(O conteúdo que você vai ler a seguir é feito totalmente por humanos, e para humanos)

Ares retrógrados sopraram do norte do continente nesta semana, mas tivemos bons ventos por aqui. Como prevíamos no último Boletim Semanal, acabou a agonia: o embaixador André Corrêa do Lago é o presidente da COP30. Ele estará ladeado de Ana Toni, atual Secretária Nacional sobre Mudança do Clima, como diretora-executiva da COP, braço importante para o sucesso da Conferência, a ser sediada pela primeira vez em terras brasileiras. Uma dupla com habilidades para levar adiante o que precisa ser a COP da virada, em meio às incertezas sobre a robustez do sistema multilateral.
Incertezas alimentadas pelas tentativas de enfraquecê-lo e desconstruí-lo. Mas momentos ao longo da História em que grandes centros de poder tomam medidas drásticas podem não sinalizar só o final de uma era. Podem inaugurar uma nova era em um novo caminho, uma virada. Com um “Trump 2.0” pautado em esticar cordas como nunca, as guinadas diplomáticas e de política global por ele anunciadas nesta semana podem estar encaminhando o império norte-americano a perder espaço, em vez de “torná-lo grande novamente”. E não estamos falando só do Acordo de Paris. Trump movimenta-se para retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde (OMS) – da qual são fundadores e principais contribuintes financeiros ano a ano –, ensaia comprar briga com a Dinamarca – sua colega de Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – pela Groenlândia, e estica a corda com o “irmão de cima”, Canadá, chamando aquele país de “nosso 51º Estado”.
Nações emergentes, inclusive conjuntamente, podem captar essa “influência desperdiçada” pelos EUA de um Trump desconexo das grandes questões globais. E não se trata de embate ideológico. Há poucos dias, o Fórum Econômico Mundial (WEF), grande sala do capitalismo no planeta, divulgou a versão 2025 de seu habitual Relatório de Riscos Globais, em que aponta: mudança do clima e ameaça à biodiversidade são críticos para a manutenção da economia em todo o planeta. Na contramão, lá está Trump, ignorando a desordem climática, fazendo dancinha e cantando: “Drill, baby, drill” (“perfure [poços de petróleo], meu bem, perfure”). Para completar o contrassenso, Trump ainda discursou no WEF nesta semana.
É só colocar a cara na rua pra ver a influência da China e seus carros elétricos se multiplicando pelo trânsito das grandes cidades. Isso sem contar a hegemonia chinesa no mercado de semicondutores de ponta, graças, em grande parte, à Taiwan. A Índia é outro país que desponta em ciência e tecnologia e cresce a passos largos. Assim, ambos vão ampliando suas esferas de influência e, em coalizões (como o BRICS, o BASIC) ou não.
Essa consciência distorcida parece ser um tema que une democratas e republicanos. Há poucos dias, já no apagar das luzes do mandato, o agora ex-presidente estadunidense, Joe Biden, disse que a economia chinesa “nunca ultrapassaria” a dos EUA. Será mesmo? Diplomaticamente, a China respondeu rápido: “EUA e China devem tratar-se como iguais”. Um dos pilares sobre os quais se apoiava Biden para vaticinar supremacia era justamente o investimento em energia limpa, algo que Trump se mostra distante de considerar. A China, ao contrário, em 2020, prometeu atingir 1,2 TW (terawatt) de energia eólica e solar até o ano de 2030. Em agosto de 2024, o Departamento Chinês de Administração Energética anunciou ter alcançado a meta. E seguem em transição.
Se Trump promete para a população estadunidense uma Golden Age (“Era de Ouro”) baseada em um formato de desenvolvimento que não cabe mais num mundo sob uma nova realidade climática – aumentando a exploração de petróleo, enquanto eventos extremos se alastram em seu próprio país, de Leste a Oeste – então seria preciso redefinir o conceito de Era, já que… Ela não vai durar muito.
Numa semana em que comemorar indicações fez parte do orgulho de ser brasileiro – graças a Ainda Estou Aqui e a Fernanda Torres, que agora buscarão o Oscar! – o time da Política por Inteiro comemorou as nomeações de André Corrêa do Lago e Ana Toni, por toda a trajetória de dedicação e competência de ambos na seara climática. Não há boas COPs sem grandes lideranças. Lembrando que a dupla não foi escalada para fazer gol pelo Brasil, mas para apoiar todo mundo a jogar bonito.
Boa leitura!
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Nesta semana, o Tá Lá no Gráfico explica por que a janela de 1,5°C ainda não se fechou. Para isso, nossa narrativa visual da semana mostra o que é esse tão falado um e meio e o que configura ultrapassarmos esse limite de aquecimento global em relação ao período pré-industrial.
FRASES DA SEMANA
“O ideal é chegar na COP já com um encaminhamento nesse tema [exploração de petróleo na Margem Equatorial] ou com, pelo menos, uma grande maturidade, que só virá de uma discussão racional. Acho que não seria bom a gente ter esse debate no meio da COP“.

“Todos os países precisam vir a Belém comprometidos a desenvolver e implementar metas climáticas ambiciosas, e a criar as condições internacionais para acelerar a ação sem deixar ninguém para trás. Somente assim podemos fazer da COP30 o ponto de virada de que o mundo necessita“.

Ana Toni, secretária nacional de Mudança do Clima, anunciada nesta semana como diretora-executiva da COP30, em artigo na Project Syndicate. (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil).
ABC DO CLIMA
Minerais estratégicos: são compostos químicos tidos como essenciais ao suprimento de setores vitais da economia de um país. No conceito à brasileira, a legislação atual determina que esses minerais adquirem status de estratégicos em função da constatação de pelo menos um dos seguintes fatores: escassez e, portanto, dependência brasileira de importação; alta aplicabilidade para processos e produtos de alta tecnologia; e impacto positivo na balança comercial do país. Por conta disso, destacam-se como minerais estratégicos: Lítio (Li), Cobalto (Co), Cobre (Cu), Estanho (Sn), Níquel (Ní), Silício (Si), Titânio (Ti), Platina (Pt), Tungstênio (W), Vanádio (V) e Urânio (U), mas também outros mais populares como Ouro (Au), Potássio (K), Ferro (Fe) e Alumínio (Al). Há, ainda, as chamadas Terras Raras, que detêm minerais de ainda menor disponibilidade, como Escândio (Sc), Gadolínio (Gd) e Túlio (Tm). Em matéria de política climática, muitos minerais estratégicos são elementos essenciais à segurança e à transição energéticas e, dessa forma, a conceitos como neoindustrialização, transformação ecológica e, inevitavelmente, descarbonização. Isso porque desses minerais depende a fabricação de circuitos, baterias e peças que vão integrar novas máquinas e equipamentos que funcionem a partir de energia vinda de fontes renováveis (como as baterias de carros elétricos, celulares e computadores, que têm no Lítio um constituinte fundamental). No Brasil, a relação de minerais estratégicos é definida por uma norma do Ministério de Minas e Energia (MME). Por estarem diretamente ligados à produção e ao fornecimento de energia, ao desenvolvimento tecnológico e ao funcionamento da economia de um país, os minerais estratégicos também são conhecidos como minerais críticos e com isso se tornam, necessariamente, uma questão de segurança nacional.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 10 atos relevantes para a política climática nesta semana. Entre os temas, predominou Terras e Territórios, com 4 atos, seguido de Energia, com 2. Nas classes, Planejamento deu o tom da semana, com metade dos atos. A agenda de Governança foi o destaque, com 6 dos 10 atos.
Acelerar a transição energética é Paten(te)!
Sancionada nesta semana a Lei que institui o Programa Brasileiro de Aceleração da Transição Energética (Paten), que objetiva gerar condições para incentivos financeiros em geração e uso eficiente de energia de baixo carbono. A lei deve estimular a substituição de atividades carboníferas e a expansão da transmissão de energia renovável, inclusive em imóveis rurais. O Paten acerta ao mirar o braço financeiro da transição energética. Isto é, os meios de implementação incontornáveis para fazer valer as recomendações da Agência Internacional de Energia (IEA) no sentido de tratar da descarbonização do sistema de energia de transportes.
No entanto, o Programa não soluciona um impasse: o Brasil segue sem ter meta concreta ou mesmo projetada para substituir a produção de energia a carvão. Ainda assim, um ponto a destacar na sanção foi o veto que rechaça a possibilidade de investimentos do Fundo Clima para gás natural, ainda que ele seja empregado como substituto de outras fontes mais emissoras. Essa decisão do Executivo é importante, pois demonstra que o governo tem clareza quanto a gás natural ser, também, combustível fóssil, e que não deseja empregar dinheiro do Fundo Clima para isso.
Brasil também tem planos para o Mar até 2027
Em decreto publicado nesta semana, o governo brasileiro lançou a 11ª edição do plano nacional para gestão de recursos do Mar. O compromisso tem vigência até 2027 e traz eixos de atuação que vão da pesquisa científica até ações para o aproveitamento econômico do Mar – quer para exploração da pesca, quer para a produção de energia a partir de marés, vento e até mesmo sol – passando pela proteção de comunidades costeiras e pelo desafio de conter a poluição marinha.
O plano está alinhado à Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM), de 2005, e também aborda instrumentos para a chamada Economia Azul, dentre os quais o turismo e a formação de pessoal para atuação em áreas de conhecimento marinhas, com processos educacionais que estimulem uma “cultura oceânica”.
Atividades como o monitoramento do oceano e da biodiversidade marinha, por exemplo, são essenciais em matéria de política climática, já que muitos indicadores de alteração no planeta são identificados a partir do mar. E do mar também vêm soluções para descarbonização das atividades humanas, a exemplo das usinas de produção de energia eólica, o manejo de estoques pesqueiros e modalidades de turismo como o científico e o ecológico.
Contadas as reentrâncias, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e Bahia detêm as 4 maiores extensões de litoral no país (com 6.000 Km de costa, de quase 10.000 Km do total nacional) e é esperado, portanto, que busquem convergências entre o plano e suas políticas estaduais.
Vale lembrar: a ONU instituiu esta como “a década do oceano”. Sem ele, não há clima.
Incentivos para (mais) Óleo e Gás: às custas de quem?
Nesta semana, por decreto, o Governo Federal estabeleceu a redução de até 5% no montante de royalties pagos por empresas de Óleo & Gás em contratos da chamada Rodada Zero. A medida entra em vigor imediatamente, mas é válida para empreendimentos iniciados apenas a partir de janeiro de 2028. A ideia do governo por trás da norma é intensificar a exploração e produção desses contratos por meio de incentivos à realização de conteúdo local nas atividades de exploração e produção.
A Rodada Zero trata do conjunto de negociações que seguiram o fim do monopólio exercido pela Petrobras para as atividades de exploração e produção de petróleo no Brasil. Ratificou-se, então, os direitos da Petrobras na forma de contratos de concessão sobre os campos que já se encontravam em efetiva produção.
O decreto está alinhado à Portaria nº. 804/2024, do Ministério de Minas e Energia (MME), de setembro passado, que lançou o Programa Potencializa E&P. Esse programa reúne ações e iniciativas para fomentar o desenvolvimento e a produção de petróleo e gás natural, especialmente em áreas de novas fronteiras exploratórias e campos de economicidade marginal.
Ao tratar de atrair investimentos fósseis, a redução dos royalties impacta diretamente as receitas de estados e municípios, que dependem desses recursos para financiar políticas públicas e investimentos em áreas como saúde e educação. Especialistas do Instituto Talanoa apontam que o decreto também destoa da urgência nacional pela transição energética e fere os princípios da transição justa, ao priorizar incentivos a combustíveis fósseis em detrimento da saúde fiscal de entes subnacionais.
BRASIL
Dino bota pressão
Governadores da Amazônia e do Pantanal têm 30 dias para apresentar planos emergenciais de combate aos incêndios florestais ao Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, dentro de 15 dias, têm de apresentar atualizações sobre as investigações e a aplicação de sanções ligadas a crimes envolvendo incêndios florestais.
A medida de Dino joga a favor do clima, já que leva em conta que o período de menos chuvas nesses biomas já se aproxima e, portanto, os governos locais devem estar prontos para agir planejada e antecipadamente, a fim de evitar que se repita o descontrole do fogo, vivenciado em 2024.
A movimentação ocorre no mesmo processo que julgou a ADPF 743, sobre a qual a Política por Inteiro já havia feito uma análise à época dos incêndios se alastrando pelos biomas brasileiros. Na ocasião, o STF decidiu que gastos federais para Amazônia e Pantanal ficariam, até 31/12/2024, de fora do cálculo da meta fiscal, dada a gravidade da situação atravessada por esses biomas.
O Valor Econômico repercutiu mais sobre o assunto.
MUNDO
Retrocessos para além da saída do Acordo de Paris
Para além da saída do Acordo de Paris, os primeiros dias do segundo governo de Donald Trump nos Estados Unidos começaram com a revogação de 11 políticas ambientais e climáticas da gestão anterior, entre ordens executivas e memorandos. Essas políticas tratavam de temáticas transversais à pauta climática, tais como saúde pública frente à crise climática, refugiados climáticos, justiça ambiental, combustíveis limpos e proteção de plataformas continentais frente à exploração de petróleo e gás, entre outras. A retirada dos EUA do Acordo de Paris tem sido contestada por amplos setores da sociedade civil, amparadas pela Climate Coalition Campaign, Natural Resources Defence Council e um grupo de mais de 125 representantes democratas, em uma iniciativa que demanda a reversão da decisão.
“Sala de Comando” do capitalismo global já entendeu o risco climático
Nesta semana, o Fórum Econômico Mundial (WEF) divulgou seu Relatório de Riscos Globais 2025. Entre várias constatações, uma pesquisa de percepção chamou a atenção: representantes do Grande Capital entendem que, no curto prazo (próximos 2 anos), eventos climáticos extremos serão o 2º maior risco a lidar, perdendo apenas para a desinformação. A médio prazo (próximos 10 anos), metade dos 10 maiores riscos globais será proveniente de fatores ambientais. O “exaurimento de recursos naturais” e uma “mudança severa nos sistemas terrestres” estão na lista de preocupações do Grande Capital.
Então… O que está faltando?

MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 20 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 60 municípios. A tipologia Chuvas Intensas foi predominante, especialmente no Sudeste, com destaque para Minas Gerais, com maior parte dos registros; ocorrências das tipologias Estiagem e Seca ainda afligem o Nordeste.

Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
TALANOA NA MÍDIA
Capital Reset | Artigo de Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, traz reflexões e analisa as implicações do retorno de Donald Trump à Casa Branca. |
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO