(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Foi um cálculo de quem sabe que sem o envolvimento e comprometimento do setor privado o mundo não vai conseguir cumprir o acordo firmado em Dubai, na COP28, quando as partes decidiram por uma transição para longe dos combustíveis fósseis (TAFF, na sigla em inglês). De olho no mercado, o Brasil decidiu apostar a posição de uma importante liderança da diplomacia climática em um empresário bem articulado e com êxito no G20; alguém que deve ser capaz de assumir o papel intermediador entre a COP de Belém e “o mundo real”, liderando a agenda de ação.
Um dos vice-presidentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Dan Ioschpe apareceu como surpresa para a maioria daqueles que atuam no campo climático, mas é nome com trajetória de destaque no meio empresarial. É presidente do conselho de administração da Iochpe-Maxion, líder global na produção de rodas automotivas e componentes estruturais e integrante dos conselhos de administração da WEG, da Marcopolo e da Embraer. Como mobilizador, o novo Climate Champion acumula reconhecimento por sua atuação no grupo de mobilização Business 20 (B20) durante a presidência brasileira do G20, em 2024.
Com exceção da Marcopolo, as marcas sob sua liderança e gestão possuem compromissos net zero, o que combina bem com sua primeira declaração na posição de Climate Champion, quando se disse à disposição da presidência da COP30 para criar caminhos de cooperação, citando a transição energética e destacando-a como um elemento importante não apenas para o clima, mas para o desenvolvimento econômico e social. Em um contexto de tantas (e falsas) dicotomias entre economia e meio ambiente; desenvolvimento e mitigação; a fala que atribui à transição energética posição estratégica no avanço da agenda econômica e social deve ser apreciada e incentivada.
As demais lideranças no alto nível de governança da COP30 demonstraram otimismo na escolha. Tanto o presidente André Corrêa do Lago, quanto a CEO Ana Toni, vibraram com a escolha e enfatizaram a capacidade que Ioschpe possui de promover diálogo com o mundo dos negócios. O desafio agora é a efetividade da fala. O que se espera de um champion com capacidade de persuasão empresarial é o mesmo que se almeja por parte do setor privado: ações reais que apontem para longe não apenas dos fósseis, mas também do greenwashing. Que a transição da retórica para a prática seja firme e constante, para que a estratégia de mutirão se consolide em ações concretas – no Brasil e no mundo, olhando para o futuro. A transição já começou.
Boa leitura!
TÁ LÁ NO GRÁFICO
O controle do desmatamento nos biomas brasileiros foi o maior avanço da política ambiental brasileira dos últimos anos, contabilizando queda de mais de 60% em 2024, no comparativo com 2022. É motivo de comemoração. Ainda assim, a mudança do uso do solo continua sendo a maior fonte de emissões de GEE do país que, comparado à média global, se destaca no uso de energia renovável. O Tá Lá no Gráfico desta semana detalha o histórico de fiscalização e controle na Amazônia e no Cerrado, a importância do PPCDAM e a necessidade de se avançar na governança em harmonia com municípios para que o Brasil concretize a desejada meta de desmatamento zero em 2030.
FRASE DA SEMANA
“Espero poder apoiar a presidência da COP30 no avanço da ação climática, incluindo a transição energética, fundamental para o desenvolvimento socioeconômico ao redor do mundo e ainda mais importante para o Brasil.“

Dan Ioschpe, empresário, quando anunciado como Campeão Climático de Alto Nível da COP30.
(Foto: Ricardo Stuckert/PR).
ABC DO CLIMA
“Champion” do Clima: Com origem na língua inglesa, significa “campeão do clima”. É também chamado de “High Level Climate Champion” ou simplesmente “Champion”.
É a denominação dada a uma liderança não-estatal de alto nível nomeada anualmente pelas presidências da COP, no âmbito da Convenção do Clima sobre Mudanças Climáticas – UNFCCC. Sua principal função é mobilizar e fortalecer a cooperação para ação climática entre atores não-estatais (como setor privado, sociedade civil, povos indígenas e comunidades locais) e governamentais, através das chamadas agendas de ação.
Seu mandato é estabelecido pela Parceria de Marrakech (Marrakech Partnership), criada em 2015 em Paris, durante a COP21. Desde 2020, os Climate Champions também são responsáveis por engajar atores em campanhas de descarbonização e resiliência, como a Race to Zero e Race to Resilience.
Na COP28, realizada em Dubai, criou-se a figura do Youth Climate Champion. O Jovem Campeão Climático tem por objetivo garantir a presença da juventude nesse espaço de mobilização e cooperação entre atores.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 11 atos relevantes para a política climática nesta semana. O tema dominante foi Terras e Territórios, com seis atos, metade deles em função de o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) haver acionado a Força Nacional (FNSP), um deles para a região onde funciona a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Nas classes, Regulação e Resposta empataram, com quatro atos cada. Nas agendas, a semana foi de Governança, com nove dos 11 atos.
Comitê Permanente de Calamidades Públicas e Emergências
Nesta semana, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome instalou o Comitê Permanente de Calamidades Públicas e Emergências, a fim de coordenar respostas de proteção social em situações de calamidade pública e de emergência. Consta, entre os objetivos do Comitê, monitorar o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, o que sinaliza a integração e a transversalidade da agenda de resposta aos eventos extremos no país.
Cinco, seis, sete, oito!
O monitor de atos da Política por Inteiro alerta que, pela 8ª vez nos últimos quatro anos, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública na Terra Indígena Cacique Doble, no Rio Grande do Sul, onde, segundo a Funai, vivem indígenas Kaingang e Guarani. A princípio, a FNSP ficará na região por noventa dias, até o início de julho. Veículos de comunicação locais dão conta de que há fortes disputas por arrendamento de terras para pessoas de fora da terra indígena. Independentemente dos motivos, conflitos em terras indígenas atravancam a governança territorial de que o Brasil precisa para garantir a autonomia dos povos originários e conter as emissões de carbono oriundas do uso da terra.
BRASIL
Publicada decisão do STF sobre exploração de ouro em Áreas Protegidas e a tal “boa-fé” de procedência
No último dia do mês de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou a decisão sobre as ADIs nº. 7.273 e 7.345. Ela determina que o Estado brasileiro deve “adotar medidas regulatórias e administrativas que inviabilizem” a extração de ouro em “Áreas de Proteção Ambiental e Terras Indígenas” no Brasil. E mais: com a decisão, cai também a tal “presunção de boa-fé” quanto à procedência do mineral, até então sustentada pela Lei Federal nº. 12.844/2013.
Fato raro: a votação teve o placar final de 11×0. Sim, mesmo com amplas diferenças ideológicas, os Ministros foram unânimes em reconhecer a ilegalidade da extração do ouro em Áreas Protegidas, que além de não gerar desenvolvimento local, causam grandes passivos ambientais para a conta do clima e geram inúmeros conflitos e violações de Direitos Humanos, especialmente a populações tradicionais e povos indígenas.
Todavia, um ponto de atenção: para evitar “brechas” e problemas jurídicos futuros, o teor da decisão deveria mencionar “Unidades de Conservação” em vez de “Áreas de Proteção Ambiental”. Isso porque o termo se refere às APAs, que constituem apenas uma das 12 categorias nacionais de Unidades de Conservação no sistema brasileiro. Se é proibido em APA, nas demais categorias também o deve ser, já que a lei determina maior grau de proteção nas 11 restantes.
PL da Reciprocidade e a Lei Antidesmatamento
A guerra comercial deflagrada pelo governo Donald Trump respingou na agenda climática brasileira. Em reação ao anúncio de tarifas adicionais ao Brasil, o Congresso Nacional aprovou na quarta-feira (2) o Projeto de Lei nº 2088/23, que permite ao Poder Executivo adotar medidas contra países ou blocos econômicos que criarem restrições às exportações brasileiras. A chamada “Lei da Reciprocidade” vai à sanção do presidente da República e, além de autorizar resposta a sobretaxas dos EUA, também permite retaliação a barreiras de mercado a produtos oriundos de áreas desmatadas no Brasil.
O alvo, nesse caso, é a Lei Anti Desmatamento da União Europeia, que proíbe a entrada de mercadorias provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020, criticada duramente pela bancada do agronegócio no Congresso. Atualmente, cerca de 15% das exportações agropecuárias brasileiras, como soja e carne, têm como destino a região. Restrições comerciais, como a moratória da soja, historicamente contribuíram com o combate do desmatamento no Brasil. Assim, a pretexto de responder à nova guerra comercial, o Brasil também ataca um aliado no combate à sua principal fonte de emissão de gases de efeito estufa.
Câmara de Conciliação volta aos trabalhos sem consenso
Depois de um mês de pausa, uma nova audiência da Câmara de Conciliação sobre o Marco Temporal chegou ao fim nesta quarta-feira (2), sem consenso entre as partes. Um novo capítulo sobre o imbróglio do Marco Temporal iniciou-se em fevereiro, quando o Ministro do STF Gilmar Mendes apresentou uma proposta de Lei que rechaçava a tese do Marco Temporal, mas que abria caminho para projetos de mineração em Terras Indígenas – TIs.
Após uma série de mobilizações indígenas, o conteúdo sobre mineração foi retirado da proposta em questão e alocado em outra instância , que segue sendo criticada por alterar o rito demarcatório existente e por permitir a remoção de povos indígenas de seus territórios em nome da “paz social”, em caso de conflitos prévios à demarcação.
A APIB, principal entidade representativa dos povos indígenas do Brasil, retirou-se da Comissão sobre o Marco Temporal em Agosto de 2024, classificando-a como espaço de “conciliação forçada”.
