Nesta semana, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) que regula a geração de energia eólica em alto-mar, o chamado PL das Eólicas Offshore. O que deveria ser um marco regulatório para impulsionar uma modalidade de energia renovável trouxe embutido mais uma vez os famigerados “jabutis” – trechos de norma que não têm relação com o objetivo original da matéria. Segundo especialistas, o problema é duplamente prejudicial, já que tanto os jabutis devem encarecer a conta de energia nos próximos anos – em 7,5% de acordo com a consultoria PSR em reportagem da Folha, como também há estímulos a termelétricas, por meio de “contratações compulsórias”. Os subsídios devem chegar a R$ 440 bilhões. Ou seja: mais caro para o clima, muitíssimo mais caro para o bolso.
E não se trata apenas das termelétricas a gás natural – enganosamente vendido como menos poluente, apesar de suas altas concentrações de metano (CH4) – mas também das usinas a carvão mineral, que além de terem o rol ampliado para operação no sistema nacional, poderão funcionar até 2050, curiosamente o ano em que o Brasil (e várias empresas que dizem ter ESG) prometem sua neutralidade climática.
É preciso desmistificar a falsa ideia de que gás natural, por ter “natural” no nome, é fonte limpa. Não é. Para se ter uma ideia, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) explica que, muito embora o metano “viva” menos na atmosfera do que o CO2, seu potencial de “agarrar calor” chega a ser cerca de 82,5 vezes mais forte que o do “irmão mais famoso” em matéria de aquecimento global: o CO2 (gás carbônico).
Não é à toa que as Conferências do Clima passaram a pautar o metano fortemente. Desde a COP-26 em Glasgow, em 2021, com o Compromisso Global de Metano, até a recém encerrada COP-29, em Baku, o aumento da concentração de CH4 em cerca 2,5 vezes o que havia na atmosfera no período pré-industrial tem inspirado um chamado para ação conjunta. O Brasil, que preside a próxima COP, não pode se furtar de atendê-lo. Pela decisão do Balanço Global (GST), no Consenso de Dubai, na COP 28, os países reconhecem a necessidade de aumentar esforços para acelerar e reduzir substancialmente as emissões de GEE diferentes do CO2, destacando-se o metano, até 2030.
Entretanto, o Brasil tem focado a redução das emissões de metano na busca por processos de mitigação na exploração dos fósseis e não no caminho de abandonar essas fontes em si. Em sua recém-apresentada Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), o país citou a Resolução 8 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de agosto deste ano, que dá diretrizes para a descarbonização do setor de óleo e gás. Essa abordagem não conduz à transição energética necessária para se alcançar as metas climáticas nacionais e globais na construção de uma sociedade de zero emissões e distante dos combustíveis fósseis.
No Plano Nacional de Transição Energética – que teve a “casca” lançada no final de agosto, mas até agora ainda não conta com “recheio”, empacado em prazos burocráticos para composição de seu principal fórum de debates – é fundamental que seja estipulado um caminho claro de conversão de geração de energia a partir de combustíveis fósseis em energia renovável pra valer. Térmicas a gás provavelmente continuarão sendo necessárias, sobretudo em regiões mais isoladas do país, mas elas precisam de progressiva redução, e não o contrário.
Será que os jabutis têm dono?! Ou caminham sozinhos pelo Congresso e embarcam ao acaso em alguns projetos? Ainda há tempo de serem recolhidos por vetos na sanção presidencial, muito embora esses vetos possam ser derrubados pelo Congresso.
É importante lembrar que a aprovação do marco das eólicas offshore é um dos 26 itens com os quais os Três Poderes se comprometeram em um Pacto pela Transformação Ecológica, assinado por Lira, Pacheco, Lula e Barroso ainda em agosto. No entanto, não há transformação pelas mãos da ecologia nos jabutis identificados no texto aprovado pelo Congresso. Caso não haja vetos presidenciais, ou estes sejam derrubados, o alarme de greenwashing está pronto para tocar.
Seguimos olhando os Plenários da Câmara e do Senado. É possível que outros jabutis e surpresas se apressem a aparecer ainda na última semana Legislativa de 2024. O que não surgir agora ficará para as próximas mesas diretoras a comandar as Casas, a partir de fevereiro de 2025.
TÁ LÁ NO GRÁFICO
Sem transição energética, o mundo não conseguirá zerar as emissões de gases de efeito estufa a tempo de evitar o aquecimento global acima do limite ainda seguro de 1,5º C em relação à era pré-industrial. Alguns fatores mostram que a forma como produzimos, transportamos e consumimos energia está se alterando. Mas essas mudanças marcam já de fato uma transformação e uma substituição das fontes fósseis por fontes renováveis e limpas? O Tá Lá no Gráfico aborda os desafios da transição energética no mundo e as peculiaridades do processo no Brasil, numa semana em que, mais uma vez, uma lei foi aprovada no Congresso ignorando-se a premissa de que uma política climática eficiente requer levar ao distanciamento dos combustíveis fósseis – não o estímulo. E também sem considerar que a transição justa significa, entre outros aspectos, não deixar mais uma vez a conta dos incentivos ao gás e ao carvão para o cidadão.
FRASE DA SEMANA
“A sanção da Lei [do Mercado de Carbono] marca um novo capítulo na luta contra as mudanças climáticas(…). Cria oportunidades para consolidar uma economia de baixo carbono, capaz de gerar empregos, promover justiça social, impulsionar o desenvolvimento econômico e proteger nossos recursos naturais.“
Senadora Leila Barros (PDT/DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, durante sessão solene de sanção da Lei que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões perante o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (“Conselhão”), 12/12/2024. Foto: Flickr Agência Senado/Saulo Cruz
ABC DO CLIMA
PEM: sigla para Planejamento Espacial Marinho, um instrumento público de organização do uso compartilhado do ambiente marinho e dos recursos naturais da costa brasileira. É essencial para o desenvolvimento socioeconômico baseado em ecossistemas, para a garantia de justiça ambiental das comunidades tradicionais que ocupam os territórios costeiros e também é ferramenta para a descarbonização da economia.
MONITOR DE ATOS PÚBLICOS
O Monitor de Atos Públicos captou 19 atos relevantes para a política climática nesta semana. O tema mais frequente foi Terras e Territórios, com 13 normas, bastante puxadas por autorizações do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para que a Força Nacional atue nos próximos meses ao Norte e ao Sul. Já a classe mais captada foi Resposta (10), seguida de Regulação (7). Nas agendas, um quase-empate entre Mitigação, Governança e Financiamento, com 8, 7 e 6 atos, respectivamente.
Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões é sancionado
O Brasil agora tem seu mercado de carbono regulado. A Lei 15.042 foi sancionada, sem vetos, e publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de dezembro. Depois de 9 meses de tramitação, o texto final, aprovado em 19 de novembro, traz as definições gerais para a instituição do SBCE que agora segue para a etapa de regulamentação. O Ministério da Fazenda divulgou o Roteiro de Implementação em que detalha as 5 fases de operacionalização, que devem durar de 4 a 5 anos.
Força Nacional deve trabalhar (ainda) mais em 2025
Em uma única semana, seis atos do MJSP determinaram que a FNSP deve atuar nas diferentes regiões do Brasil, pelos próximos meses. Uma das normas tratou de garantir que a FNSP atuará na Amazônia Legal durante todo o ano de 2025. Outras também se referem à prorrogação de permanência da Força, ou até mesmo ao seu retorno, indicando que as tensões e riscos à governança territorial – essencial para a política climática em um Brasil que perde florestas e seus defensores todos os anos – seguem sem solução.
Recentemente, a Política por Inteiro teceu uma análise infográfica especial sobre a atuação da Força Nacional em matéria de política climática. Vale a pena conferir.
Dobradinha Unidades de Conservação e Desenvolvimento Agrário
Nesta semana, captamos cinco reconhecimentos de áreas-alvo para o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Destes, quatro ocorreram em Unidades de Conservação (duas Florestas Nacionais – FLONAS e duas Reservas Extrativistas – RESEX), o que amplia o número de beneficiários da reforma agrária dentro de áreas com atributos ecológicos importantes a serem conservados. Um dos reconhecimentos alcançou a FLONA Crepori, em Jacareacanga, sudoeste paraense. O município é conhecido por receber forte pressão de desmatamento.
Por falar em Unidade de Conservação, o ICMBio reconheceu mais uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) nesta semana: Porto das Antas, com 145 hectares, em Serranópolis, Goiás. Nas contas da Política por Inteiro, chega a 17 o número de RPPNs reconhecidas desde o início do atual mandato federal. Nessas áreas, a geração de receita a partir de serviços de ecoturismo e práticas educacionais deve ser estimulada.
Mais aportes para indígenas
Nesta semana, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) abriu crédito suplementar de R$ 480 milhões para a promoção da Saúde Indígena no Brasil. A alocação representa 18,5% do total orçado para todos os programas da norma (R$ 2,59 bi) e representa um reforço importante para o Sistema Único de Saúde, que tem um subsistema próprio para a saúde indígena.
BRASIL
Um Rio Grande de empréstimos para reconstrução
Os eventos climáticos extremos que acometeram o Rio Grande do Sul no 1º semestre deste ano ainda seguem ecoando, desta vez no campo das finanças. Nesta semana, o Senado aprovou pelo menos 5 operações de crédito externo (nome de batismo para “empréstimos internacionais”) focados na reconstrução de cidades gaúchas, com especial atenção à Porto Alegre. Somados, os empréstimos totalizam R$ 2,71 bilhões, em cotação atual. Os cinco credores são Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), Banco Mundial (WB), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW) e Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Reconstruir seguindo os preceitos da adaptação climática é uma obrigação se quisermos que o Brasil não fique submerso em custos de reconstrução. Dívidas como essas levarão em média 15 a 20 anos para serem completamente pagas, com custos ao contribuinte. A aprovação de operações internacionais pelo Senado Federal, em favor de estados e municípios, é um dos passos exigidos pela União, que é, em última instância, fiadora das operações subnacionais.
… E já que falamos de empréstimos…
Ainda deu tempo de o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), estabelecer, em portaria, que um dos princípios norteadores de toda e qualquer negociação financeira envolvendo entes federados e bancos multilaterais de desenvolvimento seja a transição ecológica justa, para “o enfrentamento das mudanças climáticas e de seus efeitos”. Se obedecida, a norma deverá colaborar para “climatizar” a captação de recursos internacionais. Não só a União, mas também estados e municípios vêm buscando obter empréstimos para investir em obras e serviços que levem em conta a variável climática no escopo. Todavia, os subnacionais enfrentam dificuldades para que seus projetos captem recursos, já que o espaço fiscal da União – aval de toda operação – costuma ter teto anual baixo e, dessa forma, concorrido. Em resumo: o governo federal acaba tendo de administrar um represamento de operações de crédito, Brasil afora.
MUNDO
Acordo de Paris completa 9 anos
Há 9 anos, em um sábado, 12 de dezembro de 2015, era assinado o Acordo de Paris no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Seguindo o princípio máximo da Convenção, seu objetivo é limitar o aumento da temperatura média global (em relação aos níveis pré-industriais) em 2ºC (Celsius). Pelo Acordo, as 196 nações signatárias se comprometem a um esforço adicional, para que o teto de aumento não ultrapasse 1,5°C. Apesar de múltiplas dificuldades em sua implementação, o Acordo pode ser considerado uma “vitória da persistência”, uma vez que tentativas anteriores como Copenhagen (2009) e Lima (2014) haviam fracassado.
Não se sabe até quando o Acordo de Paris vigerá mas, em matéria de ação conjunta pelo clima, ele é o melhor instrumento coletivo de nações que a Humanidade construiu até aqui.
COP da Desertificação chega ao fim
A COP 16 da UNCCD chegou ao fim no dia 13 de dezembro, após 11 dias de discussões sobre como aumentar a resiliência dos solos contra a desertificação e a seca, fenômenos que afetam aproximadamente 1,8 bilhão de pessoas no mundo. Em seu 30º aniversário, a conferência foi realizada pela primeira vez no Oriente Médio, uma das regiões mais afetadas pela desertificação. No Brasil, são 1,4 milhão de km² de terras suscetíveis à desertificação, impactando diretamente a mais de 1.500 municípios. Embora uma série de iniciativas tenha sido anunciada pela presidência saudita, como a Agenda de Ação de Riade (que contou com mais de 100 iniciativas) e a Parceria Global de Resiliência à Seca de Riad, poucas decisões de alto nível foram tomadas, como poderia ser a definição de um protocolo ou um marco global para combate à desertificação, impulsionados por países africanos. Por outro lado, os anúncios de financiamento feitos nos primeiros dias não engrossaram, ficando aquém do necessário para os países mais vulneráveis à desertificação.
Celebridades expostas… aos eventos climáticos extremos
Nesta semana, os incêndios florestais na Costa Oeste dos EUA avançaram sobre a famosa região de Malibu, visitada e habitada por celebridades do cinema e da música. Desta vez, o fogo se alastrou em direção à região onde há mais de 20 anos vive a cantora estadunidense Cher, 78, que teria sido retirada de casa “à força”. A também cantora Barbra Streisand, 82, além da atriz Mira Sorvino, 57, estariam na lista de evacuados da região. Eventos extremos como incêndios florestais têm se tornado frequentes nos EUA, e casos como esse mostram que nem mesmo o alto poder aquisitivo torna as pessoas imunes aos prejuízos causados pela mudança do clima. O UOL trouxe detalhes.
MONITOR DE DESASTRES
O Monitor de Desastres captou 3 atos de reconhecimento de emergência decorrentes de eventos climáticos extremos, que atingiram 27 municípios. Estiagem predomina por mais uma semana, com 17 ocorrências, todas no Nordeste. Minas Gerais teve de (quase) tudo: Chuvas Intensas, Vendavais e… Seca. Ao Sul, uma ocorrência de Granizo em Santa Catarina.
Nota explicativa: os dados registrados no Monitor de Desastres referem-se única e exclusivamente às situações de emergência ou calamidade pública reconhecidos oficialmente pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil/MDIC nesta semana. Eventualmente, é possível que desastres ocorridos na mesma semana não sejam contabilizados, dado que o reconhecimento do governo federal leva alguns dias para ser publicado.
Bom fim de semana,
Equipe POLÍTICA POR INTEIRO