 

Um grupo de trabalho para discutir a pesquisa e regulamentação da mineração em Terras Indígenas foi criado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, na última terça-feira (22). O argumento apresentado para sua criação é apresentar uma proposta “tecnicamente fundamentada e livre de contaminações ideológicas”, que deverá culminar em um projeto de lei que regulamente tais atividades. 

A mineração sobre terras indígenas é um tema que vem ganhando espaço na agenda política nacional, frente à crescente demanda por minerais críticos e estratégicos no mundo, especialmente no contexto de transição energética. Recentemente, uma proposta de regulamentação de terras indígenas foi apresentada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, no contexto da Câmara de Conciliação sobre o Marco Temporal. Do ponto de vista climático e  ambiental, preocupa a possibilidade de aumento no desmatamento nessas TIs, precedente que a regulamentação poderia trazer. Acompanhemos com atenção.

MUNDO

Papa Francisco, um diplomata do clima

O mundo se despede de Jorge Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, jesuíta, que escolheu o nome do padroeiro dos animais e da ecologia, São Francisco de Assis, para seu pontificado. Nas homenagens mais relevantes, Francisco é lembrado pelo compromisso com os pobres e pelas ações pioneiras em defesa da justiça climática, compreendida por ele em sua integralidade na relação entre o caos ambiental e a miséria social. 

Ao pregar a conversão à ecologia, Francisco publicou a encíclica papal Laudato Si, em 2015, ano do Acordo de Paris, quando criticou a devastação ambiental e chamou atenção para os prejuízos que o consumo desenfreado traz à nossa Casa Comum e, especialmente, aos mais vulneráveis. Em 2022, fez do Estado católico um signatário do Acordo de Paris, com posição de negociador na UNFCCC. Em 2024, anunciou na carta apostólica “Irmão Sol” a transição energética do Vaticano, com sustentação na energia solar. Seu discurso genuíno se espalhou pelo mundo provocando movimentos que aliam fé e ação em prol do clima.

>> Leia mais sobre o diplomata do clima, papa Francisco.

Lula e Guterres se reúnem com líderes mundiais 

Na quarta-feira (23), ocorreu a Reunião de Líderes sobre Clima e Transição Justa convocada pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres. Um dos grandes propósitos da reunião foi engajar lideranças a submeter suas NDCs. Até o momento, apenas 19 das 196 Partes da UNFCCC enviaram seus compromissos climáticos, apesar de o prazo original ter se esgotado em fevereiro. Por essa razão, a data limite para o envio foi estendida até setembro. Estiveram presentes aproximadamente 20 chefes de Estado, como China, União Europeia e representantes dos SIDS (Small Island Developing States). Também foram reforçadas na reunião a importância do papel dos países desenvolvidos em dobrar o financiamento em 2025 e a responsabilidade global em construir um roteiro confiável para alcançar 1,3 trilhão de dólares de financiamento climático até 2035. No aniversário de 10 anos do Acordo de Paris, essa reunião foi um pontapé inicial para fortalecer a confiança no multilateralismo até a COP30.

China anuncia sua NDC “economy-wide”

Foi no contexto dessa reunião que o presidente da China, Xi Jinping, anunciou que a NDC do país, maior emissor de gases do efeito estufa no mundo atualmente, abrangerá todos os setores e todos os gases de efeito estufa – no “climatiquês”, será economy-wide. O anúncio foi recebido como uma surpresa positiva no cenário internacional.  Diante de incertezas quanto à eficácia do multilateralismo climático, espera-se que o movimento chinês sirva como um exemplo para outros grandes emissores e países desenvolvidos. Nas palavras de Guterres, um anúncio “extremamente importante”.

Reuniões de Primavera do Banco Mundial e FMI 

As reuniões de primavera (Spring Meetings) do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) estão ocorrendo até o domingo, em Washington – DC, nos Estados Unidos. Em meio às investidas anti-climáticas da administração Trump, as agendas de clima, energia e financiamento não tiveram o destaque de outros anos. Não obstante, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, esteve presente para agendas de alto nível sobre o roteiro de financiamento climático para chegar a 1,3 trilhão de dólares – o “Baku to Belém Roadmap to 1.3T”, uma das grandes expectativas da Convenção em Belém.

MONITOR DE DESASTRES

O Monitor de Desastres captou 10 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que alcançaram 34 municípios. Estiagem segue sendo o evento predominante, respondendo, sozinho, por 2/3 do total de ocorrências.

Para consultas detalhadas, visite nosso Monitor de Desastres.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.

TALANOA NA MÍDIA

Exame A presidente da Talanoa concedeu entrevista à Exame comentando o anúncio ambicioso da China ao se comprometer a reduzir emissões em todos os setores.
(o) eco, ClimaInfo e Seu Dinheiro O portal (o) eco, assim como ClimaInfo e Seu Dinheiro, repercutiram a proposta de um modelo de governança climática elaborada pela Talanoa em parceria com FGV.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO

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