MUNDO
Declaração dos Ministros de Meio Ambiente dos BRICS
Reunidos no Palácio Itamaraty, em Brasília, os ministérios de meio ambiente dos BRICS emitiram uma declaração conjunta na última quinta-feira (3). Com ampla variedade de temas, os ministros de meio ambiente dos 11 integrantes firmaram consensos em um documento que reitera o compromisso com a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável, destacando a defesa do multilateralismo e o fortalecimento da governança ambiental global, com olhar atento à próxima COP. Enquanto co-presidia a sessão, a ministra Marina Silva destacou a relevância da agenda de adaptação. “A pior consequência de não mudarmos de forma planejada a realidade que nos ameaça é de sermos abruptamente mudados por ela. A adaptação precisa ganhar centralidade, garantindo acesso a recursos e tecnologias que permitam enfrentar os impactos, já sentidos e crescentes, da crise climática”, disse. O documento também enfatizou a necessidade de erradicação da pobreza como parte fundamental do desenvolvimento sustentável.
Mais bilionários no planeta
Nesta semana, a revista Forbes anunciou que 288 habitantes da Terra tornaram-se bilionários no último ano. Apenas pessoas que acumularam fortunas superiores a US$1 bilhão figuram na seleta lista. E o que isso tem a ver com clima? Dinheiro, por si só, não é problema para um dos maiores desafios planetários. Pelo contrário, se mobilizado para ação climática – seja no financiamento da transição, da adaptação ou no fundo de perdas e danos, ótimo. O problema é que a existência dos bilionários costuma caminhar de mãos dadas com um dos maiores problemas da humanidade: a desigualdade social. E isso, sim, tem tudo a ver com clima.
Ter quase três centenas a mais de bilionários na Terra infelizmente não significa que o dinheiro chegou a mais gente. E se chegou, foi a pouquíssimos endereços. Com os novos membros do clube, agora há 3.028 bilionários num mundo com mais de 8.000.000.000 de pessoas. Olhando para a sequência de zeros fica fácil perceber que o pessoal da lista da Forbes são minoria acumulando mais cifras que a maioria. É muito capital (e renda) concentrado na mão de um estrato muito pequeno da Humanidade. Com pouco dinheiro distribuído, maior a desigualdade.
Em um mundo mais desigual, em que a injustiça climática abraça mais apertado aos economicamente vulneráveis, o aumento da lista Forbes é um lembrete: o acúmulo de riqueza leva a Humanidade para longe de qualquer efetivação de justiça climática em escala planetária. Tanto porque o padrão de vida bilionário deixa pegadas de carbono profundas, quanto pelo fato de que quanto maior a desigualdade, menores as chances de promoção da Justiça Climática, uma discrepância indigesta, que aflora sempre que os eventos extremos ocupam as manchetes dos jornais.
Famosos como o ator Arnold Schwarzenegger – que, quando governador da Califórnia, até se movimentou pelo clima – e o cantor Bruce Springsteen, que curiosamente nos anos 80 era uma das vozes da humanitária canção “We are the world”, da iniciativa USA for Africa, passaram a integrar a lista. E o que vão fazer com o privilégio da vida bilionária?
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 08 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 72 municípios. O padrão das semanas anteriores se repete: Estiagem predomina no Sul, especialmente no estado do Rio Grande do Sul, e na Região Nordeste, enquanto Chuvas Intensas ocorrem no Norte, com eventos pontuais de Inundações.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA POR AÍ
Participamos no Climate Reality Tour, em Belém, no último fim de semana. Cerca de 200 jovens, jornalistas e formadores de opinião estiveram presentes, em evento em período integral realizado na Universidade Federal do Pará (UFPA). O Climate Reality Brasil é uma iniciativa coordenada pelo Centro Brasil no Clima – CBC. O Especialista em Políticas Climáticas na Talanoa, Wendell Andrade, compôs o painel de discussões.



Também tivemos agenda de diálogos internacionais, participando da programação da Academia de Adaptação da América Latina 2025, em Lima, no Peru. As atividades realizadas ao longo da semana estiveram em sintonia com nosso esforço em posicionar a agenda de adaptação climática como prioridade. Em Lima, a convite da Fundação Avina, discutimos como fortalecer as capacidades dos países da região na preparação e na apresentação dos relatórios de adaptação e perdas e danos no contexto do Quadro de Transparência Reforçada (ETF, na sigla em inglês), estabelecido no Acordo de Paris. Ministérios do Meio Ambiente, Fazenda, Planejamento, Ciência e Tecnologia de diversos países estiveram presentes, além de representantes da sociedade civil, do Comitê de Adaptação da UNFCCC, do PNUMA, e do Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe.

E vem aí o Seminário de Lançamento de uma Proposta de Governança Climática: um modelo multinível e federativo para o Brasil. Em parceria com Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, apresentaremos o resultado de estudos em São Paulo no dia 16 de abril, terça-feira.
O Brasil ainda não dispõe de uma estrutura sólida, nem um conjunto de políticas públicas e mecanismos organizados para enfrentar a mudança do clima. É preciso maior integração das ações. A governança multinível, envolvendo municípios, estados e união, é estratégica para que o país avance em resultados de mitigação e adaptação. A ideia é resultado do estudo conduzido pelo Professor Fernando Luiz Abrucio e o Instituto Talanoa.
As inscrições estão abertas pelo formulário.

Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO