(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Nesta semana, o grande destaque na agenda climática foi o primeiro posicionamento oficial da presidência da COP30 ao mundo. Em carta assinada pelo embaixador André Corrêa do Lago – presidente designado para liderar a Conferência –, uma leitura de mundo bastante abrangente e sóbria diante dos desafios que a Humanidade tem pela frente na “guerra correta” dos nossos tempos: o enfrentamento à mudança do clima.
A mensagem é multidisciplinar. Vai de geopolítica à ciência, passando por tecnologia, conhecimento ancestral, física e até etimologia – que o diga o “mutirão”.
É uma carta para falar ao mundo inteiro, demonstrando, entre tantos argumentos, que simplesmente todas as necessidades globais (incluindo os negócios) dependem de um clima estabilizado e de cidades adaptadas. A mensagem é didática e passeia de Arquimedes a Hannah Arendt, com entrelinhas de Isaac Newton, sem esquecer da sabedoria dos povos indígenas e das comunidades tradicionais.
Não se esquece de, propositalmente, resgatar a miríade de decisões, documentos e articulações originadas nas COPs anteriores, para fazer o próprio mundo lembrar que já avançou bastante nos últimos 30 anos desde Berlim, em 1995, e que agora falta mesmo traduzir tudo em ambição. E, então, fazê-la aterrissar.
A Presidência da COP30 também não se furta das críticas – embora veladas, como bem ensina a diplomacia – ao momento obtuso vivido pela política mundial. Se negacionismo, inação e “a sombra da guerra” estão aí – desonrando os ideais iluministas apregoados pelas mesmas grandes nações que, paradoxalmente, se valeram deles para obtenção de progresso e riqueza ao longo de séculos – a genialidade, a ousadia, a solidariedade e a persistência por uma “Era de Ouro” que refunda o mundo, não ignora a Ciência, e que investe em pontes, em vez de muros, também precisa estar. Para bom entendedor, meia palavra “bas”.
Cartas fazem parte do processo diplomático. Elas são uma forma de passar a mensagem desejada de maneira mais livre, aberta, menos formal, mas, ainda assim, sóbria e oficial. A primeira carta do presidente da COP30, a 8 meses da culminância em Belém, dá os tons verde-e-amarelos da Conferência: é uma COP para conectar, para mostrar que multilateralismo não é só um palavrão entre tantos no dicionário diplomático, mas uma regra-mestra para pessoas, empresas e líderes que ainda acreditam que a humanidade pode – e vai – sair da enrascada climática em que se meteu.
Enquanto países escolhem investir trilhões de dólares em guerras com dupla intenção – dissuasão do outro e estímulos econômicos em indústrias nacionais que não dão a mínima para baixo carbono – a presidência brasileira da COP30 vai buscando construir um terreno em que todos os acúmulos científicos e diplomáticos desde Estocolmo (1972) não sejam levados por uma enxurrada de irracionalidades. A verve bélica que toma conta das potências mundiais mostra que o dinheiro para mitigação, adaptação, inovação e construção de capacidades pelo clima não está em falta, ao contrário da vontade política para que os combinados, há pelo menos 30 anos, não saiam caro. Preocupação, aliás, apresentada domesticamente pelo Brasil nesta mesma semana, ao abrir Consulta Pública para a adaptação climática nacional.
O embaixador Corrêa do Lago empresta da Física o exemplo da chamada Alavanca de Arquimedes para dizer que, se a construção coletiva (“alavanca”) for grande o suficiente, a COP30 pode ser o ponto de virada para levar os compromissos climáticos adiante (“mover o mundo”), antes que o 1,5°C – que já andamos testando nos últimos meses – se consolide e percamos a chance. A metáfora é boa porque a didática é evidente. Aliás, com o devido financiamento pelo clima, o mundo poderia não só se mover, como ser catapultado a níveis muito superiores de descarbonização em agilidade e escala, além de um processo substancial de regeneração natural e de adaptação a cidades e suas infraestruturas, já incompatíveis com a nova realidade climática do planeta, especialmente no Sul global.
Também é possível entender Arquimedes no raciocínio inverso: não será possível mover o mundo apenas com pequenos apoios. Em última análise: ou vamos todos juntos – com responsabilidades comuns, mas pesos diferentes a musculaturas diferentes – ou ninguém escapará de uma desordem climática sem precedentes desde que o ser humano existe. Resta saber se a alavanca será grande o suficiente até novembro, em Belém.
O mundo precisa ouvir o que André tem a dizer.
Boa leitura!
TÁ LÁ NO GRÁFICO
O Tá Lá no Gráfico mostra os pontos principais da primeira carta da Presidência da COP30 e como estão os caminhos que devem ser percorridos até a Conferência em Belém. Há rotas mais suaves, outras congestionadas ou quase obstruídas. Há ainda os atalhos. Todas devem ser encaradas para que 2025 seja um marco de avanços em ações climáticas.
FRASE DA SEMANA
“A administração Trump encerrará as políticas quase religiosas irracionais da administração Biden sobre mudanças climáticas que impuseram sacrifícios intermináveis aos nossos cidadãos.“

Chris Wright, secretário de Energia dos Estados Unidos, em evento do setor de óleo e gás.
(Foto: Reprodução/Perfil do Instagram).
ABC DO CLIMA
Multilateralismo: Princípio das Relações Internacionais baseado na cooperação e na coordenação entre múltiplos países para a solução de desafios globais, como conflitos armados, crises sanitárias e mudanças climáticas. Esse modelo organiza o Sistema Internacional por meio de instituições e mecanismos coletivos, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros organismos multilaterais, promovendo a governança global e a tomada de decisões compartilhadas. No contexto das mudanças climáticas, o multilateralismo é atualmente orientado pelo Acordo de Paris, em vigor desde 2015 no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), estabelecendo metas globais de mitigação e adaptação com base no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 16 atos relevantes para a política climática nesta semana. A criação de Projetos de Assentamento, pela dupla Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), deram o tom, com 10 atos. Dessa forma, as normas de Regulação predominaram, totalizando 11 ocorrências. O tema Terras e Territórios foi, pelo mesmo motivo, o mais frequente da semana.
A Política por Inteiro nota que já é a 3ª semana seguida em que atos identificados como agenda de Financiamento passam em branco. E mais: dentre os 106 atos de política climática captados até aqui em 2025, só 15 deles dizem respeito a finanças.
É tempo de planejamento
Nesta semana, o Ministério da Saúde e MDA publicaram suas agendas regulatórias para os próximos anos, e o que elas têm em comum? A mudança do clima!
Um dos objetivos gerais do Planejamento Estratégico do MS é ampliar e qualificar a capacidade de enfrentamento às emergências e desastres, indicando que o ministério compreende que a questão climática seguirá demandando mais do orçamento nacional. No MDA, o foco é garantir o pagamento do benefício Garantia-Safra aos agricultores que tiverem perda de safra ocasionada por eventos climáticos adversos. Os sinais, ainda que iniciais, indicam que o planejamento para responder aos eventos extremos está sendo incluído na agenda de pastas importantes, para além do MMA.
BRASIL
Setoriais do Plano Clima Adaptação abertos para consulta pública
Como já havíamos sinalizado no Boletim da semana passada, foram publicados nesta semana os 16 planos setoriais e temáticos do Plano Clima Adaptação, abertos para consulta pública na Plataforma Brasil Participativo. Os Planos são orientados pela Estratégia Nacional de Adaptação (ENA), lançada em outubro de 2024. As contribuições nominais serão aceitas até o dia 25 de abril para todos os setoriais. Além disso, iniciou-se nesta semana uma Rodada de Diálogos virtuais sobre os Planos Setoriais e Temáticos, começando pelo de Zonas Costeiras e Turismo.
Participe!
LEGISLATIVO
Medidas Provisórias que vão e vêm
A MP 1.259/2024 (de setembro/2024, uma daquelas de quando o Brasil atravessa a “crise do fogo” de Norte a Sul, para financiamento de ações de prevenção e combate a incêndios para estados e municípios) caiu na sexta-feira (14). Expiraram até os dois meses “extra” conferidos pela Mesa do Congresso Nacional.
Já a MP 1.278/2024, sobre um fundo para recuperar infraestruturas afetadas por eventos climáticos extremos e apoiar novas estruturas com “banho de loja” em adaptação climática, ganhou sobrevida. Mais 60 dias, decidiu a Mesa Diretora do Congresso. Vige até 11 de junho.
Para que o Executivo precise cada vez menos de MPs.
MUNDO
O Programa de Trabalho sobre Mitigação da UNFCCC dá o tom
Os co-presidentes do Programa de Trabalho sobre Mitigação e Ambição de Sharm el-Sheikh decidiram seus focos para 2025-2026. Em 2025, os diálogos serão sobre agricultura, florestas e uso do solo, bem como o setor de resíduos. Para o próximo ano, se dedicarão aos processos industriais e uso de produtos – outro nome para economia circular. O documento publicado destaca a importância de um espaço inclusivo e orientado para soluções, o qual se dedicará a compartilhar práticas, superar barreiras e promover soluções climáticas, sem impor metas ou objetivos novos.
O mandato do Programa foi estabelecido com vistas a proporcionar uma rota coletivamente acordada para aumentar urgentemente a ambição, a mitigação e a implementação nesta década crítica. Em 2022, a COP27 determinou que os trabalhos serão não prescritivos, não criarão novos objetivos e ocorrerão até 2026, quando se decidirá pela continuação ou encerramento dos trabalhos. Ou seja, na prática tornou-se uma plataforma de projetos, cujo objetivo é conectar boas ideias aos possíveis financiadores.
Dessa forma, a urgência do planejamento da transição para longe dos combustíveis fósseis e sua implementação já nesta década crítica ficou para outro Programa de Trabalho.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 9 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 60 municípios. Assim como na semana passada, o Rio Grande do Sul se destaca negativamente, com predominância de ocorrências de Estiagem. Um “chacoalhão climático”, já que em 2023 e em 2024, as chuvas intensas eram frequentes.
E não é só lá. A Estiagem também predomina no Nordeste, com Pernambuco liderando os números na região.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
CNN Money | A Carta da Presidência da COP30 também teve impacto no mercado financeiro e foi comentada ao vivo na CNN pela presidente da Talanoa, Natalie Unterstell. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO